Por Felippe Gofferman

O cinema japonês, se apropriando do teatro e da cultura popular em geral, aborda a temática samurai desde os seus primórdios. Os jidaigeki, como são chamados os dramas de época, sempre foram as meninas dos olhos da indústria cinematográfica japonesa e ainda hoje ocupam boa parte de suas produções.

O subgênero chanbara, referente a parte dessas produções relacionada aos samurais, é o mais popular fruto dos jidaigeki. Com inúmeras abordagens e fases que vão do realismo a fantasia, o cinema do Japão se fortaleceu explorando essa figura icônica.

Os samurais eram guerreiros ligados a aristocracia japonesa. Com o passar dos anos foram se tornando figuras de importância na sociedade, não apenas como uma figura que representa a força militar, mas tendo um simbólico papel burocrático mais ao fim do período Tokugawa, em meados do século 19.

O bushido, código que rege o modo de vida dos samurais, é um rigoroso conjunto de regras que abordam, além das artes marciais, quesitos referentes a forma como lidar com a sociedade. A honra é um quesito fundamental para o bushido. O seppuku, ritual de suicídio que consiste em cortar o próprio ventre, da esquerda para a direita, é um ponto chave do código de conduta, pois é a saída para os samurais que tem sua honra manchada. Ainda hoje o suicídio ritualístico é utilizado no Japão, ocasionalmente executivos de empresas que possuem problemas financeiros cometem suicídio pela vergonha do insucesso.

O chanbara teve colaboração dos maiores diretores do país, além de ter em seu catálogo alguns dos grandes clássicos do cinema.

Hors Concours

Antes de fazer uma lista dos melhores do gênero é importante fazer um parêntese e apontar dois filmes que se distinguem dos demais. Os Sete Samurais e Harakiri merecem um lugar de destaque não só no gênero, mas no cinema em geral.

Os Sete Samurais (1954)

Samurai

Uma obra-prima do cinema mundial que figura frequente nas listas de melhores filmes de todos os tempos. O longa de Kurosawa se sustenta como um dos filmes que mais influenciaram cineastas pelo mundo.Sete samurais

Os Sete Samurais reúne as características marcantes do subgênero ao perfeccionismo estético/narrativo do diretor e a uma história de heroísmo simples e universal.

Os samurais que dão título ao filme formam um grupo multifacetado de ronins que, contratados por camponeses, devem proteger um vilarejo dos recorrentes ataques de um numeroso grupo de saqueadores.

A construção magnífica das diferentes personalidades desses ronins é amplificada pelas grandes atuações. Toshiro Mifune e Takashi Shimura vivem personagens que se completam pela extrema diferença entre suas criações e formas de agir. Enquanto Mifune vive o único entre os guerreiros que não vem de um clã de samurais e é impulsivo e passional, o personagem de Shimura é o mais experiente entre os ronins e se destaca pelo pensamento estratégico e pela capacidade de liderar.

Os Sete Samurais tem como base a peculiar atenção aos detalhes que fazem o cinema de Akira Kurosawa ser tão rico. O esmero ao apresentar toda a tática criada pelos espadachins para tentar superar a desvantagem numérica utilizando o terreno ao seu favor, o trabalho de câmera que acompanha os diversos focos de combate e uma realista e precisa coreografia de combate transformam o filme em um dos maiores clássicos do cinema.

Harakiri (1962)

Samurai

Sob um aspecto muito mais crítico e duro, Harakiri, de Masaki Kobayashi, é um soco no estômago em forma de chanbara. Como um claro fruto do pensamento questionador oriundo do sofrimento da segunda guerra, o filme figura entre os mais fortes do gênero, mas não se limita a controvérsia.

Tatsuya Nakadai dá vida ao ronin veterano Hanshiro Tsugumo, que solicita a autorização para cometer o ritual de suicídio na presença de seu senhor feudal.  O pedido, no entanto, acaba se demonstrando parte do plano de Tsugumo para trazer uma verdade à tona.

