O primeiro astro do rock de quem eu gostei de verdade (depois de uma fase adorando Avril Lavigne) foi Kurt Cobain. Isso foi causado, principalmente, pelo clipe da canção You Know You right, lançado postumamente à morte do vocalista do Nirvana. Essa atração veio devido à “energia” que existe no clipe. Uma liberação intensa de emoções despertada a partir da montagem de imagens de arquivo tanto do vocalista quanto de suas apresentações com sua banda. Para um jovem com os hormônios à flor da pele, entrado na fase “ninguém me entende”, aquilo era um prato cheio. Tempos mais tarde, depois de muita procura, consegui a biografia do cantor. Considerado o último grande astro do rock, a obra chamada Mais Pesada que o Céu, escrita por Charles R. Cross , conta mais sobre a tumultuada vida de Cobain. Porém, não finalizei até hoje.

A razão dessa leitura inacabada é que Kurt é dono de uma trajetória bem pesada. A biografia nos permite dar uma boa olhada para dentro da mente do astro, cuja tormenta pessoal foi transformada em arte através de riffs de guitarra e letras, muitas vezes nonsense. O peso existencial mais a conturbada vida de famoso regada a drogas fizeram que Kurt, para ter um pouco de paz, atirasse com uma espingarda contra sua própria cabeça. Visitar seus pensamentos me fez entender um pouco de seu mundo e que, por detrás de todas as drogas e rebeldia, havia um garoto sensível, que era fã dos Beatles e só queria ser feliz.

Tempos depois, já mais inteirado do universo rock’n roll e sabendo que a tragédia não era algo exclusivo da vida de Kurt, conheci uma banda cujo as letras e o tom melancólico são o seu grande chamariz: o Joy Division. A banda que é estampa garantida na camisa de qualquer hipster que se prese, durou de 1976 até 1980. Surgida na Inglaterra, lançou apenas dois álbuns de estúdio Unknown Pleasures (1979) e Closer (1980), além de diversas copilações, singles e EP’s que restaram após o fim da banda. O grupo encerrou as suas atividades quando seu vocalista Ian Curtis, suicidou-se aos 23 anos.  Em 2007, essa história foi contada no filme Control: A História de Ian Curtis, que é o assunto de hoje.

 

O filme é dirigido por Anton Corbijn, um fotógrafo Neerlandês que é conhecido por suas fotos em preto e branco com astros do rock como U2 e Rolling Stones. Além de ter dirigido diversos vídeo clipes dessas mesmas bandas que hoje são clássicos a música como Enjoy The Silence do Depeche Mode.

O primeiro vídeo dele que assisti foi Electrical Storm, do U2 e, assim como no clipe do Nirvana, fui atraído por uma força que, nesse caso, não sei muito bem de onde vem. A história de um cara que se vê apaixonado por uma sereia me cativou e se tornou até hoje um dos meus videoclipes favoritos.

Seus trabalhos mais famosos como fotógrafo, são nas capas de discos do U2, principalmente a do The Joshua Tree (1987),  clássico do grupo que tem músicas como Where the Streets Have No Name, I Still Haven’t Found What I’m Looking For e With or Without You.

 

Em entrevista, Anton comenta sobre ter trabalhado com os dois astros do rock que citei acima, Kurt Cobain e Ian Curtis, que tiveram um final trágico, acabando com a própria vida:

“Eu acho que ambos (Ian Curtis e Kurt Cobain) eram pessoas muito torturadas, especialmente Kurt. Kurt era o cara mais doce. Quando eu o conheci, ele já era muito popular, então ele era bastante cauteloso, mas nós nos demos muito bem e eu gostava dele enormemente. Ele era um cara tão talentoso.

Estou muito impressionado com a forma como esses caras passam a vida. A popularidade é muito para assumir. Eles tinham uma relação de amor e ódio com a posição que criaram para si mesmos. Eles estavam em um lugar que eles queriam estar e também não queriam. Havia muita angústia mental. Os artistas nem sempre são as pessoas mais equilibradas e talvez isso seja o que os torna bons e empolgantes.”

O fotógrafo acompanhou o Joy Division em algumas de suas turnês e com isso, ganhou uma certa propriedade, para dirigir um filme da banda. Inclusive, ele é responsável por fazer uma das fotos mais famosas do vocalista nos bastidores de um de seus shows. Em entrevista ele declarou:

Ian Curtis fotografado por Anton

,”[…] (Ian) era muito tímido e eu não tinha dominado muito bem meu inglês quando o conheci, então nunca tivemos uma conversa adequada. Mas gosto de pensar que havia um entendimento. Quando eu ouço um disco, eu tento ouvir a música em vez da letra e, assim, com o Joy Division eu não entendi o que ele estava cantando, mas eu entendi o significado.”

