Desde que ingressei no universo da arte, eu percebi: sou uma minoria. Pouco ou nunca se falava sobre representatividade negra. Primeiro foi na faculdade de cinema. Na minha sala só havia eu e mais um amigo de negros. Quando comecei a participar de atividades culturais relacionadas ao cinema a mesma coisa: apenas eu e mais uma pessoa como negros. E, até hoje, nas cabines de imprensa, em sessões exclusivas, eu sou o único crítico de cinema negro. E, obviamente, isso é reflexo de todos os níveis de uma produção cinematográfica. De produção, atuação e cartazes de divulgação do filme. Esse quadro é criado por infinitas razões, desde o sistema capitalista até o racismo estrutural (que também está incluído no sistema capitalista).

Falando sobre representatividade, a série da Netflix, Master of None tem um episódio chamado “Indianos na TV” em que o protagonista Dev (Aziz Ansari) tenta conseguir um papel como ator, mas esbarra em diversas “regras” do mundo do entretenimento com relação a minorias que acabam o barrando de conseguir o papel que tanto queria. Um deles é que se uma série ou um filme tiver mais de dois indianos é uma série sobre indianos, o que acaba restringindo o público, complicando a aquisição de patrocinadores e assim por diante. Na segunda temporada o episódio  “Ação de Graças” é discutido como a sociedade vê as mulheres negras, principalmente as lésbicas. Isso porque a melhor amiga de Dev, Denise (Lena Waithe) é negra e lésbica. Nesse episódio tem um dos melhores diálogos que já vi na série.

Ainda falando sobre o serviço de streaming, chegou recentemente à Netflix a série Pioneers of African – American Cinema. A série traz uma seleção de filmes feitos entre 1915 e 1945 produzido por negros e para negros. Filmes que certamente a maioria dos cinéfilos e estudantes da área não conheciam. Eu, por exemplo, nunca tinha ouvido falar nos meus estudos. A única coisa parecida que tinha visto era sobre o black face, prática em que atores brancos pintavam seus rostos com tinta preta para interpretar negros que eram julgados como incapazes de atuar.

Certamente você já deve ter visto algum humorista sem noção usar tal prática nos dias de hoje e ser cobrado por isso. Portanto, Pioneers of African – American Cinema, acaba sendo uma joia pura para nos lembrar de coisas boas do universo das minorias e não apenas dos nossos sofrimentos. A temporada tem 20 episódios com os mais variados temas. Um deles, chamado Veredicto: Inocente / Caminho do Céu, é extremamente cristão e começa com o julgamento de uma mulher ao chegar no céu depois de morrer no parto. A partir daí vemos as forças do mal e do bem agindo na sociedade e sendo representadas por pessoas fantasiadas de anjos e demônios, bem ao estilo Méliès.

 

Uma versão mais contemporânea desse ato de resistência e brasileira é o Afroflix, uma plataforma de conteúdo audiovisuais que tem uma única condição: as produções precisam contar com ao menos uma pessoa negra. Sendo na produção, atuação e afins. O projeto foi criado em 2015 e é totalmente gratuito e gerenciado majoritariamente por mulheres. Lá é possível encontrar programas diversos, videoclipes e vlogers dos mais diferentes temas que tem pessoas negras envolvidas. Os projetos enviados para o site passam por uma curadoria para avaliação e só depois o material é disponibilizado.

A direção geral do projeto fica por conta de Yasmin Thayná, que também é criadora da plataforma. Ela é cineasta, roteirista e diretora do filme Kbela, que recebeu o premio de Melhor Curta-metragem da Diáspora Africana da Academia Africana de Cinema em 2017. Além disso ela também escreve para o Quebrando Tabu e Brasil Post. O objetivo é dar visibilidade para uma minoria que não é vista em produções do país.

Na aba ficção, por exemplo,  tem um dos primeiros trabalho da atriz Barbara Colen, que ganhou destaque recentemente no filme Bacurau (2019). O filme é o curta-metragem Contagem (2010), filmado aqui na minha terra, Minas Gerais, na cidade que dá nome ao filme. Na aba, vlog temos vídeos de Youtubers que já vem ganhando destaque na grande mídia como o canal Muro Pequeno de Murilo Araújo e Afro e Afins de Nátaly Neri.

Apesar de sermos chamados de minorias, ocupamos uma parcela considerável da população nacional. Nós somos muitos e não queremos só comida. A gente quer comida, diversão, arte e representatividade e fazemos isso com nossas próprias mãos desde muito tempo.

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