Os tempos de paz, para os samurais, sempre são difíceis pela falta de trabalho. Antes dos guerreiros se tornarem aristocratas, toda a renda que possuíam era derivada do trabalho como defensor de um clã ou de uma região. Guerreiros dependem de guerras.

Quando não possuem a quem defender, os samurais se veem num beco sem saída. O bushido os transforma em homens orgulhosos e que, devido aos sistemas de castas, não podem se “rebaixar” a trabalhos como os da lavoura, mas as oportunidades são escassas. O senhor feudal, guiado pelos preceitos do bushido, é rígido e não pensa no samurai como uma pessoa que sofre e tem problemas como todos, mas como um avatar que deveria representar a honra da classe sem qualquer desvio.

A crítica de Kobayashi é focada na forma como o código dos samurais suplanta a empatia e a justiça por um conjunto de regras que se passam por questões de honra, mas que na verdade são um misto de orgulho e falta de humanidade.

Harakiri, que possui uma das cenas mais angustiantes do cinema chanbara, é tido como o maior representante dos filmes anti-samurai, mas suas críticas são mais profundas e não se limitam ao código de honra dos guerreiros. O questionamento, já característico ao cinema de Kobayashi, é em relação a todo o tipo de fé cega baseado em qualquer doutrina e a forma como muitas vezes perdemos a noção do indivíduo por conta de uma bandeira ideológica.

Os rostos do Chambara

Inúmeros atores adquiriram notoriedade ao interpretar samurais. Nomes como Tomisaburo Wakayama, Shintaro Katsu, Tetsuro Tamba deram corpo e versatilidade aos chambara’s. Entre os mais importantes atores do gênero estão os lendários Tsumasaburō Bandō, Toshiro Mifune e Tatsuya Nakadai.

Tsumasaburō Bandō

Ainda no período do cinema mudo, Tsumasaburō Bandō, mais conhecido como Bantsuma, marcou a história dos jidaigeki ao produzir e protagonizar Orochi (1925), o filme que pode ser considerado o pai da abordagem mais Samurairealista dos samurais.

O primeiro cinema samurai era calcado no maniqueísmo clássico do guerreiro de alta classe social que lutava contra o mal puro onde o bem sempre vencia. Em Orochi a maldade não está apenas nos vilões, mas na sociedade que comete injustiças caso você não se enquadre no perfil requerido. O livre arbítrio serve para as classes sociais mais abastadas, não para pessoas sem um nome pesado nas costas.

Em 1925, para o público japonês, foi um choque notar que aqui quem vence é o opressor. A força da injustiça supera a honradez do samurai e acaba com as esperanças dos espectadores.

Bantsuma era um entusiasta do fazer cinematográfico, tendo criado sua própria produtora e sendo o grande responsável por ampliar o leque de técnicas empregadas nas coreografias de ação. O ator desenvolveu um método próprio de levar a arte da espada para as telas e, com a ajuda de instrutores de artes marciais, aprimorou suas habilidades a ponto de se tornar uma referência técnica para o subgênero.

Toshiro Mifune

Com uma presença de cena ímpar, Toshiro Mifune foi o maior ator japonês da história. Responsável por vários dos grandes clássicos do gênero e um dos maiores parceiros de Kurosawa,  Mifune também transcendeu o cinema japonês, tendo participado de produções internacionais como a minissérie Shogun (1980) e o filme Red Sun (1971).

Seu estilo de atuação foi fundamental para estabelecer a figura do ronin como uma das mais populares do cinema Samuraijaponês. A expressão sisuda que muda completamente quando sugere o início de um sorriso e a forma como conseguia dar vida aos mais diferentes personagens foram armas que fizeram de Mifune um monstro comparável aos grandes atores do mundo.

Assim como Bantsuma, Toshiro Mifune se caracterizou por transpor a imagem do samurai sem tons de cinza. Seus personagens por vezes fugiam diametralmente do lugar comum, como o ronin malandro de Yojimbo (1961) e Sanjuro (1962) ou o tresloucado e carismático Kikuchyio de Os Sete Samurais.

