Uma das apostas recentes da Netflix para o público infantil é A Caminho da Lua, animação que tem no comando o diretor Glen Keane, conhecido por ser um dos pioneiros na animação 3D na Disney, responsável por desenhos como A Bela e a Fera (1991), Pocahontas (1995), Tarzan (1999) e Enrolados(2010).
O desenho conta a história de Fei Fei, uma garota chinesa que é filha de pais muito amorosos mas que ainda criança perde a mãe. Quatro anos depois, seu pai está prestes a se casar de novo e ela revive o momento de luto, ainda buscando meios de lidar com a dor e a saudade. Fei Fei acreditava na lenda de Chang’e, a deusa da Lua, que também viveu um amor infinito com Hou Yi e também precisou se separar de seu amado.
Esta lenda existe e faz parte da mitologia chinesa, ocupando um lugar de destaque na cultura e nas festividades do país.
Transformar uma história arquetípica em roteiro de animação para tentar fazer com que as crianças e suas famílias reorganizem algumas ideias que ficam presas no inconsciente não é um recurso exatamente novo.
A Caminho da Lua começa num ritmo bonito e emocionante, estruturando a relação de Fei Fei com seus pais, apresentando uma personagem amorosa e sensível, com uma ambientação bonita e gráficos igualmente bonitos, ainda mais quando passamos para o terreno da narrativa mítica: o que era 3D vira 2D e ganha uma nova dimensão, mais sutil e emocionante – recurso infelizmente pouco explorado, que poderia ter voltado mais vezes durante o filme.
Porém, toda a emoção apresentada no começo se perde ao longo dos outros minutos. Na tentativa de lidar com o luto e provar ao seu pai que o amor infinito existe, Fei Fei quer ir para a Lua e encontrar a deusa Chang’e. Ela constrói um foguete e, de forma atabalhoada, consegue chegar até lá. Lunária, a cidade da Lua, é apresentada inicialmente como um lado acinzentado e esquecido, mas logo ganha cores e nuances e aqui está a grande questão da animação, para mim.
O que no início se apresentou como uma narrativa sensível e de cores pastéis acaba se tornando uma explosão de cores vibrantes, música pop, criaturas esquisitas e brilhantes. A impressão que dá é que existiam duas linhas de roteiro, talvez 3 ou mais, e que na reunião de finalização, ninguém conseguiu decidir pra onde ir e acabaram decidindo colocar todas as coisas ao mesmo tempo.
A mensagem de A Caminho da Lua se perde e a gente fica sem saber se era pra torcer pra Fei Fei ser um grande gênio da feira de Ciências, se tudo foi verdade ou sonho, qual era a função de encontrar um pedaço do pingente no bolinho da Lua, o conflito com o irmão não é desenvolvido e nem trabalhado adequadamente, não sabemos se Chang’e é vilã ou mocinha, e não dá pra entender por que tem um show de Pop acontecendo no lado iluminado da Lua.
O que eu me questiono é se essas são escolhas que fazem sentido para a audiência que consome referências orientais, se não sou eu que tenho um olhar ocidental completamente viciado, diante de uma produção que apresenta referências diferentes das usuais. Ou se realmente temos alguns problemas complexos de roteiro e um número considerável de apostas questionáveis.
Valia uma revisão geral de roteiro, talvez limar 3 ou 4 personagens sem função nenhuma e afunilar os acontecimentos para responderem ao superobjetivo do filme. Talvez isso pudesse ajudar A Caminho da Lua a perder a cara de Frankenstein e ficar com um ar um pouco mais redondo.
A Caminho da Lua (Over the Moon)
Ano: 2020
Direção: Glen Keane, John Kahrs
Roteiro: Audrey Wells, Jennifer Yee McDevitt, Alice Wu
Elenco principal: Ken Jeong, Sandra Oh, Phillipa Soo, Kimiko Glenn, John Cho, Brittany Ishibashi, Conrad Ricamora, Margaret Cho, Irene Tsu, Ruthie Ann Miles
Gênero: Animação, Aventura, Comédia, Família, Musical
Nacionalidade: Estados Unidos, China