Nas listas dos melhores filmes de guerra alguns nomes são sempre presentes como Platoon (1986), Nascido Para Matar (1987), O Resgate do Soldado Ryan (1998), entre outros. O filme de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now (1979) é um deles, e talvez, o mais lembrado.
O filme tem como base o livro O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, publicado originalmente como uma série de três partes em 1899 na Blackwood’s Magazine e como um romance em 1902. A obra conta a história de um inglês, Charles Marlow, que consegue um trabalho como capitão de um barco a vapor num rio africano para a exploração de marfim. Coppola, junto com o roteirista John Milius, transportou a história para anos mais tarde. Mais precisamente no ano de 1970, durante a guerra do Vietnã. George Lucas e o próprio Milius já tinham cogitado dirigir essa adaptação para o Vietnã, mas não levaram o projeto para frente e Coppola acabou realizando.
No filme, o capitão Benjamin Willard (Martin Sheen) é enviado ao Vietnã com a missão de eliminar o Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando) que, segundo o exército, ficou louco e comanda sua própria tropa, que o trata quase como um semideus. Para cumprir a missão, Willard recebe a ajuda de uma tropa em um barco comandado por “Chief” Phillips (Albert Hall) e os tripulantes Lance B. Johnson (Sam Bottoms), Jay “Chef” Hicks (Frederic Forrest), e o Sr. “Clean” (Laurence Fishburne).
DIFERENTES VERSÕES DO MESMO FILME
Como a primeira versão de Apocalypse Now demorou muito para ficar pronta, Coppola enviou para o festival de Cannes de 1979 uma cópia do filme ainda inacabado.
“Meu filme não é sobre o Vietnã. Ele é o Vietnã. É como realmente é… e o realizamos de um jeito muito parecido com os americanos que estavam na guerra. Estávamos na selva, tínhamos acesso a dinheiro demais, a equipamentos demais e, pouco a pouco, perdemos a razão.” Coppola, na coletiva de imprensa do Festival de Cannes de 1979.
Anos mais tarde em 2001, com Apocalypse Now já no status de filme clássico, Coppola lança uma nova versão chamada Redux com 49 minutos a mais de filme que haviam sido excluídos da versão original. Recentemente, na comemoração de 40 anos de lançamento do filme, em abril de 2019 no festival de Tribeca em Nova York, ele lança mais uma versão chamada Apocalypse Now: Final Cut. Segundo Coppola, essa é a melhor versão do filme. A que ele gostaria de ter feito quando foi lançado em 1979.
É um meio termo das duas versões anteriores e com uma restauração a partir do negativo original. Com uma imagem melhorada, demorou quase um ano para ficar pronto.
Apocalypse Now e os americanos como polícia do mundo
A primeira coisa a se reparar em Apocalypse Now é a forma como a guerra é retratada. A Guerra do Vietnã foi o primeiro momento em que o mundo começou realmente a olhar conflitos armados de uma forma diferente. Se anteriormente a guerra era vista como algo grandioso e gratificante tanto para os países quanto para sua população e soldados, agora é questionada a necessidade do conflito e os custos que isso irá envolver tanto de recursos financeiros quanto de pessoas.
Os Estados Unidos haviam tido participações importantes e até decisivas tanto na Primeira Guerra Mundial quanto na Segunda Guerra Mundial. Portanto, havia um grande otimismo com relação a interferência americana na guerra em um pequeno país asiático durante a Guerra Fria. Mas as coisas não saíram muito bem como planejado e durou muito mais do que os americanos imaginavam. Quase 60 mil americanos morreram em combate e muitos outros abusaram de matar civis vietnamitas. Ao longo do conflito, a opinião publica mudou e a sociedade começou a enxergar a interferência dos Estados Unidos de forma negativa.
Um filme que ilustra bem esse primeiro momento de como a sociedade via a guerra, como algo a ser comemorado, é Patton – Rebelde ou Herói? (1970). O filme conta a história de George S. Patton, interpretado por George C. Scott, que foi um importante oficial americano responsável por grandes campanhas durante a Segunda Guerra mundial. A primeira cena do filme, com um discurso de Patton em frente a uma enorme bandeira dos Estados Unidos, resume bem a forma como o país e o mundo viam a guerra e até certa arrogância do próprio ao dizer que o país jamais perderia uma guerra. Isso certamente foi porque ele ainda não tinha visto o que ocorreria durante a Guerra do Vietnã em que seu país saiu derrotado.
Um dos filmes que exaltou a Guerra do Vietnã, e talvez o único, foi Os Boinas Verdes (1968). A produção é estrelada e dirigida por John Wayne, que interpreta Coronel Mike Kirby, um comandante dos Boinas Verdes, tidos como melhores combatentes do mundo. O filme traz uma visão otimista da guerra e com os Estados Unidos como salvadores. Inclusive, a última cena do filme tem John Wayne caminhando por uma praia de mãos dadas com uma criança Vietnamita e dizendo que estavam fazendo aquilo para salva-la. Porém, o grande complicador é que, no ano em que esse filme foi lançado, a opinião pública já ia contra o conflito. Parece que apenas Wayne era a favor da intervenção americana no continente asiático.