Mifune, além do impacto no cinema local, foi uma das principais influências para Clint Eastwood ao criar seu clássico pistoleiro dos filmes de Sergio Leone. O ronin de Mifune é a pedra fundamental dos personagens sem nome que até hoje habitam o cinema de diversos países.

Akira Kurosawa, em referência ao alcance e as variações atingidas pela atuação de Mifune, disse que o ator precisava de apenas 3 pés (cerca de 2 segundos) de película para transmitir uma emoção, enquanto os atores normais precisavam de 10.

O legado de Toshiro Mifune vai muito além do chanbara, tendo feito mais de 120 filmes e sendo, ainda hoje, o rosto mais emblemático do cinema japonês.

Tatsuya Nakadai

Com um marcante ar de revolta, Tatsuya Nakadai é o exemplo de physique du rôle para os ronins e um dos mais memoráveis representantes do lado mais sombrio dos samurais.

Tendo trabalhado com os maiores diretores do gênero, Nakadai se especializou em levar às telas personagens Tatsuya Nakadaiautodestrutivos ou que entram em rota de colisão com as normas sociais seja por querer reparar injustiças ou por um mero desvio no caráter.

Embora sua entrada no cinema tenha sido graças a sua expressividade única, o ator logo começou a se destacar com grandes atuações, com um destaque especial para o clássico Guerra e Humanidade (1959). O longa, que tem mais de 9 horas de duração divididas em 3 partes, não é um jidaigeki, mas foi fundamental para elevar o status de Nakadai e dar ao diretor, o grande Masaki Kobayashi, que havia dado ao ator seu primeiro papel anos antes, a entrada no hall de gênios do cinema japonês.

O olhar profundo e expressivo de Tatsuya Nakadai lhe concedeu, em algumas oportunidades, o papel de nêmeses de Toshiro Mifune. Os dois atores se enfrentam em Yojimbo (1961), Sanjuro (1962) e Rebelião (1967), além de dividirem a cena em filmes de outros gêneros como o magnífico thriller policial Céu e Inferno (1963) e o drama de guerra A batalha do mar do Japão (1969).

Top 10

10º – Tirania (1969)

Tirania

Hideo Gosha talvez não esteja no panteão dos maiores diretores japoneses, mas seu nome certamente merece uma menção ao falarmos de chanbara. Responsável por clássicos como Sanbiki no Samurai (1964), A Espada do Mal (1965) e Hitokiri – O Castigo (1969), o diretor sempre foi visto como um realizador comercial, mas seu trabalho, na verdade, é um mix de influências e referências.

Tirania é um claro fruto do fascínio de Gosha pelo faroeste spaghetthi e, é claro, uma reverência do diretor aos personagens clássicos de Kurosawa e Kobayashi.

Tatsuya Nakadai interpreta um samurai traumatizado por não ter conseguido impedir um massacre promovido pelo seu clã. Revoltado com a situação decide se tornar um ronin, mas logo descobre que um novo massacre está prestes a acontecer.

A fotografia toma proveito dos elementos para dar o ar épico aos combates. A terra enlameada, a neve que domina todo o cenário até o horizonte, o mar que parece ser um personagem sempre presente, embora não se aproxime, o fogo que contrasta com a noite sem estrelas e a chuva que joga uma cortina d’água sobre os personagens que se enfrentam, são pontos-chave no desenvolvimento da personalidade do protagonista e transformam o longa em um deleite visual.

Tirania, ainda, possui uma bela trilha sonora que volta a referenciar tanto os faroestes quanto a clássica trilha japonesa através de seus tambores ritmados e instrumentos de cordas, como o sangen e a biwa, para intensificar o suspense e guiar a emoção do espectador.

9º – Lobo Solitário

Samurai

Lobo Solitário: A Espada da Vingança (1972) e suas 5 sequências foram baseados no clássico mangá escrito por Kazuo Koike e ilustrado por Goseki Kojima.

