Por Rafael Ferreira


Era uma vez um jovem jornaleiro de 16 anos de idade na Cidade de Kansas. Em fevereiro de 1917, ele compareceu a uma sessão de um filme no Centro de Convenções. Esta não era uma sessão comum, era uma sessão mágica, somente para jornaleiros como ele, onde o filme era exibido em quatro telas diferentes. Walter Elias Disney, o jovem jornaleiro, escolhera com cuidado o seu assento, o lugar escolhido lhe dava uma visão privilegiada, podendo assistir ao filme em duas telas diferentes ao filme de J. Searle Dawley, Branca De Neve (Snow White, 1916). Fora um momento mágico na vida deste jovem, causando um grande impacto em sua vida.


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À esquerda, o jovem Walter Elias Disney. À direita, Branca De Neve de J. Searle Dawley

Um ano depois, Walter mentiu a sua idade para se alistar na Cruz Vermelha e ajudar os soldados que lutavam na Guerra. Ele logo voltou para casa, onde ganhou uma bolsa para estudar no Instituto de Arte da Cidade de Kansas, onde conheceu um desenhista talentoso chamado Ub Iwerks, os dois se tornaram grandes amigos e produziram diversos curtas-metragens em animação, que infelizmente os levaram à falência. Mas o jovem Walter era persistente, e alguns anos depois, em 1923, ele e seu amigo Ub foram para Hollywood, a terra onde os sonhos são feitos, e conseguiram se reerguer financeiramente enquanto filmavam vários curtas sobre uma garota chamada Alice e sua jornada ao País das Maravilhas. Sabendo do sucesso que os curtas faziam, Roy, um dos irmãos mais velhos de Walter, se mudou para Hollywood e se tornou seu parceiro para o resto de sua vida.

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À esquerda, Walter e seu grande amigo Ub Iwerks. À direita, Roy Disney

Depois que a popularidade dos curtas sobre a pequena Alice começou a cair, Walter e seu amigo Ub começaram a trabalhar numa série de curtas com um novo personagem, Oswald – O Coelho Sortudo, que estava sendo bem sucedida até que em 1928, Walter descobriu que fora traído pela sua amiga que distribuía seus filmes, Margaret Winkler, ela e seu marido, Charles Mintz, haviam roubado os direitos do personagem, e levaram embora todos os animadores que davam vida ao Coelho Sortudo, com exceção de Ub, que era leal ao seu amigo.


Depois de ver seus sonhos destruídos pela segunda vez, Walter começou a rabiscar em um pedaço de papel, e o resultado disso foi a criação de um rato de orelhas redondas chamado Mortimer, que depois fora rebatizado de Mickey Mouse por sugestão de Lilly, sua esposa. Com apenas Walter e Ub para animar, e com a ajuda de Lilly e Edna, esposa de Roy, para pintar os celulóides de animação, três cartoons do Mickey Mouse foram rapidamente produzidos, incluindo o clássico de 1928, Steamboat Willie (O Vapor Willie), o primeiro cartoon com o áudio sincronizado a chamar a atenção. Walter produziu vários outros curtas após o sucesso de Steamboat Willie, e continuou a quebrar tabus ao inserir cor em suas animações.


Cinemascope---Rosebud-Branca-de-Neve-3À esquerda, Oswald, o coelho sortudo. No meio, uma imagem de Steamboat Willie. Este não foi exatamente o primeiro cartoon com áudio sincronizado. Antes dele, Max Fleischer, rival de Walt Disney, havia produzido uma série de curtas chamados Song Car-Tunes, que apresentavam diálogo e música sincronizados, isto em 1926. O primeiro desta série foi My Old Kentucky Home, imagem à direita.

