Por Felippe Gofferman

As representações das guerras históricas no cinema são oportunidades para um riquíssimo estudo do espírito e da memória dos países.

Os variados polos cinematográficos possuem suas características próprias oriundas de seu passado independentemente do gênero que abordam, mas quando falamos de filmes de guerra a história se mescla à personalidade e as peculiaridades tomam força, criando filmes únicos em visão e narrativa que representam o pensamento de um povo.  O cinema norte-americano, por exemplo, permite uma divisão em seus filmes de guerra entre as obras realísticas, que abusam da autocrítica e questionam o falso papel de mocinho assumido pelos Estados Unidos, e os filmes ufanistas, que mostram a guerra de forma maniqueísta e tende a retratar seu lado sempre como bravo e vitorioso.

A indústria cinematográfica asiática encontra no orçamento desse tipo de filme um grande empecilho, mas de tempos em tempos uma gema do gênero surge.

A coluna de hoje é a primeira parte de uma série que traz indicações de filmes de Guerra para entender um pouco melhor sobre a história da construção dos países envolvidos nos combates.

As duas primeiras produções abordadas se colocam em extremos opostos. A representante da China é uma dolorosa lembrança com forte traço autoral, enquanto o longa sul-coreano se pauta pelo cinema de gênero e explora a ação para atrair seus expectadores, mas de uma forma ou de outra ambos permitem a leitura das características de cada povo e ensinam muito sobre os dois países.

O Massacre de Nanquim

Dizer que O Massacre de Nanquim (2009) é um soco no estômago seria muito pouco. Talvez seja uma sequência de golpes na qual o próximo soco evita que o ar volte para os pulmões e faz com que o desespero, por não conseguir respirar, tome conta sem que haja esperança de, logo em seguida, não levar outro golpe.

O filme, que conta a história do massacre provocado pelo exército japonês aos chineses que permaneceram em Nanquim durante a invasão na Segunda Guerra Mundial, é um filme duro e que pinta com força ímpar a crueldade do ser humano, mas curiosamente é um tanto contido frente a realidade tão brutal que a história real relata em relação ao momento retratado. O ser humano, afinal, sempre consegue ser mais monstruoso que os vilões do cinema.

O primeiro minuto de filme já apresenta um ponto chave que representa a maturidade e nível artístico da obra. A fotografia em preto e branco é um trunfo importantíssimo, contando com um trabalho impecável de contraste, sombras e luz.

O Massacre de Nanquim

O cinza que se espalha pelo cenário não combina com a guerra no cinema moderno devido à necessidade que temos de ver o vermelho do sangue ou o alaranjado do fogo, mas em O Massacre de Nanquim somos forçados a perceber que não é preciso o sangue para ter a dor.

A ação que alimenta o início do longa não tem como função entreter, mas ser o chamariz para manter a atenção do público durante os momentos de terror que estão por vir. O filme, que não teme levantar bandeira em causa própria ao lembrar suas vítimas, explora a podridão humana e choca de várias formas. Sem manter um modus operandi, varia entre agressões sutis, que impressionam pelo trabalho que a nossa mente faz ao completar as lacunas da cena, à brutal violência explícita como a morte por exaustão.

O trabalho de fotografia transcende a sua área técnica quando amplia todos os sentimentos de quem assiste conferindo uma experiência indescritível. Em determinados momentos é possível imaginar a cor do fogo que queima os civis sem esperança, ainda que nunca haja outra cor que não o cinza.

A irmandade da guerra

A irmandade da guerra (2004) é a produção mais grandiloquente dessa lista. Dirigido por Je-kyu Kang e contando com Dong-gun Jang (Mai Wei, 2011) em seu elenco, o filme, que narra a história de dois irmãos que se veem forçados a combater pela Coréia do Sul contra a nação irmã do norte, é uma obra que consegue não apenas manter o foco “blockbuster” sobre o qual é pavimentado, mas também se envereda pelo trabalho de estudo de personagens muito comum ao cinema do país.

O custo de 13 milhões de dólares pode parecer muito pouco se comparado às produções, mesmo a nível mediano, do cinema norte-americano, mas se comparado aos filmes coreanos representa um dos maiores orçamentos da história.

A Irmandade da Guerra

O longa inicia com um breve momento de apelação para o pieguismo e para o sentimentalismo barato ao apresentar a relação dos dois irmãos, mas logo adota ritmo mais acelerado e não poupa em explosões, sangue jorrando e membros decepados. A pieguice inicial passa a se apresentar como uma pavimentação do caminho que viria a ser traçado pelos irmãos. Uma justificativa para as expressivas viradas da trama.

A evolução dos personagens e de suas diferenças, que passam a guiar suas atitudes frente ao terror da guerra, desenvolve, em paralelo ao microcosmo da família coreana, uma analogia a situação geral da guerra entre os países vizinhos, que são tratados no plural pela falta de entendimento ideológico e graças as pressões externas que acabaram por colocar o povo coreano dividido nos dois lados de um campo de batalha.

A crítica política, ainda que ofuscada devido ao apelo para o cinema de ação que o alto investimento exige, possui papel importante no filme e indica o tenebroso futuro que assombra as nações caso mantenham o clima bélico ao invés de buscarem uma solução diplomática para os problemas do passado.