Os filmes contam a história de Itto, um samurai do clã Ogami que é traído pelo clã Yagiu que ambiciona tomar a posição de sua família na hierarquia política/executiva e, para isso, mata todos os Ogami, deixando apenas Itto, com seu filho pequeno Daigoro, para levar a culpa dos assassinatos e ser acusado de traição.

O samurai tem então dois caminhos: o suicídio ritualístico do Seppuku ou o Meifumadô, o caminho para o inferno do Budismo, e a busca por vingança, escolha que resulta na associação do guerreiro à uma imagem vergonhosa na qual se perde toda a honra da classe, se tornando um ronin.

Lobo Solitário é uma das melhores adaptações de mangás para o cinema chanbara pela fidelidade ao material original, por seu asseio estético e pela manutenção da força de sua história na transição das páginas para a telona. O filme é um grande épico repleto de ação e com grandes arcos dramáticos.

ps: os dois primeiros longas da hexalogia foram editados em uma versão para o mercado norte-americano e resultaram em um filme chamado Ninja Assassino (1980).

8º – Zatoichi

Zatoichi

Zatoichi talvez seja o personagem de maior sucesso do cinema japonês, perdendo apenas para o cômico Tora-san. O espadachim/massagista cego rendeu nada menos que 26 longas em sua principal versão, além de séries, quadrinhos e tudo o que se pode imaginar.

O personagem lendário não é um samurai, apesar da extrema habilidade com a katana. A proibição do uso de espadas para combate por não-samurais fez com que o personagem usasse sua icônica espada-bengala, um disfarce comum para esconder a lâmina e que se tornou marca registrada de sua caracterização.

Zatoichi é um andarilho que frequentemente topa com casos de injustiça e de opressão, o que faz o exímio espadachim se mover em defesa dos mais fracos, sempre se tornando inimigo de organizações criminosas como a Yakuza.

O ator Shintaro Katsu, criador do personagem, deu vida a Zatoichi nos 26 filmes originais e na série televisiva que durou 4 temporadas.

A figura do guerreiro cego é mais um dos arquétipos que ultrapassaram as barreiras do Japão e foram aproveitados por diversas culturas. Fúria Cega (1989), por exemplo, traz Rutger Hauer vivendo um veterano da guerra do Vietnã que perdeu a visão em combate e é acolhido pelos membros de um vilarejo local, que tratam de suas feridas e lhe ensinam a lidar com sua deficiência. O personagem de Hauer viaja para os Estados Unidos munido de sua espada-bastão para ajudar a resgatar o filho de um amigo.

O espadachim foi revisitado ainda pelo grande Takeshi Kitano, que dirigiu e protagonizou o longa Zatoichi (2003).

A série de longas, apesar de ter muitos momentos fracos, como o bizarro crossover com o Yojimbo de Toshiro Mifune em Encontro de Gigantes (1970), possui grandes méritos e momentos memoráveis como a belíssima luta de Zatôichi chikemuri kaidô (1967). Para iniciar no caminho do guerreiro cego talvez o ideal seja partir do princípio, com Zatôichi monogatari (1962), ou até mesmo começar pela versão de Kitano para se familiarizar com o personagem e então voltar para sua origem.

7º – A Trilogia Samurai

Samurai

Tomando como base um romance inspirado na história de Miyamoto Musashi, ronin mais conhecido da história do Japão, os filmes de Hiroshi Inagaki trazem Toshiro Mifune encarnando o lendário ronin em suas peregrinações e batalhas que, durante três longas, acabam por construir progressivamente a figura mitológica do guerreiro.

Miyamoto Musashi (1954), Zoku Miyamoto Musashi: Ichijôji no kettô (1955) e Miyamoto Musashi kanketsuhen: kettô Ganryûjima (1956) formam uma escada evolutiva para o personagem em busca da realização como homem e guerreiro.

Musashi, a figura real que serviu como inspiração para dezenas de filmes, possui uma história riquíssima de evolução e busca pelo aprimoramento pessoal, tendo desenvolvido estilos próprios de luta e filosofias que permanecem ainda hoje sendo estudadas. O espadachim ainda escreveu O Livro dos Cinco Anéis, um dos mais importantes textos sobre artes marciais e estratégia militar japonesa, onde aborda aspectos que levaram ao desenvolvimento de seu estilo e a forma poética como via a arte da espada e o mundo ao seu redor.

