Publicado em 1953, o romance de Ray Bradbury – Fahrenheit 451 ganhou sua primeira adaptação para o cinema em 1966. O filme foi dirigido pelo icônico cineasta francês François Truffaut, um dos integrantes do movimento cinematográfico Nouvelle Vague. Este foi o único filme de ficção dirigido pelo cineasta, e o primeiro em cores e em inglês.

O enredo do filme se debruça em uma investida contra a palavra escrita, seja ela literária, filosófica, etc. Em um regime autoritário, a maior heresia é a leitura.

Logo no início somos apresentados ao protagonista do filme, Montag (Oskar Werner), um bombeiro responsável por atear fogo a livros. Estranho? Exatamente. No mundo criado por Ray Bradbury os bombeiros não combatem incêndios, ao contrário, os causam.

Ao lado de Montag está sua esposa, Linda (Julie Christie). Uma terceira personagem, crucial para a trama e também interpretada por Julie Christie, é a professora Clarisse. Esta é responsável por retirar Montag da alienação cotidiana e instaurar a dúvida em relação ao seu trabalho.

Outro ponto de inversão interessante é o ódio à escrita. Como sabemos, a cultura judaico-cristã, bem como grande parte do pensamento filosófico contemporâneo – nomes como Guy Debord e Jean Baudrillard –, é fundada na iconoclastia, ou seja, o ódio e à perseguição às imagens. No entanto, na distopia filmada por Truffaut, a perseguição não gira entorno das imagens, mas sim das palavras. É claro que no filme fica evidente a crítica em relação à alienação produzida pela imagem, por exemplo, na conversa hilária de Linda com um enorme aparelho de televisão. Acredito que, justamente por causa disso, as imagens adquirem passe livre na sociedade projetada por Bradbury.

Durante a sua busca por uma promoção no corpo de bombeiros, o protagonista é arrebatado por incertezas geradas pela leitura de “A História Pessoal de David Copperfiel” de Charles Dickens. Aqui está a beleza do filme, bem como do livro de Ray Bradbury. O poder da literatura – e da arte de modo geral – em expandir o nosso horizonte de perspectiva, instaurando uma revolução no corpo do leitor, como no corpo do mundo.

Daí por diante, o que acompanhamos é a sede de Montag por livros e mais livros. Escondendo-os, devorando-os, ao mesmo tempo, que dolorosamente os queima, o protagonista lentamente vai contestando os valores socialmente estabelecidos, transformando-se em um louco para sua tosca esposa, e seus companheiros de trabalho. É o poder da imaginação que emerge nas veias de Montag.

Fahrenheit 451 é um dos menos aclamados do diretor da Nouvelle Vague. A fortuna crítica da obra, e a impressão de muitos críticos em relação à ficção de Truffaut não são positivas. No entanto, há de se considerar que o filme é um clássico quando a discussão refere-se a distopias cinematográficas.

Apesar de não ser uma das obras-primas de Truffaut, Fahrenheit 451 carrega uma estética interessante, fazendo uso de alto contraste, como por exemplo, os tons de vermelho da película. Ademais, o filme retrata a importância da leitura para o desenvolvimento humano, o poder da imaginação, ao mesmo tempo em que se configura como um lembrete contra qualquer ato de censura.

A sociedade distópica de Fahrenheit 451 é abordada no curso de Panorama do Cinema Distópico, ministrado pela professora Thaís Lourenço. Mais informações no link abaixo.

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