Como Anton disse na entrevista acima, sempre que ouço Joy Division, mesmo não entendendo a letra, consigo entender seu significado. É o sentimento que surge quando assisto a Control. Além das canções vemos os motivos dessas músicas existirem. O que está na base de tanta melancolia em forma de canções. Fico maravilhado (e com certa inveja) com como Ian e sua turma conseguiram transformar esses sentimentos em música e acredito que essa é uma das principais razões da banda ser tão lembrada e celebrada até hoje.

Ao ouvi-las, me sinto acolhido por também sentir um pouco disso. Acredito que é mais importante vivenciar e entender esses sentimentos do que “tapar” a ferida com qualquer música “alegre”. É como se alguém entendesse perfeitamente o que eu estou passando. Meu coração bate mais forte pelo Radiohead, mas também tem espaço para outras bandas como The Smiths e Joy Division que foram os percussores de tais obras. O que fico triste foi ver que nem isso foi o suficiente para evitar uma tragédia na vida de Ian, seus familiares e amigos.

O filme segue contando a trajetória da banda desde a sua gênese até o trágico fim do conjunto. O início vem com as características peculiares de Ian, interpretado por Sam Riley, e sua paixão por literatura e música, como David Bowie e o Velvet Underground. O roteiro foi baseado no livro Tocando a Distância – Ian Curtis e o Joy Division, escrito por Deborah Curtis, viúva do cantor.

Diferente de Bohemian Rhapsody , em Control consegui sentir que Sam Riley encarnou realmente o espírito de Ian Curtis, ao menos o que construí em minha cabeça a partir do material que tive contato. Na biografia do Queen, Rami Malek, apesar de bastante esforçado, parecia estar muito preso às suas marcações e a repetir exatamente o que Freddie tinha feito nos palcos. Além de que o filme quis seguir uma linha mais “família” e não vimos de verdade o que rola nos bastidores do universo rock’n roll e que você já deve imaginar. O Ian de Control fica bem a vontade tanto fora quanto em cima dos palcos. Quando via as cenas soltas, nos YouTube da vida, fora do filme, tinha dificuldade de saber quais eram as do real Ian e quais eram interpretações. Inclusive, muitas vezes, vi em vídeos e reportagens por aí sobre a banda, em que eram utilizadas, ao invés de fotos do próprio Ian, eram utilizadas imagens e trechos do filme como se fosse o próprio.

Por sua vez, o baixista do conjunto Peter Hook em seu livro Joy Division – Unknown Pleasures (minha leitura atual), diz que não aprova muito a interpretação do cantor no filme. Segundo Hook, ele pareceu muito mais intelectual do que realmente era. Ele cita como seu preferido, a versão de Ian no filme A Festa Nunca Termina (2002):

Peter Hook, baixista do Joy Division

“Das duas representações dele em filme, prefiro a de A Festa Nunca Termina. O cara em Control, Sam Riley, representou-o como sendo muito mais cabeça e de uma beleza mais convencional do que ele era na vida real, enquanto Sean Harris em A Festa Nunca Termina tinha um pouco mais de intensidade e do nervosismo do Ian da vida real. Nenhum deles foi perfeito e nenhum deles está totalmente equivocado, mas para mim Harris foi o mais preciso.”

Boa parte do filme tive a impressão de que estava assistindo às fotos de Corbijn ganharem vida devido aos seus enquadramentos e a forma com que se movimentam. Muitas vezes os planos são fixos e basicamente os personagens que se movimentam pelo quadro. Ele utiliza também uma montagem muito precisa e uma forma de contar a história economizando tempo e ganhando agilidade. Acredito que muito se deve à sua passagem do diretor pelo universo dos videoclipes em que o tempo é uma questão marcante. Muitos clipes contam histórias em pouco tempo, em planos rápidos e que o conflito desses ajuda a criar alguma ideia que não está necessariamente dentro desses.

Dois momentos me chamaram muita atenção no filme em que é utilizada uma sequencia de poucos planos para expressar passagem de tempo e uma ideia que está fora de plano. No primeiro exemplo, temos Ian e Debbie (apelido de Deborah Curtis, viúva de Ian) indo de um casal de namorados, para noivos no casamento e para a vida cotidiana. Essa passagem de tempo nos é mostrada em apenas 3 planos que economizam um bom tempo de filme.