6º – O Gato Preto (1968)

O Gato Preto

Escrito e dirigido pelo prolífico Kaneto Shindo, O Gato Preto é um filme fora da caixa. O longa é protagonizado por duas mulheres que são violentadas e assassinadas por um grupo de samurais e voltam do inferno para se vingar de qualquer espadachim que encontrarem. Há aqui a inversão de papéis, colocando os guerreiros tidos como honrados sob o aspecto mais mesquinho e vil do ser humano.

Apesar de não ter samurais como protagonistas, o filme serve como uma janela para a cultura da época e adiciona ao gênero a esfera do fantástico, da mitologia e do horror.

Kaneto Shindo foi assistente de Kenji Mizoguchi e absorveu do lendário diretor o interesse em retratar a opressão sofrida pelas mulheres, tema recorrente na filmografia de Mizoguchi e replicado na de Shindo.

O Gato Preto é um daqueles filmes que merece uma revisão histórica. Em uma época em que obras-primas do cinema local eram lançadas com frequência, o filme passou sem muito barulho, mas bastam seus primeiros minutos para perceber que ali há algo muito diferente.

A direção, a montagem e a fotografia, criam um clima etéreo e poético e misturam técnicas para criar a sensação de horror fantástico que permeia boa parte do longa. Jump cuts, sobreposições, iluminação dura, muitas sombras e um cenário que se confunde entre natureza e estrutura constroem esse clássico à frente de seu tempo.

O Gato Preto não é o primeiro filme do tipo de Kaneto Shindo, sob uma premissa muito semelhante o diretor já havia abordado o horror no Japão feudal no também genial Onibaba, O Sexo Diabólico (1964).

O trabalho de Shindo ainda serviu como inspiração para a onda recente de filmes de horror que inundaram o cinema japonês como O Chamado (1998), Água Negra (2002) Kairo (2001), O Grito (2002) e dezenas de outros.

5º – O Samurai do Entardecer (2002)

O Samurai do Entardecer

O filme de Yôji Yamada é o caçula da lista, mas é um dos mais maduros. O Samurai do Entardecer é um minucioso estudo de personagem e possui uma construção narrativa toda voltada para que, ao fim do filme, entendamos cada ação de seu protagonista.

O samurai vivido por Hiroyuki Sanada é viúvo e tem, sob sua responsabilidade, dois filhos e uma mãe doente. A necessidade de abastecer a casa, as dívidas adquiridas com o falecimento de sua esposa e os afazeres domésticos se acumulam sobre os ombros do homem que realiza um trabalho burocrático em um escritório.

O clã que domina a região, sabendo de seus problemas financeiros, chantageia o espadachim para que ele realize a tarefa de matar um samurai de idade avançada que se recusou a cometer o suicídio.

A estrutura de O Samurai do Entardecer se divide em dois momentos. Os dois primeiros atos funcionam para a apresentação do protagonista em detalhes, construindo sua personalidade e gerando empatia. O ritmo é lento, mas preciso.

O terceiro ato é a justificava para tudo que vimos até ali. O momento em que o jovem samurai vai até a casa do ronin tido como senil é a representação em ações de todo o desenvolvimento acompanhado nos dois primeiros atos.

Yoji Yamada é econômico na ação, mas quando finalmente há um embate ele vale ser visto. As lutas passam a clara impressão de que foram estudadas meticulosamente para que cada movimento fosse realista e responsivo, não ensaiado, transformando esses combates em belas e duras danças mortais, onde um passo errado pode ser o fim de um guerreiro.

4º – Ran (1985)

Ran

A capacidade do diretor Akira Kurosawa de adaptar clássicos de outras mídias para o cinema e transformá-las em obras impecáveis também na telona é incomparável, mas Ran consegue ser um ponto fora da curva mesmo dentro da filmografia do diretor.