Clique nas imagens para ver as cenas.
As cenas emblemáticas de Apocalypse Now
A cena de abertura de Apocalypse Now é uma das mais lembradas do cinema. Gravada em um som quintafônico (som com cinco canais), o diretor quis que parecesse que os helicópteros estivessem sobrevoando a platéia do cinema. A selva mostrada do alto, de repente é tomada pelas chamas de um ataque aéreo. Além disso, temos a trilha de The End, do grupo The Doors, que aparece também em outros momentos do filme. As imagens da selva se misturam com as do oficial Willard enlouquecendo em um quarto de hotel. Aliás, o trabalho de som desse filme, planejado por Walter Murch, foi digna de um Oscar de Melhor Mixagem de Som.
Uma cena interessante da versão Redux de Apocalypse Now é a que, em determinada parte do filme, os tripulantes do barco param em um local habitado por franceses. Os donos da casa oferecem um jantar para os soldados que ficam divididos em duas mesas. Na mesa do Capitão Willard, apenas ele é americano.
Quando inicia-se uma discussão a respeito dos rumos da guerra, o sol começa a se por e um feixe de luz vai em direção aos olhos do capitão e só dele. A conversa fica acalorada e, de repente, o assunto se torna o envolvimento dos Estados Unidos nas guerras através da história.
Como toda a cena é uma critica ao governo norte-americano, é como se essa clareza de idéias incomodasse a visão do general. Como se o debate incomodasse os Estados Unidos, uma verdade que incomodava fortemente os olhos dos estado-unidenses.
O personagem que melhor simboliza essa interferência hostil e um tanto arrogante americana é o Tenente-Coronel Bill Kilgore. Ele é interpretado por Robert Duvall, que também atua em outro clássico do Coppola O Poderoso Chefão (1972). Kilgore é um oficial que, depois de descobrir que um famoso surfista faz parte da comitiva do Capitão Willard, resolve atacar uma área dominada pelos vietnamitas apenas para ter a chance de surfar por lá, devido a presença das melhores ondas do país.
A cena do ataque talvez seja a mais lembrada de Apocalypse Now. O ataque é feito por helicópteros e o coronel o executa utilizando a música de Wagner como trilha sonora. Já em terra, ele pede um ataque utilizando napalm, que uma arma química, considerada uma das mais letais que já existiu. Ela é uma mistura de diferentes substâncias, mas basicamente é gasolina em forma de gel e tem a capacidade de pegar fogo de uma forma muito fácil e seus gases ainda causam asfixia.
No filme Soldado Anônimo (2005), de Sam Mendes, temos uma cena em que soldados estão no cinema assistindo a Apocalypse Now e ficam super exaltados ao ver esse momento do filme de Coppola.
Um dos momentos históricos marcantes da Guerra do Vietnã foi justamente relacionado à essa arma. A Napalm Girl é uma das crianças que tiveram a casa atingida pela arma química e foi fotografada nua, correndo para sobreviver. A garota se chama Kim Phúc e na época da foto tinha aproximadamente 9 anos de idade. Atualmente ela está com 57 anos e é embaixadora da Boa Vontade da UNESCO.
Em Apocalypse Now, após efetuar o ataque de Napalm, Kilgore fala a frase mais famosa do filme: “Adoro o cheiro de Napalm pela manhã”. Sabendo de todo esse contexto, dentro e fora da narrativa, essa frase fica ainda mais impactante
Outro detalhe, é que a Guerra do Vietnã foi a primeira da época televisiva. Com isso os fatos chegavam até os expectadores de maneira mais rápida do que estavam acostumados e traziam uma verdade sobre os campos de batalha. Em uma das cenas do filme, o próprio Coppola faz uma participação como se estivesse dirigindo a filmagem das cenas da guerra para serem exibidas em algum canal de TV.
O LEGADO
“A obra-prima de Coppola é visualmente impressionante e as sequências, em particular, acentuaram a confusão e o horror do conflito do Vietnã. Apocalypse Now trouxe novas expressões para a linguagem: ‘Exterminar com extremo preconceito’, ‘Charlie não surfa’, ‘Adoro o cheiro de napalm pela manhã’.” Kim Newman, romancista, crítico, locutor e editor colaborador da Empire e Sight & Sound.
Embora já tenha tido filmes como Amargo Regresso (1978) e também o muito lembrado O Franco Atirador (1978), foi Apocalypse Now o mais marcante ao retratar o conflito. Ele passou a ser o padrão para o qual os demais filmes do tema seriam julgados.
Alguns anos depois o diretor Oliver Stone, baseado em sua própria experiência no conflito, produziu uma espécie de trilogia sobre o tema com Platoon, Nascido em 4 de Julho (1989) e Entre o Céu e a Terra (1993).É interessante que em Platoon, o protagonista é interpretado por Charlie Sheen, filho de Martin Sheen, protagonista de Apocalypse Now. Stanley Kubrick também deu a sua contribuição com o muito lembrado Nascido para matar.
A montagem de Apocalypse Now é abordada em detalhes no curso Introdução à Montagem ministrado pelo professor Daniel Couto. Mais informações no link abaixo.
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