Anton utiliza esse recurso o filme quase todo. Lendo a biografia escrita por Hook, vejo que Anton soube dar bastante agilidade a história utilizando a linguagem cinematográfica. Muitas coisas que demoraram um tempo muito maior ou alguns acontecimentos que outro diretor certamente gostaria de acrescentar na história, aqui foi escolhido não ser incluído e deu condensação à história.

Em outro momento, a montagem é usada como forma de mostrar adultério. Durante as viagens da banda, Ian conhece a jornalista Annik Honore (Alexandra Maria Lara) e constrói um relacionamento extraconjugal com ela. Nas turnês da banda, eles continuam se encontrando e criando um relacionamento duradouro. Relacionamento esse que foi mais uma das peças de um complexo quebra cabeças chamado Ian Curtis.

São utilizados dois planos seguidos para mostrar adultério. No primeiro, Debbie olha para a esquerda do quadro enquanto segura um carrinho de bebê, com a filha recém nascida do casal. No seguinte, Annik olha para a direita do quadro, sozinha. É como se as duas vidas de Ian estivessem se encarando.

As cores e o cenário do quadro ainda auxiliam nessa construção. Repare que ao fundo de Debbie temos um muro e uma cerca preta. É como se esse fosse um espaço limitado, com barreiras muito bem definidas. Uma vida normal com mulher e filho esperando por Ian. No segundo, a jornalista tem um fundo claro, que a seguir, descobrimos ser um mar. Talvez uma promessa de uma vida aberta, cheia de possibilidades, com turnês pelo mundo com fama e entrevistas para grandes veículos de comunicação. Tudo que um aspirante a rock star poderia querer.

O interessante das biografias e cinebiografias de nomes da música é a possibilidade de entender de verdade suas obras dando um mergulho dentro de suas cabeças. Entendendo suas dores e os desafios que passaram durante sua vida que resultaram em obras que são lembradas durante muito tempo. No caso de Control é possível entender um pouco dos demônios que assombravam Ian somado aos seus constantes ataques de epilepsia.

O filme não chega nessa parte, mas após o fim do Joy Division os integrantes seguiram na música e fundaram a banda New Order. Banda que ficou conhecida principalmente por sua veia eletrônica e bem mais feliz que o primeiro conjunto. Substituindo Ian, os vocais ficaram por conta de Bernard Sumner, que era guitarrista e tecladista do Joy.

Estamos acostumados a achar que o vocalista de uma banda é seu principal motor. Nem sempre é assim, mas no caso do Joy Division era. No livro de Peter Hook, ele sempre diz que Ian era a pessoa que dava alma a banda. Eles começaram a carreira inspirados numa apresentação que viram da banda punk Sex Pistols e tinham uma vontade imensa de fazer algo próximo a aquilo. Depois de muitas tentativas, a coisa só decolou de fato quando Ian se juntou ao grupo. Em um trecho Hook conta sobre isso:

“Éramos indivíduos, eu, Steve e Bernard. A cola que nos mantinha juntos, a força motora da banda, era Ian. Nós três nos concentrávamos em nossas partes, com ele mantendo tudo junto. É por isso que nós nunca prestamos atenção de fato em suas letras antes de ele morrer. Foi porque estávamos concentrados fazendo nossa parte. Três pequenas ilhas musicais com Ian nos unindo.

A história de como o New Order começou fica para outra vez, mas era difícil compor as músicas sem Ian porque o ponto para onde olhávamos em busca de ajuda estava vazio.”

 

 

Esse filme, a banda, suas músicas e toda a história envolvendo, representa uma das definições de arte que mais gosto: fazer arte é conseguir expressar de alguma forma algo que estava guardado dentro de você. E mais que isso, fazer com que outras pessoas consigam perceber esse sentimento. Isso é mágico, é algo que poucos artistas conseguiram fazer. Tanto o Joy quanto todos os demais que citei nesse texto conseguiram fazer isso muito bem e é por isso que, mesmo depois de anos, eles ainda são lembrados em sites, revistas, videos pelo Youtube e jovens que ainda os descobrem. Valeu, pessoal, vocês fizeram com que eu e muita gente se sentisse acolhida, respirasse fundo, desse um play em Love Will Tear Us Apart nos fones e seguisse a vida cantando, por mais estranho que ela possa parecer.

Por fim, deixo vocês com um clipe do Joy Division dirigido por Anton Corbij, da música Atmosphere que encerra o filme Control e é uma das minhas favoritas da banda. Em seguida, o link para a coletânea The Best Of para que você conheça um pouco mais da banda.