Na década de 1970, a sociedade passava por grandes mudanças iniciadas na década anterior com a contracultura, uma nova onda do feminismo, liberação sexual dentre outras tantas. A Guerra Fria (1947 – 1991) também estava em percurso com a Guerra do Vietnã (1955 – 1975) acontecendo e a televisão sendo inundada com imagens do conflito quase que sem filtro algum. Nesse período, dois nomes que iriam marcar o cinema de terror das décadas seguintes iniciavam seus trabalhos. Com a produção de Sean S. Cunningham que, futuramente iria dirigir Sexta-Feira 13 (1980) e o roteiro e direção por conta de Wes Craven, um dos grandes nomes do gênero e criador de Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo (1984), em 1972 foi lançado Aniversário Macabro. Filme que iria trazer as primeiras características do que se tornaria futuramente o terror slasher.
O INÍCIO PARA GRANDES NOMES DO TERROR
Sean S. Cunningham até então com 20 anos, tinha dirigido anteriormente um documentário erótico chamado The Art of Marrige (1970) e o pseudo documentário pornô Together (1971). Nesse último Wes Craven foi contratado para fazer a sincronização de áudio e vídeo das filmagens. Esse foi o primeiro longa que Craven trabalhou e onde os dois se conheceram. Após essa primeira parceria, eles se tornaram amigos e quando Cunningham recebeu um orçamento para produzir um próximo filme, Craven foi o primeiro nome que ele pensou para ajudá-lo.
O roteiro foi levemente baseado em A Fonte da Donzela (1960) do diretor sueco Ingmar Bergman. Após assisti-lo, Craven achou a história incrível e quis adaptá-la para algo a seu modo, como ele próprio diz: atualizar para algo “completamente bizarro”. A ideia inicial dos dois foi fazer um ataque direto à censura da época, que bania filmes violentos da televisão, mas ao mesmo tempo exibia cenas da Guerra do Vietnã e acontecimentos do submundo da geração hippie/flower power sem nenhum pudor. O argumento foi até refutado por alguns como apenas uma desculpa para a utilização de cenas fortes.
“Não que eu queira colocar um ponto final no assunto, mas fui muito influenciado – e acho que todo o país estava meio que em estado de choque – ao ver, pela primeira vez, o horror e a crueldade da guerra”, afirmou Craven. “Filmagens recentes em 16 mm estavam chegando e sendo exibidas na televisão imediatamente, então havia pouca censura no que era mostrado, e eram coisas simplesmente terríveis”, contou Wes Craven em depoimento no livro A Hora do Pesadelo – Never Sleep Again, de Thommy Hutson.
Aniversário Macabro foi filmado em super 16 mm e teve um orçamento de 90 mil dólares. Em contraste, anos mais tarde o filme que iria tornar Cunningham realmente reconhecido, Sexta-Feira 13, teve um orçamento final de cerca de 500 mil dólares. O maior valor que o diretor tinha trabalhado até então. Foi gravado em Panavision e contava com os melhores profissionais técnicos da época. Destaque para o trabalho de Tom Savini que criou os efeitos especiais, considerado o grande diferencial do filme. As duas produções têm um aspecto de semi documentário, mas em Aniversário Macabro isso é reforçado pelo uso da câmera 16 mm, orçamento apertado e a pouca experiência dos nomes envolvidos.
“Se você examinar, Aniversário Macabro tem todo um ar de cinismo”, diz Cunningham. “Parece dizer: ‘Você quer terror? Então, aqui está o terror de verdade’ Sexta-Feira 13, por outro lado, é uma montanha-russa, um parque de diversões por assim dizer”, comentou em um trecho de Sexta-Feira 13: Arquivos de Crystal Lake, de David Grove.
Um dos elementos que fizeram o Aniversário Macabro ficar popular foi a crítica do influente crítico Roger Ebert na época do lançamento do filme. Conhecido por condenar praticamente todas as produções de terror, disse que a direção de Craven proporcionava uma “tensão dramática quase insuportável” e ainda que era “surpreendente, cruel e amargo, umas quatro vezes melhor do que eu esperaria”.
Junto a críticas como essa, o longa ainda contou com um trabalho de marketing que dizia coisas como: “Para evitar desmaios, fique repetindo: é apenas um filme… é apenas um filme… é apenas um filme…”. Causou até a formação de filas nas portas dos cinemas.