Em 1934, Walter começou a trabalhar numa nova idéea, uma animação colorida que teria a duração de um filme. “Quem iria agüentar assistir 90 minutos de desenho animado?”, “Como manter o público rindo durante todo este tempo?”, “As cores brilhantes não irão fazer mal aos olhos do público se ficarem muito tempo expostas a ela?” as pessoas lhe perguntavam, duvidosas do sucesso desta ideia. Os jornais falavam desta ideia de Walter como se estivesse fadada ao desastre, chamavam esta aventura de “a loucura de Disney”. Mas, é claro, até este momento nenhum longa-metragem de animação havia sido lançado naquele país. Antes de Branca De Neve E Os Sete Anões (Snow White And The Seven Dwarfs, 1937), o cineasta argentino Quirino Cristiani havia dirigido El Apóstol (1917) e Sin Dejar Rastros (1918), ambas animações ultrapassam os 60 minutos de duração, ambas em preto & branco, sem diálogos e  tragicamente perdidas para sempre. O longa-metragem animado mais antigo de que se tem registro e ainda pode ser visto nos dias de hoje é As Aventuras Do Príncipe Achmed (Die Abenteuer Des Prinzen Achmed, 1926), que a animadora alemã Lotte Reiniger e seu marido fizeram inteiramente com silhuetas recortadas, o filme foi uma homenagem aos seus filhos que adoraram o presente. Até o momento, Walter não sabia a respeito dos filmes argentinos nem do filme alemão, pois os mesmos não viajavam de um país para outro com facilidade.


O bom Walter não dava ouvidos aos boatos negativos a respeito de sua aventura, só o que ele dizia era: “Nós vamos fazer este negócio.” Talvez você se pergunte: “Por que Walter estava decidido a seguir em frente com esta ideia?” Bem, apesar de seus curtas serem muito populares, eles custavam cada vez mais e lucravam cada vez menos. Walter então tomou a mesma decisão que um sujeito baixinho, de bigodinho quadrado e chapéu estilo coco na cabeça, ambos perceberam que o futuro do cinema estava nos longas-metragens.

Quando Walter começou a produção de Branca De Neve E Os Sete Anões, ele tinha um pequeno grupo de apenas dez animadores que haviam trabalhado nos curtas, alguns deles com mais experiência do que outros, mas ele logo percebeu que precisaria de mais animadores para conseguir finalizar o filme. Em 1929, os Estados Unidos passava por uma grave crise econômica, a pobreza, e a morte por fome eram temas recorrentes neste período. Era difícil para as pessoas encontrarem trabalho, e Walter era uma das poucas pessoas que estava contratando artistas para trabalhar, e em pouco tempo, ele conseguiu atrair artistas recém-formados que aprenderam a trabalhar com animação, a dar o melhor de si, e se tornaram os animadores mais famosos e reverenciados do estúdio: Les Clark, Marc Davis, Wolfgang Reitherman, Milt Kahl, Ward Kimball, Eric Larson, John Lounsbery, Ollie Johnston, e Frank Thomas, juntos eles formavam o grupo dos “Nove Velhos”.

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The Nine Old Men, grupo formado pelos animadores mais experientes que já passaram pelo estúdio. Da esquerda para a direita: Ward Kimball, Milt Kahl, Frank Thomas, Marc Davis, Ollie Johnston, Les Clark, Eric Larson, John Lounsbery, e Wolfgang Reitherman

Como não havia um modelo a se seguir, Walter teve de criar uma fórmula para que seu filme fosse um sucesso, teria de ser algo inovador, felizmente ele era um grande contador de histórias, e sabia que, se houvesse uma história sólida, não só risadas, mas emoção e tragédia, personagens com personalidades reais com o que as pessoas pudessem se identificar e gostar deles, sua aventura daria certo, em outras palavras, ele teria de dar alma (a palavra “animação” vem do latim anima, que significa “dar alma”) a personagens criados no papel, e para contar uma história através da magia do cinema, Walter precisaria planejar cada plano, cada cena, com muito cuidado, foi assim que ele desenvolveu uma nova etapa na pré-produção de um filme que ainda é utilizada nos dias atuais, o storyboard, que são conjuntos de ilustrações com a demarcação do plano e da ação, organizadas em seqüência para ajudar os cineastas e todos os envolvidos a imaginarem como o filme será quando estiver pronto, seria como ver uma história em quadrinhos que irá ganhar movimentos. Com este planejamento, e com alguns ajudantes, Walter pode manter o foco na narrativa; tudo o que não leva a história adiante, ou não desenvolvesse os personagens, fora cortado.