Após adaptar peças do teatro Kabuki, contos japoneses, Dostoiévski, Evan Hunter e Gorki, Kurosawa retornou a Shakespeare, um de seus autores favoritos, para realizar uma obra-prima do cinema internacional.

Ran é a adaptação de Rei Lear onde, em um Japão feudal, um patriarca decide dividir seus domínios entre os três filhos, mas as diferenças de pensamentos e personalidades acabam gerando uma guerra familiar que leva o velho daimyo à loucura.

O longa é um dos últimos trabalhos de Kurosawa, mas figura entre seus melhores. A trama não passa por duelos entre samurais, mas é uma intensa tragédia que envolve uma família e possui grandes sequências de guerras.

Ran é um filme grandioso, o maior de Kurosawa, e já vale ser visto só pela qualidade de seu figurino. A figurinista Emi Wada é responsável por dar vida a meticulosa caracterização dos personagens, tendo produzido mais de mil figurinos diferentes feitos a mão ao longo de 3 anos para atender aos requisitos do diretor. Quimonos suntuosos, milhares de armaduras realistas e cenários enormes construídos dão a imponência e o respaldo devido à grande tragédia que toma de assalto a vida do senhor feudal.

Akira Kurosawa, que sempre teve sua noção de composição como característica marcante, já havia perdido boa parte da visão quando as filmagens começaram, mas seus assistentes mantiveram suas instruções graças aos inúmeros desenhos para artes conceituais e para o storyboard que o diretor fez durante os anos que antecederam a realização do longa.

A colossal produção contou com cerca de 5 mil figurantes, centenas de cavalos, batalhas campais, castelos em chamas e uma chocante história de destruição causada por vaidade e ganância. Ran é uma obra obrigatória para quem gosta de cinema, independentemente de gênero.

3º – A Espada da Maldição (1966)

A Espada da Maldição

A obra mais sombria da lista foge da dupla Kobayashi e Kurosawa. Dirigido por Kihachi Okamoto, A Espada da Maldição é uma inversão de ponto de vista em relação as obras chanbara.

Ryunosuke Tsukue (Tatsuya Nakadai)  é um samurai sem qualquer escrúpulo ou compaixão, que vaga deixando uma trilha de corpos por onde passa. O protagonista, invertendo a lógica do guerreiro que repara injustiças, parece ser o mal puro. Ryunosuke poderia ser o vilão de O Gato Preto ou Rebelião, mas aqui ele é o protagonista e incrivelmente acaba gerando interesse, mesmo sendo tão odioso.

A Espada da Maldição não instiga pela história, mas pelo protagonista insano que parece não ter qualquer limite. O personagem não possui passado ou qualquer justificativa aparente que possa amenizar seus atos. Tatsuya Nakadai, sempre muito expressivo, passa todo o filme como se vestisse uma máscara. A loucura está estampada no rosto do samurai que não esboça nenhuma emoção e transborda uma calma amedrontadora.

O filme trabalha uma mistura muito bem costurada de realismo e absurdo, criando ícones e clichês que persistem. O protagonista com se manto preto e seu chapéu de palha que cobre os olhos, por exemplo, é uma imagem emblemática e define o estereótipo visual de Ryunosuke, embora seu lado psicológico seja completamente destoante.

A parte técnica possui altos e baixos. O som, curiosamente, é quase inexistente em várias cenas, o que resulta em belíssimos momentos e outros tantos que precisavam de algum respaldo sonoro do ambiente. A fotografia que puxa o contraste ao máximo dá mais peso à escuridão do protagonista, mas também perde a mão quando aborda outros personagens, que parecem brilhar devido à forte luminosidade sobre seus rostos.

A cena final, porém, utiliza o melhor do som, da fotografia e da direção para entregar uma das melhores cenas já feitas. O surto paranoico de Ryunosuke é de uma tensão ímpar e de uma beleza cinematográfica digna dos grandes clássicos do cinema mundial, onde Okamoto utiliza projeções de sombras e o cenário propício para evocar a culpa acumulada pelo protagonista e poeticamente jogá-la contra ele.

