mo·da |ó|
substantivo feminino
1. Uso passageiro que regula, de acordo com o gosto do momento, a forma de viver, de se vestir, etc.
2. Maneira de vestir.
“moda”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa https://www.priberam.pt/dlpo/moda [consultado em 21-09-2017].

A moda-arte

Pense no que você está vestindo hoje, em todas as escolhas de estilo que fez antes de finalmente decidir por esse look que está agora. Tudo o que você escolheu usar é fruto de séculos de história e de revoluções culturais, ainda que você não tenha levado muito tempo para se decidir e diga: “peguei a primeira coisa que vi”, a escolha por não escolher é, em si mesma, uma escolha.

A moda não é só a roupa que vestimos, ela engloba um mundo de outras coisas, que assim como a vestimenta, atestam seu lugar no mundo, podemos incluir aí: jóias, tatuagens, perfuração corporal, cirurgias plásticas, corte de cabelo, maquiagem e ainda signos e linguagens comportamentais, estilo de vida, música e porque não, o cinema?

Por ser uma expressão essencialmente visual, ela é uma das maiores e melhores expressões individuais e coletiva, é através dela que passamos uma imagem nossa ao mundo. A forma como nos apropriamos dela nem sempre é consciente, mas está impregnada de conceitos e símbolos e, portanto, assim como as artes plásticas está ligada à subjetividade: uma minissaia não é só uma minissaia, nos anos 1960 ela significou o início da liberdade sexual feminina, o surgimento dos anticoncepcionais; um turbante não é só um turbante, ao longo de sua existência serviu para indicar a origem, tribo ou casta, para identificar religião ou posição social, para ser usado como objeto de proteção em cerimônias do candomblé, e no começo desse ano tornou-se peça central para refletir e discutir racismo e apropriação cultural no Brasil. A mesma roupa, em diferentes épocas, produz significados e reações diferentes.

Assim como as artes de modo geral, a moda sempre acompanhou as modificações históricas, e é fonte inesgotável de análise do seu tempo e do comportamento das sociedades. Dos anos 1960 em diante as artes plásticas passaram a influenciá-la direta e profundamente, com o surgimento da Pop Art de Andy Warhol e dos padrões de Mondrian (transposto para o icônico e famoso vestido criado por Yves Saint Laurent) ela sofre mudanças radicais.

Audrey Hepburn, Bonequinha de Luxo, por Andy Warhol

 

Padrão de Mondrian apropriado por Yves Saint Laurent em seu famoso vestido

Daí em diante, a moda não é uma preocupação apenas de estilistas, fashionistas e magazines, ela passa a integrar o imaginário e o cotidiano popular, começando nos centros cosmopolitas, como Nova York, Londres e Paris, e se estendendo para o resto do mundo.

O momento de crucial importância para o reconhecimento da moda enquanto arte veio em meados dos anos 1980, quando a revista Artforum estampou sua capa da edição de fevereiro com uma modelo vestida com uma roupa do designer Issey Miyake, fato que elevou o status da moda à categoria de arte.

Issey Miyake para Artforum, Fevereiro de 1982

A partir de então, exposições dedicadas à moda começaram a surgir em diversos museus, como no Metropolitan Museum of Art, que organizou uma retrospectiva de Yves Saint Laurent, evento definido como inovador por apresentar pela primeira vez a moda em sua forma moderna e não histórica. Desde então, museus do mundo todo começaram a olhar com mais cuidado para essa representação artística e a organizar mostras e exposições, que hoje são sucesso absoluto de público.

Alexander McQueen, para mim, é o expoente absoluto de como as artes plásticas, o cinema, o cotidiano e a história influenciam no processo criativo de uma peça. McQueen insistia sempre em dizer que estava produzindo ilusões, nunca desfiles ou moda, e buscava inspirações nos filmes, no oceano, nos livros de história, nas festas que participava. Transgressor e absolutamente brilhante e inovador, McQueen encontrava na moda um terreno fértil para dar vida às mais insanas, perturbadores e fortes mensagens, deixando tênue a linha entre a alta costura e a arte absoluta.