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Exemplo de storyboard de uma cena de Branca De Neve E Os Sete Anões

Numa época em que praticamente todos os filmes eram feitos em branco & preto, com poucas exceções, Walter optou por fazer o seu com uma ‘mágica’ nova chamada Technicolor, um processo no qual as três cores primárias eram impressas no negativo, permitindo a visualização de cores vivas. Esta era uma ‘mágica’ pouco utilizada, que teve sua proliferação após a grande aventura de Walter.

A história de Branca de Neve tem sido narrada há séculos, em todos os países de línguas européias, e daí disseminados para outros continentes, mas foi Walter quem mais contribuiu para a popularidade do conto. Sua influência é tão marcante que qualquer leitor que pensar em Branca de Neve, a imaginará tal como foi desenhada e sugerida por ele, declarada pelo Escravo que mora no espelho como “a mais bela”. Apresentada vestida em trapos, rodeada por pombinhos brancos. Embora sofra por dentro ela levanta seu astral cantando, mas não sem antes perguntar aos pombinhos “Vocês querem saber de um segredo? Vocês prometem não contar?” (“Do you want to know a secret? Do you promise not to tel?”), e com esta canção, Branca de Neve inspirou cinco rapazes de Liverpool a comporem uma canção em 1963. Julia Lennon, a mãe de um destes rapazes, sempre cantava “I’m wishing” para seu filho quando este era criança.

Chegamos num momento importante na história do filme e na história da animação, a Rainha sentencia Branca de Neve à morte e contrata um caçador para o trabalho, mas no momento de executá-la, o caçador é tomado por remorso e não consegue fazê-lo. Para Walter, esta cena foi o grande desafio de sua carreira, pois se o público não acreditasse nas motivações do caçador, que o levam a desistir de matá-la, se por algum motivo parecesse falso ou fosse motivo de riso, todo seu trabalho estaria por água abaixo, assim como todo o futuro da animação. Para que isto não acontecesse fora preciso seis meses de preparação, vários storyboards foram feitos, estudando como a cena seria melhor montada, como seria o ritmo da ação, quando o caçador iria largar a faca, quanto tempo duraria cada plano, e como seria a atuação dos personagens. A cena funcionou muito bem, e Walter criara e aperfeiçoara mais uma regra da animação, o staging, ou seja, a encenação. No início da cena, Branca de Neve está apenas colhendo flores silvestres, ela está em primeiro plano, portanto é com ela que devemos nos identificar, enquanto o caçador permanece em segundo plano, parado enquanto planeja o ataque, seu rosto nem sequer está bem definido; Branca de Neve vira as costas para o caçador, o que a deixa mais vulnerável ao ataque; enquanto o caçador se aproxima de sua vítima, sua sombra a cobre completamente; a simples fragilidade e inocência de Branca de Neve são suficientes para desarmar o caçador.


Após fugir desta tentativa de assassinato, Branca de Neve corre pela floresta, imaginando ser agarrada por mãos fantasmagóricas, ameaçada por árvores assombradas, vigiada por monstros e jacarés, ela grita, recua e corre para o outro lado, até explodir em desespero e desmaiar, durante toda esta cena vemos que uma ação (imaginar que troncos de árvores são figuras monstruosas) é seguida de uma reação (gritar e fugir), que faz a história avançar, eis mais uma das regras da animação criada e aperfeiçoada por Walter, “a boa ação é a reação”, ele dizia. Veja, por exemplo, a cena seguinte, repleta de bons exemplos que ilustram esta regra, na qual a curiosidade dos bichinhos da floresta, a reação do Papai e Mamãe Passarinhos ao ouvirem seu filhote desafinar, torna a cena mais interessante, e nos permite conhecer e simpatizar com a personagem.

