Por Ana Carolina Diederichsen

Poucos temas na história do cinema foram tão frutíferos quanto os filmes que se passam em prisões ou cuja temática gira em torno delas. O isolamento cria um terreno fértil para abordagem de diversas facetas humanas. Isolados, distantes do crivo social habitual e vivendo sob novas regras, alguns comportamentos se revelam, se reforçam e muitas vezes se exasperam.

Justamente por ser tão um tema tão próspero, são muitos os filmes bons a respeito. Mas como na vida tudo se resume a escolhas, abaixo estão nossos selecionados. É preciso, porém, abrir um espaço para algumas menções honrosas: Os Últimos Passos de um Homem, Papillon, César deve Morrer, Prison Break, entre tantos…

O Expresso da Meia Noite (Midnight Express, 1978)

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Lançado em 1978, o filme relata a verdadeira história de Billy Hayes (Brad Davis), um estudante americano que foi preso ao tentar deixar a Turquia transportando 2 quilos de haxixe. Condenado a 4 anos de reclusão, ele tenta se adaptar às novas regras, país, língua e todas as dificuldades que provém da falta de liberdade. Aos poucos, encontrou um grupo de estrangeiros no presídio e fez deles sua nova família. Não demorou muito para que ele descobrisse o significado para “o expresso da meia noite” na língua dos presidiários: fuga.

Como sua pena era pequena, optou por tentar se adaptar e aguardar que os anos passassem da melhor maneira possível. Faltando apenas 53 dias de sua libertação, a lei turca sofre uma alteração e sua pena é alterada para 30 anos. Sobreviver aos 4 foi fácil, pois a perspectiva de saída era iminente. 30 anos naquela situação o levaria à morte. Com a alteração de seu status, ele passa a considerar embarcar no seu próprio expresso da meia noite.

O filme dirigido por Alan Parker, de A vida da David Gale (outro forte candidato a figurar nessa lista), foi indicado a 6 Oscar, dos quais venceu 2: trilha sonora (escolha questionável, faz uso de muitos sintetizadores, mas foi inovadora para época) e roteiro adaptado para Oliver Stone, a primeira de suas 3 estatuetas. Destaque para a ótima atuação de John Hurt, que rendeu uma merecidíssima indicação a ator coadjuvante.

Expresso da Meia Noite aborda bem o imediatismo na construção dos laços emocionais quando se está sozinho. Mostra como a solidão pode roubar a sanidade e como o isolamento pode, aos poucos, te destruir.

Carandiru (2003)

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A superprodução brasileira, de grande expressão nacional e internacional, relata a famosa chacina na maior cadeia do país. Adaptado do livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella, o filme aborda o cotidiano da extinta “Casa de Detenção”. Como não podia deixar de ser, culmina na rebelião que vitimou 111 presidiários mortos por policiais, cujos julgamentos ainda não foram finalizados.

Com um elenco não só estelar, mas de grande qualidade (distinção que se faz necessária no cinema nacional, pois nem sempre as duas caminham juntas), o filme retrata personagens interessantes e muito ricos. Temos um travesti apaixonado, vivido por Rodrigo Santoro, com a ótima insígnia de “Lady Di” e seu noivo enfermeiro, o sempre ótimo Gero Camilo. Temos ainda o personagem de Ailton Graça, um mulherengo que em uma tentativa de fuga pela privada quase perde o dedo mordido por um rato.

O médico (Luiz Carlos Vasconcelos), sempre com um discreto sorriso de compaixão, nos conta a história e as histórias da cadeia e faz o ponto de ligação entre o espectador e os internos. Os personagens nos são apresentados enquanto se apresentam ao Dr., quase como se fosse um interrogatório, em uma campanha contra a AIDS.

A curiosa (e bizarra) organização da cadeia também é retratada e aqui devemos dar o mérito para o departamento de arte, que soube reproduzir de maneira bastante fiel.  A direção segura de Hector Babenco (indicado ao Oscar por O Beijo da Mulher Aranha), garante coesão ao longa.

Nesse filme a cadeia assume o papel principal, é quase um personagem com vida própria. Diferente dos demais filmes que compõem essa lista, esse é um filme sobre o local, e a trama é permeada por aqueles que fizeram parte de sua história.

A Outra História Americana (American History X, 1998)

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Lançado em 1998, esse filme despertou grande comoção. Retrata a história de um jovem neonazista americano violento e revoltado, com crueza de detalhes impressionante.