Alexander McQueen, outono/inverno 2009, coleção ready-to-wear

 

A Primeira Segunda de Maio

O documentário escolhido para abrir o Festival Feed Dog Brasil, “The first monday in May”, mostra a preparação do Baile de Gala do Metropolitan Museum of Art (Met Gala) de 2015. A edição 2015 abriu a mostra China: Through the looking glass, organizada por Andrew Bolton (mesmo curador da exposição Alexander McQueen: Savage Beauty, que bateu recordes de público da instituição) e Anna Wintour (editora chefe da Vogue, vocês devem conhecê-la como Miranda Priestly. Sim, aquela Miranda que Veste Prada), com direção artística do cineasta chinês Wong Kar-Wai (Amor à Flor da Pele – 2000, Amores Expressos – 1994) e reuniu grandes destaques da moda chinesa e de sua influência na moda ocidental.

Exposição “China – Through the Looking Glass” – Met, 2015

Andrew relembra da exposição de maior sucesso do Met até então: Alexander McQueen: Savage Beauty exibiu peças de Alexander McQueen apenas alguns meses após sua morte. Controversa e incrível, a mostra atraiu multidões e surpreendeu até mesmo os organizadores, que a partir de então, foram cobrados para que todas as exposições seguintes tivessem o mesmo sucesso e o mesmo brilhantismo da de McQueen.

Exposição “Alexander McQueen: Savage Beauty” – Met 2011

O documentário ao acompanhar de perto a montagem tanto do baile como da exposição, nos aproxima de temas que permeiam o trabalho e o fazer artístico na medida em que representa os dois lados do mundo fashion: a alta sociedade e o glamour dos tapetes vermelhos, e a arte institucionalizada dos museus. Anna funciona como uma imagem do primeiro e Andrew do segundo.

Apesar de ainda hoje ser desprezada como arte, no Met a moda ganha visibilidade, status, um departamento e uma curadoria só sua, e, como forma de arrecadar fundos para esse departamento, o baile é realizado anualmente com a presença de celebridades e designers. A edição de 2015, por exemplo, contou com a cantora Rihanna como atração principal.

Ao destacar constantemente a presença de dois mundos distintos coexistindo – moda e universo pop – Anna aproxima o fashion ao público, com um discurso de que a moda é capaz de unir universos. O documentário tenta, para além de todo o glamour, ilustrar os bastidores da criação estilística, buscando as inspirações, a história e as rupturas revolucionárias.

Veja o trailer:

O Feed Dog –  Festival Internacional de Documentários de Moda recebe esse nome em homenagem à peça das máquinas de costura responsável por guiar o tamanho do ponto e afastar o tecido para trás enquanto a agulha sobe e desce, fazendo a mágica da costura. Ele existe há três anos em Barcelona e vem pela primeira vez à São Paulo para discutir a moda de uma maneira 360º, dando uma volta ao mundo pelo mundo da moda. De 21 a 27 de setembro o Festival exibirá 13 filmes nacionais e internacionais, uma exposição pelo olhar da Agência Fotosite, mesas de debates, oficinas, DJs, festa e projeção ao ar livre, tudo de graça.

Flávia Guerra, curadora do Festival em São Paulo, pergunta: O que moda tem a ver com cinema? Tudo, porque o cinema e a moda têm a ver com tudo, os dois servem como expressão do momento social, de uma cultura e principalmente servem como expressão de seu momento histórico. Não à toa, os dois andam juntos, se contaminam mutuamente no comportamento, na estética e no estilo. Flávia fala ainda como é sintomático e simbólico que o Met – a quem chamou de “a casa da arte” – seja tema do documentário exibido na abertura de um Festival na Cinemateca de São Paulo a quem chamou de “casa do cinema”.

O Festival se propõe a discutir a moda como cultura em todos os âmbitos, ela é glamour mas também é sustentabilidade, fast fashion, modo de produção. Com oficinas upcycling, e produções audiovisuais que falam sobre a moda na periferia, sobre o não conhecimento do nosso próprio corpo, sobre a história da moda, o objetivo é trazer inclusão e questionamento para um público que não tem familiaridade, ou que deseja aprofundá-la sobre a democratização de um arte que ainda não é explorada popularmente. A mensagem do Feed Dog é: Todo mundo é fashion.

Fashion is more art than art is – Andy Warhol
(A moda é mais arte do que a própria arte)

Um dia depois da abertura do festival, que conta com o apoio e patrocínio da Riachuelo, seu dono foi alvo de ação do Ministério Público do Trabalho, no valor de R$ 37,7 milhões.