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O que torna esta cena interessante é a reação dos bichinhos

Branca de Neve fica surpresa ao encontrar uma casa no meio da floresta, sua expressão é enfatizada pelo exagero dos gestos, apertando as mãozinhas, se inclinando curiosa para a casinha e levantando a perninha esquerda para olhar através da janela. O exagero nos movimentos é mais uma regra da animação estabelecida por Walter que os animadores seguem até hoje. Embora a animação permita movimentos exagerados e até fisicamente impossíveis, Walter toma o devido cuidado para que os movimentos realizados pelos personagens sejam coerentes com os movimentos que uma pessoa real seria capaz de fazer. Para conseguir este resultado, Walter chegou a contratar uma jovem dançarina, Marge Champion, para fazer pantomimas em frente às câmeras, o que servia de estudo para os animadores, e como referência para a rotoscopia, uma técnica utilizada para dar mais realismo aos movimentos de personagens como a Branca de Neve, o Príncipe, e a Rainha.

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À esquerda, uma filmagem de referência para uma das cenas no filme. À direita, um frame do filme referente à filmagem

O realismo neste filme está presente não apenas nos movimentos dos personagens, mas no movimento da câmera também. Há uma sensação de profundidade enquanto a câmera se afasta da entrada da casa dos anões, ou quando Branca de Neve foge do caçador e se adentra na floresta. Este efeito é alcançado através de uma técnica criada pelo próprio Walter, uma câmera ‘mágica’ para desenhos animados, chamada de Câmera de Multiplanos. Esta técnica foi testada em um de seus curtas chamado O Velho Moinho (The Old Mill, 1937), que mais tarde viria a vencer uma premiação importante na terra onde os sonhos são feitos.

Walt Disney explica a teoria da Câmera de Multiplanos

Talvez a popularidade deste filme junto aos meninos se deva à presença dos sete anões, estes homenzinhos barbudos que extraem minérios das montanhas e que, após um bom dia de trabalho, voltam para casa enquanto cantam “Eu vou” (“High-Ho”), uma canção criada por Frank Churchill, que não tinha muito treinamento musical, exceto pela experiência tocando piano para filmes mudos. Apesar da pouca experiência e formação, ele era um músico intuitivo, capaz de criar temas musicais simples e memoráveis. As canções criadas por Churchill são tão memoráveis que até os dias de hoje crianças e adultos do mundo inteiro cantarolam “Quem Tem Medo Do Lobo Mau”, tão importantes para o mundo do cinema que, até os dias de hoje, as pessoas podem comprar um disco com a trilha sonora de seu filme favorito, somente porque Walter pensou antes de todo mundo, em lançar comercialmente as músicas de seu filme.

Branca de Neve é acordada pelos verdadeiros donos da casa, esta é uma das cenas mais importantes do filme, mas nem todos estavam satisfeitos com ela, “é longa demais, Walter, e vai deixar a história num ritmo mais lento”, diziam as pessoas. “Talvez seja” respondeu Walter, “mas Branca de Neve precisa de um tempo para conhecer cada um dos anões, para que o público também os conheça. Mesmo que o público fique entediado, esquecerá logo depois porque vai se interessar por cada um dos anões.” Mais uma vez, Walter provara estar certo ao dar um nome e uma personalidade correspondente para cada um dos anões, e são eles: Oin, Gloin, Balin, Dwalin, Bifur, Bofur, Bombur, Fili, Kili, Nori, Ori, Dori, e Thorin Escudo de Carvalho – Ops! Me enganei, estes nomes são anões de uma outra história publicada antes, no mesmo ano – bem, faltando um ano para o lançamento do filme, Walter não estava tão certo quanto aos nomes que daria para os sete anões, seis deles já tinham vozes próprias, mas quanto ao sétimo, Walter decidiu deixar o coitado mudo, pois ele nunca havia tentado falar, uma pena, pois teria sido um ótimo trabalho para o “homem de mil vozes” chamado Mel Blanc, que mais tarde veio a emprestar sua voz a um famoso coelho de pernas longas.