ASSISTINDO ANIVERSÁRIO MACABRO MAIS DE TRÊS DÉCADAS DEPOIS
Após fugirem da cadeia, um grupo de bandidos liderado por Krug (David Hess), sequestra duas garotas, Mari Collingwood (Sandra Peabody) e Phyllis Stone (Lucy Grantham), e fazem atrocidades com elas. Numa tentativa de se esconder da polícia, eles acabam encontrando abrigo na casa dos pais de uma delas justamente na data de seu aniversário (daí a origem do título do filme em português). A vingança pode chegar de onde eles menos esperam.
Estranho. Talvez essa seja a melhor definição para Aniversário Macabro que vem principalmente por uma falta de sintonia entre os acontecimentos do filme. Por exemplo, a cena seguinte a um ato violento da quadrilha é com uma dupla de policiais trapalhões tentando pegar carona num caminhão cheio de frangos vivos, no melhor estilo pastelão. Como já foi dito anteriormente, muito se deve a ser uma produção de iniciantes. Existe certa dificuldade de fazer com que esses momentos fluam de forma mais natural.
O ator Marc Sheffler, que interpretava Junior Stillo, o único do bando que não está entusiasmado com os eventos, comentou em entrevista para o livro A Hora do Pesadelo – Never Sleep Again, de Thommy Hutson: “’Se você analisar o filme ou desconstruí-lo, verá que depois de cada cena terrível e violenta existe uma queda. Tem uma leveza’, observa ele. ‘Em um filme tão intensamente violento e tão intensamente emocional, você precisa dar ao público um tempo para recuperar o fôlego’”.
A impressão é que se Aniversário Macabro fosse feito por Craven anos mais tarde, estaríamos diante de algo muito mais interessante. Isso porque, mesmo no meio dessa bagunça, ainda é possível ver traços do que Wes iria explorar em suas próximas criações, principalmente certo distúrbio na sociedade como esse filme já esboça. A ideia é que coisas ruins ocorrem a aqueles que fogem de regras estabelecidas pela mesma. Aliás, essa seria uma das principais marcas do terror slasher que iniciava seus primeiros movimentos nessa época e que o próprio Craven iria utilizar futuramente, como caso os personagens tenham qualquer tipo de relação ou insinuação sexual eles são brutalmente assassinados.
Aniversário Macabro foi lançado num período em que a sociedade via as primeiras reações concretas do feminismo e liberação sexual que estava ocorrendo nos anos 1960 e 1970. Inclusive, isso é dito e mostrado no filme. Logo no início quando Mari Collingwood nos é apresentada, ela confronta seus pais, que questionam suas roupas, com as diferentes ideias das duas gerações e suas roupas, mais especificamente, as femininas. A personagem ainda ganha dos pais como presente de aniversário o famoso símbolo dos hippies no formato de um colar.
Um estranhamento causado pelo, quando visto principalmente com um olhar atual, é com relação a atuação bem questionável. Isso se explica de certa forma pelo mercado em que a produção se inseria. Ele faz parte do universo do exploitation, ou cinema de apelação como foi chamado aqui no Brasil. São produções com baixíssimo orçamento e que eram exibidas em pequenos cinemas e drive-ins. Os principais conteúdos dos filmes eram violência, nudez e essa quebra dos valores tradicionais que estavam em alta na época.
Uma curiosidade é a participação de Martin Kove (que fiquei o tempo todo tentando saber de onde o conhecia) que interpreta um dos policiais envolvidos na investigação para encontrar as garotas. O ator ficou conhecido anos mais tarde quando interpretou Kreese, o treinador da equipe rival de Daniel Larusso (Ralph Macchio) em Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984).
Em 2009 o Aniversário Macabro ganhou um remake produzido pelo próprio Wes Craven e lançado no Brasil como A Última Casa. Título que se aproxima mais do original nas duas versões que é The Last House on the Left que, traduzindo, seria algo como A Última Casa à Esquerda.
“[Aniversário Macabro] Ainda é um filme agressivo, ainda é um filme completamente intransigente e que não permite que você se sinta confortável”. Ele prosseguiu, acrescentando: “Nesse sentido, ele tinha um propósito verdadeiro, e acredito que carregava uma força artística autêntica”. Wes Craven no livro A Hora do Pesadelo – Never Sleep Again, de Thommy Hutson
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