Esse é um longa sobre preconceito e sobre como as certezas individuais são construídas e como elas podem ser questionadas. O forte de A Outra História Americana não é o período na cadeia. É a história do protagonista e principalmente os motivos que o levaram à prisão. Em uma cena altamente emblemática, Derek assassina a sangue frio um negro na frente de sua casa e é preso por isso.

Mas a cadeia tem um papel fundamental, pois foi justamente durante sua temporada lá, que ele passou a questionar seus valores, entender os motivos de seu ódio e controlar seus ímpetos. Sob a orientação de um tutor negro, se tornou amigo de outro negro e foi protegido diversas vezes por ele. Para Derek, a cadeia foi aquilo que gostaríamos que representasse para todos que são presos: a reabilitação.

A prisão foi o palco para uma mudança tão significativa na vida desse homem, que gerou reflexos profundos em sua família. Danny, interpretado por Edward Furlong (Exterminador do Futuro 2), o irmão mais novo de Derek, já seguia os caminhos do protagonista promovendo e alimentando o ódio. Ao sair da cadeia, a principal motivação de Derek foi tentar mostrar ao caçula que ele trilhava um caminho errado.

A atuação marcante de Edward Norton, uma das melhores da história do cinema e uma trama realista e consistente que aborda a origem do preconceito e do ódio, tornam esse filme obrigatório.

Instinto (Instinct, 1999)

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Um famoso antropólogo americano é preso por matar alguns homens no meio da selva africana. Desde a sua prisão, Ethan Powell, o incrível Anthony Hopkins, não fala uma palavra, nem mesmo tentando justificar seu ato. Deportado para os EUA, ele deve passar por uma avaliação psicológica, a fim de determinar sua sanidade e respectiva culpabilidade.

Um ambicioso psiquiatra, Theo Caulder (Cuba Gooding Jr.), vê nessa avaliação uma grande oportunidade de se promover. Pensando na publicidade que o caso trará, ele não poupa esforços e aceita trabalhar numa prisão psiquiátrica, local para onde Powell foi encaminhado.

O personagem de Sir Anthony, estudava o comportamento dos gorilas em seu habitat natural. Aos poucos, percebe que o grupo de primatas o acolheu de tal maneira que ele, mantendo sua humanidade, passou a fazer parte da família. Durante as seções, vamos descobrindo que as mortes provocadas por ele tem muito a ver com os laços criados que o mantiveram com os gorilas.

Ethan Powell é culpado. Quanto a isso não há dúvidas e ele nem tenta negar.  A questão é determinar sua culpabilidade. Em seu lugar, você faria o mesmo? Ate que ponto nossas ações nos humanizam ou nos fazem perder a humanidade? Esse é só um dos muitos pensamentos que permeiam, com sutileza, o longa.

Instinto trabalha sempre no interessante limiar da definição de prisão (as físicas, psicológicas e sociais) e liberdade. O duelo de grandes personagens, com uma edição inteligente, adiciona um tempero à trama complexa. O olhar humilde e tranquilo de Anthony Hopkins, e em alguns momentos desafiadores, fala muito sobre seu personagem. Criando uma rica oposição, está Cuba Gooding Jr., revelando também no olhar, toda a prepotência de Theo.

Um filme que á primeira vista não traz nada de extraordinário além das boas atuações, surpreende ao levantar profundos questionamentos. Se apreciado com a devida atenção, ele pode não mudar sua opinião sobre uma série de coisas, mas certamente o fará questionar suas certezas.

À Espera de um Milagre (The Green Mile, 1999)

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Lançada em 1999, baseando-se no livro homônimo de Stephen King, a versão cinematográfica foi dirigida e escrita por Frank Darabont (criador da série Walking Dead).  Esse é o filme mais delicado e sensível da lista. E ouso dizer que é o mais sensível já feito a se passar nesse ambiente hostil.

Paul Edgecomb, um senhor com idade bastante avançada está em uma casa de repouso para idosos. Depois de uma noite agitada cheia de pesadelos, ele se depara com um trecho de “O Picolino” e esse é gatilho para uma série de lembranças que o atormentam e são apresentadas sob a forma de flashback.