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Mel Blanc tinha este apelido, o “Homem de Mil Vozes”. Em seu currículo, destacam-se as vozes dos seguintes personagens: Gaguinho, Patolino, Hortelino, Pernalonga, Pica-Pau, Piu-Piu, Eufrazino, Frajola, Frangolino, Chiquinho Gavião, Pepe Le Gambá, Marvin O Marciano, Ligeirinho, Barney Rubble, e Esquilo Secreto. Blanc chegou a dublar a voz do personagem Gideon, o gato, em Pinocchio (1940), mas sua participação foi cortada do filme e o gato ficou mudo.

Walt Disney nos apresenta aos sete anões

Mestre, Dengoso, Soneca, Atchim, Feliz, Zangado, e Dunga são os nomes dos sete anões. Walter achava que estes nomes eram perfeitos para os seus personagens, mas alguns animadores eram contra o nome Dopey (Dunga), diziam que era uma palavra muito moderna para ser usada num conto de fadas intocado pelo tempo, mas Walter respondeu que havia visto este nome numa peça de um poeta e dramaturgo inglês chamado Shakespeare, e isto foi o suficiente para convencer os animadores a aceitarem o nome, embora ninguém saiba até hoje qual o nome da peça.

Quando Walter decidiu embarcar nesta aventura e realizar este filme, ele pensou que iria precisar de apenas seiscentos mil dólares, mas sempre era preciso mais dinheiro. Roy, seu irmão, era quem cuidava do dinheiro, e ele arrancava os cabelos, pois Walter estava sempre exigindo mais e mais perfeição para o filme, mas Walter e Roy sempre conseguiam mais dinheiro, sempre conseguiam um empréstimo no Banco (Bank of America), pois eles tinham um amigo, Dr. Giannini, que era responsável pelos empréstimos do banco. Mas depois de tanto buscar a perfeição, o dinheiro havia acabado. Roy dizia ao irmão “Você precisa mostrar o filme aos banqueiros, se não mostrar, não irão investir mais, porque não sabem em que estão investindo.” Então, Roy marcara uma reunião com o banco em que seu amigo trabalhava, mas no momento não pode comparecer, e para complicar mais a situação, seu grande amigo, Dr. Giannini, havia se tornado presidente da United Artists, e fora substituído no banco por um homem sério chamado Joe Rosemberg. Walter teve de usar sua lábia de vendedor de jornal para convencer os banqueiros a cederem mais um empréstimo. Ele apresentou os Storyboards e vários trechos da animação ainda não finalizada, chamados de Pencil Tests. Em algumas partes não havia música, então Walter cantava enquanto projetava os testes, em outras partes não havia animação, apenas imagens paradas no timing certo, chamados de Animatic, e Walter explicava “É aqui que acontece tal coisa, Joe, e aí acontece isto” e o banqueiro ficou lá, impassível, assistindo e dizendo “Sim, sim, entendo, sim” Após esta apresentação que deixara Walter ansioso, ele e Joe conversaram um bom tempo sobre muitas coisas, exceto sobre o filme. Joe acompanhou Walter até a sua carruagem motorizada, e antes de se despedir, Joe lhe entregou um cheque lhe disse: “Só para constar, este negócio vai te dar um monte de dinheiro.” Walter passou a ter mais respeito pelos banqueiros depois disso, ele e Joe se tornaram grandes amigos.

