Federico Fellini era um espectador do mundo, um verdadeiro apaixonado pela humanidade em todas as suas camadas.

Ao longo de seus 40 anos de carreira cinematográfica, construiu um estilo próprio que muito tinha a ver com o seu jeito de olhar a vida, de perceber as nuances e arestas das relações entre os seres humanos e a sociedade.

Ele era um diretor atento não somente às miudezas da vida, como os flocos de pólen voando que marcam a entrada da primavera no Hemisfério Norte, em Amarcord, mas também a grandes acontecimentos individuais e coletivos.

Conta-se que existem traços autobiográficos em muitos de seus filmes como no próprio Amarcord, ou até mesmo em 8 ½. Ainda que Fellini diga em entrevistas como a que deu a Joaquín Soler Serrano para o programa espanhol A Fondo, em 1977, que a maioria de sua biografia é inventada, é notável a diferença de foco que ele dá em E la nave va para a atmosfera coletiva ao invés de puramente ressaltar as individualidades peculiares de cada persona mostrada na tela.

O filme que estreou em 1983 conta a história de um cortejo fúnebre que acontece em alto mar, no qual são levadas as cinzas da cantora lírica Edmea Tutea. Os passageiros do navio Gloria N. são amigos ou conhecidos, artistas e pessoas da nobreza de diversos países, muitas vezes pessoas que somente admiravam Edmea, mas que fizeram questão de embarcar em Nápoles rumo ao mar da Grécia para prestar sua última homenagem à cantora.

Em forma de um falso documentário, flertando com o estilo já conhecido em Os Palhaços e Ensaio de Orquestra, Fellini deixa a cargo de um personagem jornalista a costura dramática entre os depoimentos de amigos, as imagens marcantes do navio e também as situações inusitadas que acontecem, como o resgate de um bando de refugiados sérvios.

Encontram-se algumas referências que dizem que foi um filme feito em alusão ao funeral de Maria Callas, uma das maiores sopranos de todos os tempos, que teve suas cinzas espalhadas no mar Egeu.

O fato interessante da escolha deste tema é justamente notar que, desta vez, é a partir do coletivo que se conhecem as individualidades, e não o contrário.

Até agora, vendo os filmes de Federico Fellini, era possível reconhecer indivíduos fortíssimos e cheios de camadas. E por meio deles, conhecíamos a cidade, o mundo, a avareza, a guerra, o sonho, a arte, o cinema. Desta vez, é por meio de um acontecimento externo que passamos a conhecer e mergulhar nas características dos indivíduos.

Quase como se, por meio da morte de um ídolo nacional, pudéssemos ampliar, pouco a pouco, as personalidades de cada uma das pessoas que tinham algum tipo de relação com ele. E desta forma, conhecer o mundo em que ele vivia.

Não é um filme que se distancia do universo felliniano, muito pelo contrário. Tudo continua lá. A realidade deslocada e ampliada aparece em momentos de ternura e angústia, os figurinos e caracterização continuam especiais e fantásticos e os atores são expressivos e precisos.

Existem presenças como a da bailarina alemã Pina Bausch, que até poderia passar despercebida, não fosse sua intensa expressividade a denunciá-la. E ausências notáveis, como a de seu amigo e compositor favorito Nino Rota, que havia falecido alguns anos antes, fazendo com que E La Nave Va não tenha uma trilha original, senão óperas conhecidas.

As situações vão acontecendo revelando uma personalidade aqui e outra lá, a temática da música e da orquestra se repete, deixando escapar uma briga de egos, vez ou outra, um personagem um pouco mais caricato, a solidão, o luto, a celebração da vida.

Este é um dos últimos filmes do diretor e um dos mais sensíveis.

Ao mergulhar em sua obra como um todo, fica cada vez mais evidente a ternura com a qual Fellini rege suas produções. Não é preciso ser um grande entendedor de cinema para assistir a um de seus filmes. Basta estar disposto a ver o mundo com outros olhos.

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