Paul (Tom Hanks), agora com 44 anos, é o equilibrado chefe da ala responsável pelas execuções de assassinos em um complexo presidiário. A situação rotineira começa a mudar quando recebem um novo interno. Um homem negro, muito alto e forte. Com aparência intimidadora, John Coffey, imediatamente chama atenção. O que mais intriga é a simplicidade no olhar e o jeito de falar que transborda ingenuidade. Um exemplo disso é a cena em que ele pergunta se as luzes ficam acessas, pois pasme, aquele homenzarrão tem medo do escuro.

Ao longo dos dias, os guardas vão conhecendo um novo lado de John, (Michael Clarke Duncan, numa atuação tão convincente que o rendeu uma indicação ao Oscar) e passam a questionar se ele seria capaz de cometer o crime que o levou até lá. John consegue curar uma infecção urinária de Paul e isso só confirma o fato de ele ser muito especial e misterioso.

O roteiro, apesar de longo, é muito consistente. Tudo o que acontece tem uma razão de ser e se omitido, causaria danos à percepção. A trama ocorre durante a grande depressão americana, mas é atemporal.

Um dos traços característicos do diretor e um dos seus maiores méritos é a criação de personagens secundários complexos e importantes para a trama. Nesse longa, até mesmo um simpático ratinho, Sr. Jingles, desperta nossa atenção, e ,mais do que isso, nossa afeição. Destaque para o querido guarda “Brutal” (David Morse), que encarna o papel de grande amigo e companheiro, sempre com aquele olhar de quem te acompanharia ate o inferno e ainda deixaria a viagem mais leve e divertida.

Atuações ótimas e história simplesmente encantadora, aliadas à grande qualidade técnica, te conduzem pelas mais de 3 horas de filme de maneira a passarem despercebidas. É uma pérola que além de tudo ainda faz uma singela homenagem ao cinema.

Filme além dos clichês…

Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994)

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Através da propaganda boca-a-boca, esse filme, que não foi um grande sucesso de bilheteria, conquistou seu espaço entre os mais queridos filmes de todos. Tanto que hoje, exatos 20 anos após seu lançamento, ainda é o topo da lista de melhores filmes de todos os tempos – o Top 250 do maior site sobre cinema, o IMDB.

O filme começa com cenas entrecortadas de um crime brutal e o julgamento do responsável. Nele são apresentadas as circunstâncias do assassinato do amante e da esposa de um importante banqueiro, o réu Andy Dufresne. Ao termino, ele é condenado à prisão perpétua e enviado a Swawshank.

Num corte seco, estamos na cadeia, acompanhando a audiência de condicional de Red (o incrível Morgan Freeman), que cumpriu 20 anos de sua prisão perpétua. O mesmo presídio em que Red está, recebe uma nova leva de presidiários, fresh fish, dentre eles, Andy Dufresne (Tim Robbins). O filme é narrado pelo personagem de Morgan, contando suas impressões sobre Andy e sua adaptação à vida de presidiário. Aos poucos, seus caminhos se cruzam e vemos crescer uma amizade sólida e inesperadamente agradável, ainda mais num lugar como aqueles.

Ao contrário de muitos filmes que se utilizam da narração em voz off como um recurso para explicar coisas que o roteiro não conseguiu deixar claras, aqui ela ganha seu melhor uso possível. O filme funcionaria perfeitamente sem ela, mas as coisas que são ditas enriquecem a história, apresentando os pensamentos de um personagem complexo, com uma beleza que beira a poesia. Em resumo: a narração de Morgan Freeman aliada á bela trilha sonora indicada ao Oscar, é um deleite para os ouvidos.

O longa tem sua força na história comovente em muitos níveis, e nos personagens ricos, desde os protagonistas até os secundários. Escrito e dirigido pelo na época estreante, Frank Darabont (não por coincidência aparece pela segunda vez nessa lista), foi baseado num conto de Stephen King. A quantidade de detalhes que o roteiro traz muito bem dosadas e alguns personagens criados para a versão cinematográfica, explicam e complementam a história de amizade retratada.

Além disso, é tecnicamente impecável, com fotografia e edição perfeitamente entrosadas, o que confere ao filme um ritmo constante e equilibrado. Não é à toa que Um Sonho de Liberdade recebeu 7 indicações ao Oscar.

Esse é um filme que realiza o feito de ser inacreditavelmente bom em todos os aspectos. É praticamente sem falhas e tem uma história encantadora sobre o espírito humano, coragem, determinação e esperança. E com essa habilidade peculiar, ganhou a honra de figurar nessa posição no 5+1, com um filme além dos clichês.