Exemplo de Pencil Test de uma cena que não chegou à versão final do filme

Uma das coisas boas ao trabalhar para Walter era a possibilidade de ampliar a cultura. Ele sempre estimulava o crescimento cultural de seus artistas, por isso eles sempre estudavam arte, tentavam entender pintores como Matisse ou Picasso, assistiam filmes e estudavam-nos, sejam filmes com Fred Astaire ou filmes de horror fantástico como Nosferatu (Nosferatu, Eine Symphonie Des Grauens, 1922), O Gabinete Do Dr. Caligari (Das Cabinet Des Dr. Caligari, 1920), ou Frankenstein (1931) que influenciaram nos desenhos e layouts da Masmorra onde a Rainha realiza rituais de magia negra para envenenar uma maçã e se transformar numa horrenda bruxa. Quando não se tem um vilão forte para combater, o triunfo do bem sobre o mal não é tão importante. Esta bruxa horrenda em particular, com seu caminhar desengonçado, embora caricaturada, convence a plateia de que é uma pessoa real, e isso faz com que o público tema pela segurança de Branca de Neve. Toda a maldade da Rainha não seria nada sem o Escravo que vive no espelho, apático, com olhos desprovidos de pupilas, livre de qualquer emoção.

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Cenas do filme que mostram as influências tiradas de filmes de horror, com destaque para a sombra, semelhante ao que é visto em Nosferatu (1922)

Na manhã seguinte, os anões saem para trabalhar enquanto Branca de Neve fica para cuidar da casa, mas antes de saírem, eles a alertam sobre a Rainha Má, que aparece para Branca de Neve e lhe oferece uma maçã. Grandes cineastas sabem que “menos é mais”, e Walter comprova isto criando uma icônica imagem não mostrando a garota mordendo a maçã, apenas a mão de Branca de Neve largando a maçã.

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Branca de Neve é dada como morta, a platéia chora, comovida pela morte de um personagem animado, os anões choram pela morte de uma pessoa que lhes trouxe alegria, cada um lamenta da sua forma, Zangado, o anão solitário que odiava as mulheres, secretamente apaixonado por ela, fica arrasado, chora sozinho, ele cobre o rosto para esconder seu olhar desesperançoso, deixando a cena ainda mais forte. Zangado, com sua antipatia, apara as arestas da meiguice do filme, e o deixa mais interessante, mesmo para os céticos que não acreditariam na jornada de Walter.

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Zangado, que se manteve isolado dos outros anões durante todo o filme, chora sozinho no velório de Branca de Neve

A grande aventura de Walter estava completa, o público a abraçou com grande entusiasmo. Sergei Eisenstein, diretor de O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin, 1925) declarou este como “o maior filme já feito”, Charlie Chaplin, o sujeitinho baixinho de bigodinho engraçado disse que “Os filmes de Walter Disney iriam viver por um longo tempo”, Piet Mondrian, o pintor holandês e o malvado ditador Adolf Hitler, ambos com bigodinho engraçado, têm Branca De Neve E Os Sete Anões como seu filme favorito. Críticos o compararam com O Nascimento De Uma Nação (The Birth Of A Nation, 1915) de D. W. Griffith por ter influenciado à produção de longas metragens com esta técnica. Tudo mudou após este filme, o público ficou mais aberto a filmes familiares e filmes de fantasia, como O Mágico De Oz (The Wizard Of Oz, 1939) ganharam seu espaço no coração do público.

Walter conseguiu realizar seus sonhos, e com o dinheiro arrecadado com a produção deste filme, construiu os Estúdios Disney em Brubank, que funcionam até hoje. Gostaria de terminar este conto dizendo que Walter e Lilly viveram felizes para sempre, mas infelizmente ele faleceu aos 65 anos, vitima de câncer de pulmão, mas apesar de sua morte, seu legado permanece.