2º – Yojimbo – O Guarda-costas (1961)

Yojimbo

Yojimbo conta a história de um ronin sem nome que chega em um vilarejo e se depara com o local sendo disputado entre duas gangues. O espadachim, com seus serviços de guarda-costas cobiçados pelos dois lados do conflito, decide negociar com as duas facções enquanto manipula a situação para que os grupos entrem em choque. O samurai vê seu plano ser frustrado com a chegada do filho de um dos membros das gangues portando um revólver.

O pulso firme de Kurosawa na escolha das composições encontra uma das melhores fotografias de sua carreira sob o comando de Kazuo Miyagawa. O diretor de fotografia adiciona uma nova camada aos belos enquadramentos do diretor ao jogar com a profundidade das cenas e dimensionar o vilarejo que parece ser um ambiente único, como um grandioso teatro à céu aberto.

O ronin interpretado por Toshiro Mifune é engraçado e um vigarista de mão cheia. Apesar do questionamento ao bushido não ser marcante no filme, é interessante notar como os dois lados do conflito confiam no samurai simplesmente pela contratação de seu serviço, enquanto ele, um malandro que precisa de dinheiro, engana ambas as gangues para receber duas vezes por um trabalho não prestado.

Yojimbo traz um humor negro que encontra na atuação de Mifune um agente potencializador. O ator, ao transitar entre a canastrice de um bêbado e a serenidade de um samurai experiente, dota o espadachim de uma personalidade memorável com seus trejeitos, maneirismos e sua já conhecida imponência em cena.

1º – Rebelião (1967)

Rebelião

A família Sashara vive momentos de calmaria. Isaburo (Mifune) é um exímio espadachim que não vê combate há décadas e apenas cuida de seu clã, mas sua rotina muda repentinamente quando o daimyo local decide mandar uma concubina para casar com seu filho Yogoro.

Isaburo não vê com bons olhos o casamento, pois a jovem havia sido descartada pelo senhor local e já tinha um filho com ele. O experiente samurai vê sua família sendo usada pelos caprichos do senhor que o controla, mas acaba sendo obrigado a aceitar o casamento. Yogoro e Ichi, sua esposa, acabam se apaixonando com o tempo e juntos dão a Isaburo uma neta.

O daimyo, tempos depois da decisão de expulsar sua concubina, perde seu herdeiro direto, tendo passado para o filho de Ichi a vez na linha sucessória. Com a mudança, o senhor decide que sua antiga amante, agora mãe do futuro daimyo, não deveria fazer parte dos Sashara e ordena a volta da esposa de Yogoro para o castelo.

Isaburo, Yogoro e toda a família Sashara enfrentam então um dilema. Revoltados com os desmandos do daimyo, Isaburo, Yogoro e Ichi precisam decidir entra acatar a ordem de seu senhor ou recusar e acabar assim com sua família.

Rebelião, assim como Harakiri, ambos de Masaki Kobayashi, parte do confronto do indivíduo e o código de honra. Da obediência cega e do pensamento crítico.

Toshiro Mifune passa os dois primeiros atos como um senhor cansado, muito diferente do sempre alerta samurai sem nome de Yojimbo ou o hiperativo Kikuchiyo de Sete Samurais, mas ao se mover para a “rebelião” que dá nome ao filme, o ator se transforma e muda completamente sua expressão corporal. Os tempos de calmaria abaixaram a guarda do samurai, mas quando precisa lutar contra a injustiça imposta sobre sua família a katana volta a ser empunhada com segurança.

O filme possui uma fotografia sombria que rivaliza com a de Harakiri e ainda um espetacular combate entre o personagem de Toshiro Mifune e o espadachim a serviço do daimyo, interpretado por Tatsuya Nakadai.

Ao fim, Kobayashi parece inverter o significado do seppuku ao mostrar que a verdadeira honra, apesar de não estar ligada a cortar a própria barriga com uma lâmina, pode envolver o auto sacrifício. Não por um ideal cego, mas pelo que se acredita ser o correto.