Por Jenilson Rodrigues

O cinema sempre nos presenteou com figuras incomuns, sujeitos capazes de nos surpreender com seus pensamentos estranhos e atitudes absurdas. São tantos malucos que enumerar apenas alguns deles se torna uma tarefa difícil. Falando dos grandes diretores, Martin Scorsese, David Lynch, Stanley Kubrick, Irmãos Coen, Lars Von Trier e tantos outros criaram personagens que fogem a qualquer tipo de padrão de comportamento. Ficamos até perplexos diante da ousadia, personalidade e (em alguns casos) a genialidade desses loucos, mesmo porque eles foram fundamentais para que alguns dos filmes a seguir se tornassem verdadeiros clássicos das telonas. Agora é só escolher quem mais merece a camisa de força.

O Coringa, de “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008)

Cinemascope - Coringa Batman

Começamos com o olhar nada amistoso de um sujeito incrivelmente insano. O Coringa, interpretado por Heath Ledger, fechou com chave de ouro a participação do ator no cinema. Na verdade ele ainda chegou a estrelar O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (2009) antes de sua morte. Porém, o Coringa é um dos papéis mais marcantes de sua carrreira. Tanto que o personagem roubou a cena em Batman – O Cavaleiro das Trevas. Durante o filme ficamos mais ansiosos por saber qual será a próxima maluquice do indivíduo do que quando surgirá novamente o homem morcego. Sua energia e autoconfiança chegam a amedrontar qualquer um que atravessa o seu caminho. Mais do que vilão, sua loucura é tamanha que fica até difícil definir o que ele é dentro da trama. O próprio Alfred, braço direito de Bruce Wayne solta essa: “Tem homens que só querem ver o circo pegar fogo”. Se esse é o melhor Batman já lançado sabemos quem é o culpado disso.

Tony Montana, de “Scarface” (1983)

Cinemascope - Scarface

Bom ou mau? Difícil dizer. O certo é que Tony Montana – brilhantemente interpretado por Al Pacino – é um cara que não se importa com regras e sempre consegue o que quer. Enviado na década de 1980 de Cuba para os Estados Unidos por Fidel Castro juntamente com outros prisioneiros para livrar o país do que Fidel chamava de “escória de Cuba”, Montana se diferenciava dos outros justamente por sua ambição de conquistar o mundo de qualquer forma. E acabou indo longe ao se tornar um dos maiores traficantes do globo. Porém, ele não esperava que ao abraçar o mundo tivesse que tomar conta de tanta coisa ao mesmo tempo. O cara é tão louco que consegue ameaçar até mesmo um bandido que aponta uma arma bem no meio de sua testa. Humildade? Não, ele não sabe o que significa. Os vilões e gângsters das produções mais recentes do cinema nada seriam sem Brian de Palma e seu fantástico Scarface, remake incrível de Scarface – A Vergonha de Uma Nação, de 1932.

Alex, de “Laranja Mecânica” (1978)

Cinemascope - Laranja Mecânica

Stanley Kubrick sempre foi especialista em captar personagens problemáticos e fazer uma versão ainda mais aloprada desses indivíduos. Em Laranja Mecânica – baseado no romance homônimo de Anthony Burgess, de 1962 – Malcolm Mc Dowell é Alex, um rapaz com trejeitos de galã: loiro dos olhos azuis viciado em leite, Beethoven e… ultraviolência. Se não fosse por esse último “detalhe” poderíamos considerá-lo normal, mas a ironia genial se faz presente transformando-o praticamente num monstro de boa aparência. E é exatamente através desse contraste que Alex acabou se tornando um ícone artístico junto com Laranja Mecânica. Várias obras cinematográficas ou não usam a estética do filme e de seus personagens como referência. O doidão era um jovem que vivia mergulhado em pensamentos subversivos e usando seus termos próprios – como “horrrorshow”, “videar”, “guliver”, “drugues”, dentre outras bizarrices – só buscava se divertir a sua maneira, sendo completamente inconsequente.

 

X, em “A Concepção” (2006)

Cinemascope - A Concepção

No cinema nacional também podemos pinçar algumas figuras emblemáticas que parecem ter saído direto do hospício. Em A Concepção, Matheus Natchergaele vive “X”, um cara que surge do nada na vida de Alex, Lino e Liz, três jovens filhos de diplomatas que viviam em Brasília. Ao se juntar a turma, X propõe a criação do Movimento Concepcionista que dentre outras coisas consistia, nas suas próprias palavras, em “ser de todas as maneiras a cada minuto”. É complicado entender mesmo, ele convence a turma a viver cada dia de uma forma diferente, tendo uma nova personalidade, nova identidade e novo CPF, literalmente. O filme de José Eduardo Belmonte é bem louco, a todo o momento somos surpreendidos por fragmentos de cenas acompanhadas por trilhas tensas, semelhantes a sonhos. X é um ser enigmático, um personagem que realmente conseguiu se transformar em algo indefinível. As orgias e diálogos desconexos do filme lembram bastante Os Idiotas (2008), de Lars Von Trier.

Bobby Peru, de “Coração Selvagem” (1990)

Cinemascope - Coração Selvagem

David Lynch é outro mestre em nos assustar com personagens grotescos e com personalidades impossíveis de se entender. Willem Dafoe provavelmente nunca esteve tão feio quanto em Coração Selvagem, na pele de Bobby Peru. Num roadie movie repleto de esquisitices, rock, sexo e referências a O Mágico de Oz (1939), Bobby aparece na vida dos protagonistas Saylor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) e engana a todos que pensavam se tratar apenas de um simples vilão. Em uma das cenas mais sem pé nem cabeça vistas no cinema o cara surpreendentemente consegue (eu acho) – mesmo com toda sua feiura – seduzir a mocinha para em seguida dispensá-la de forma bizarra como se ele fosse um príncipe e merecesse coisa melhor. E seu sorriso literalmente podre nunca sai de sua face. Aliás, na sua última aparição no longa, sua saída de cena acontece de forma épica. Um clássico!

Maluco além dos clichês…

Tyler Durden, de “Clube da Luta” (1999)

Cinemascope - Clube da Luta

Tyler saiu da mente insana do escritor Chuck Palahniuk para ganhar vida nas telonas através da interpretação extraordinária de Brad Pitt, na versão do diretor David Fincher para uma história extremamente intrigante e perturbadora. E o principal adendo do filme com relação ao livro é o “teatro da destruição” ao qual o personagem de Edward Norton se refere no início da trama. Graças a uma personalidade única e excêntrica, Tyler também se tornou um ícone. Seus discursos sobre consumismo, modernidade e comportamento humano presentes em Clube da Luta são copiados e compartilhados em redes sociais e comunidades. A cara de bom moço aqui também não engana, pois até a personagem desmiolada Marla (Helena Bonham Carter) acaba o chamando de maluco. E se você ainda duvidar da insanidade do cara, basta conferir a cena em que ele, mesmo com o rosto completamente desfigurado depois de levar uma surra, ainda consegue sorrir ironicamente e botar medo em seu algoz. Surreal esse sujeito!