Fazer uma maratona dos filmes mais icônicos de Federico Fellini é uma tarefa complexa.

Muito porque, ao longo dos seus 40 anos de carreira, ele passeou por estilos diversos até que encontrasse seu jeito de contar histórias: um passeio peculiar, inventivo por situações, personagens, cidades e temperamentos, que pode nos oferecer um mergulho profundo no inconsciente à mesma medida em que revela tanto da realidade quanto é possível.

A Voz da Lua foi o último filme realizado por Fellini, antes de sua morte. Pode-se dizer que foi um presente de referências deixado para seus espectadores, mas acredito que acima de tudo foi uma grande brincadeira, uma grande celebração das mentiras mais contadas por ele, e que ele resolveu fazer para si próprio.

No capitão da embarcação que viaja pelos ambientes mais diversos da cidade, de telhados a cemitérios, de memórias a guindastes, Fellini colocou o ator Roberto Benigni, conhecido por seu papel icônico de Guido, em A Vida é Bela.

O que Benigni revela em A Voz da Lua é um protagonista sensível, sutil e emocionado, quase como se fosse uma extensão do olhar daquele menino que, aos primeiros minutos de Os Palhaços, se deleita ao ver o circo sendo montado nos fundos de sua casa. (Uma reminiscência do próprio Fellini quando menino, talvez?)

Mas desta vez, o circo é o mundo. O céu e o limite e a Lua tem o rosto da mulher amada.

Salvini, o louco, passeia por lembranças e lugares, encontrando figuras marcantes de sua vida e da vida daqueles que o acompanham para então expandir as relações individuais estabelecidas entre as personagens do filme e achar na cidade, nos telhados, no céu, num poço, na névoa, seus melhores amigos.

Tudo neste filme, para Fellini, é uma grande brincadeira.

Uma grande mentira, senão a maior de todas, que faz um compilado de símbolos importantes para si e os coloca na tela como verdadeiros companheiros de jornada.

As personagens são caricatas, existem situações levadas ao extremo, um flerte claro com o surrealismo e outras marcas do diretor que podemos encontrar, ao longo da obra.

Na mesma entrevista citada em alguns textos deste especial, a que Fellini concedeu ao jornalista espanhol Joaquín Soler Serrano para o programa A Fondo (1977), ele revela que a maior parte de sua biografia é inventada.

“Sou um mentiroso, mas sou sincero. Censuraram-me por não contar sempre do mesmo modo a mesma história. Isto acontece porque, desde o início, eu inventei toda a história e acho tedioso para mim e pouco gentil para os outros repetir-me” – diz ele. E ainda conta que boa parte de sua memória de Rimini foi tão remexida, revisitada, recontada, que provavelmente também carrega bastantes traços de fantasia, a ponto de deixá-lo com vergonha por tantas invenções.

No fim, Fellini é isto: um mentiroso excepcional que nos entregou histórias belas e tristes sobre pessoas estranhas e ao mesmo tempo muito reais. E como diz o dramaturgo Matéi Visniec em um texto de sua coletânea Cuidado com as Velhinhas Carentes e Solitárias: “Todas as histórias belas e tristes são universais”.

Não importa se Salvini é louco ou não, se Cabíria conseguiu ser feliz ou não, se Zampanó refez a sua vida depois que Gelsomina morreu de tristeza.

Não importa quantas visitas a Fontana di Trevi teve, depois que Guido mergulhou para curtir uma madrugada junto de uma bela mulher. Ou quanto tempo demorou para a primavera voltar, depois que La Gradisca finalmente encontrou seu Gary Cooper.

O que importa é que pudemos ser testemunhas destas histórias.

E por isto o cinema será grato.

Para sempre.

Se você quiser testemunhar a história de A voz da lua, o longa está presente na plataforma de streaming do Telecine. Lembrando que o serviço oferece  30 primeiros dias de acesso gratuitos.

Navegue por nossos conteúdos

CONECTE-SE COM O CINEMASCOPE

Gostou desse conteúdo? Compartilhe com seus amigos que amam cinema. Aproveite e siga-nos no Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e Spotify.

DESVENDE O MUNDO DO CINEMA

A Plataforma de Cursos do Cinemascope ajuda você a ampliar seus conhecimentos na sétima arte.