Uma ópera rock é um disco de rock que conta uma história contínua entre as músicas do álbum no estilo de uma ópera tradicional. As faixas são unificadas por um tema em comum, com uma narrativa com início, meio e fim. É difícil apontar qual pode ser considerada a primeira ópera rock, mas o disco que popularizou o gênero primeiro foi Tommy (1969), da banda britânica The Who. A música Bohemian Rhapsody, do Queen também flerta com esse universo. Outros exemplos do gênero são os álbuns The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), de David Bowie e American Idiot (2004), do Green Day.
Talvez o mais popular do gênero seja The Wall (1979), da banda britânica Pink Floyd. O disco é o décimo primeiro trabalho de estúdio da banda e foi executado ao vivo com recursos teatrais. Até hoje, Roger Waters, baixista da banda, faz apresentações ao vivo, inclusive recentemente aqui no Brasil, utilizando artes inspiradas no disco. Algum tempo depois, a história do disco teve uma adaptação para o cinema e os temas discutidos em ambos ainda são relevantes e estão presentes nos jornais até os dias de hoje.
THE WALL (1979) – O DISCO
O álbum The Dark Side of the Moon (1973), foi um sucesso com shows ao vivo da turnê do disco sendo capazes de lotar estádios com apresentações gigantes. Durante esses shows, o baixista e letrista do grupo, Roger Waters teve a ideia de usar o muro como metáfora para falta de comunicação, rebelião juvenil e isolamento. Waters concluiu uma demo do trabalho na metade de 1978, mas a banda demorou um ano para poder finalizar o álbum totalmente.
The Wall foi lançado então como álbum duplo em 1979. Nesse disco consta um dos maiores sucessos do grupo e um dos hinos do rock: Another Brick in the Wall. Não há um roqueiro que não fique animado quando a música toca. Esse é o último disco a contar com a formação clássica do grupo que contava com, além do já citado Roger Waters, Nick Mason, David Gilmour e Richard Wright.
“The Wall, a ópera máxima da autopiedade forjada com guitarras, é hipnótico, com o trovão totalitário de In the Flesh?, o cansaço suicida de Comfortably Numb, o drama Brechtiano de The Trial e a raiva contra as instituições do hit Another Brick in the Wall, Pt. 2. The Wall é a crônica definitiva da arrogância dos astros do rock.”, disse em entrevista à revista Rolling Stone, Os 500 Maiores Álbuns Internacionais de Todos os Tempos, 2014.
Os executivos tinham certa preocupação com o lançamento do disco. Preocupação que foi dissipada quando o single Another Brick in the Wall, Pt. 2, se tornou disco de platina em terreno Britânico em dezembro de 1979 e depois nos Estados Unidos. O disco completo ficou no topo das paradas da Bilboard por quinze semanas e até hoje, continua sendo um dos álbuns mais vendidos nos Estados Unidos. É o segundo disco mais vendido do grupo, ficando atrás somente de The Dark Side of the Moon.
PINK FLOYD – THE WALL (1982) – O FILME
O filme Pink Floyd – The Wall (1982) conta a história de Pink (Bob Geldof), da sua infância até as complicações e clichês que envolvem a vida de astro do rock. Empresários exploradores, problemas conjugais e, claro, drogas, fazem a vida do roqueiro um vendaval de emoções. O roteiro é escrito pelo próprio Roger Waters e a direção é de Alan Parker, que também dirigiu O Expresso da Meia-Noite (1978), Mississippi em Chamas (1988) e Evita (1996).
O filme mistura live action, com cenas de animação. Os trechos animados inicialmente vêm como metáforas para os temas discutidos no longa. Como relações com a guerra em que o pai de Pink morreu quando ainda era jovem, o autoritarismo e coisas do tipo. Quanto mais o protagonista se vê aprofundado em seus conflitos, mais a animação se torna presente. Até que, mais pelo final do filme, ele é julgado por demonstrar sentimentos, por um tribunal completamente feito em animações e com personagens que o acompanharam por toda a vida. Questões Freudianas como a relação com a mãe e o desejo, são exploradas no percurso do protagonista e as relações com sua loucura.
O fascismo também é explorado primeiro no próprio título do disco / filme, como figura máxima de autoritarismo. Num dos delírios de Pink, ele se vê como uma figura fascista e autoritária. O cenário e o visual fazem referencia ao Nazismo. As cores pretas e vermelhas no uniforme e as palavras de ordem contra homossexuais, negros, judeus e outras minorias que possam existir, inclusive em seus shows, fazem parte do seu discurso autoritário. A punição para estes é serem colocados contra o muro e executado.
Aliás, o fascismo é uma figura que atualmente o mundo vem flertando bastante, inclusive com o presidente norte americano, Donald Trump, querendo construir um muro para “proteger” a fronteira dos Estados Unidos com o México. No Brasil, inclusive, numa visita de Roger Waters ao país, em plena época de eleição, ele vinculou o então candidato a presidência Jair Bolsonaro ao fascismo e foi vaiado por parte da plateia que o assistia. Era a clara imagem da divisão que o país enfrentava e ainda enfrenta. Surge aí o roqueiro que, mesmo num show com a trilha sendo The Wall, não acredita que rock e política devem se misturar.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, após receber essas vaias, Roger Waters foi questionado sobre um comentário do então ministro da Cultura no Brasil, Sérgio Sá Leitão que disse estar “de saco cheio” de manifestações políticas em shows. Waters respondeu: “Esse cara está no emprego errado, tem de achar um novo trabalho. Não sei o que ele faz, mas não deveria estar numa posição de poder sobre questões culturais se dá uma declaração dessas. Porque cultura inclui música, e ela pode expressar muito da condição humana. Acho que ele deveria renunciar”. Bom, quem diria que nos anos seguintes nem teríamos mais ministério da cultura e que, as pessoas responsáveis pelo que restou dele, seriam ainda piores.
ANOTHER BRICK IN THE WALL
O trecho mais famoso do filme é sem dúvida o da música Another Brick in the Wall. Essa música é executada com Pink ainda criança e que é repreendido pelo seu autoritário professor por escrever poesias durante as aulas. A música denuncia um autoritarismo construído dentro dos muros da escola, mas que, na verdade, era uma rede de maldade que vinha desde dentro da casa do professor.
Mais a frente, num dos momentos mais psicodélicos do filme, durante o julgamento de Pink, vemos a rede sendo mostrada de forma visual e metafórica com a esposa do professor o maltratando e ele por sua vez, descontando no pequeno Pink.
Uma das imagens mais lembradas desse trecho é a maquina de moer gente. Depois que as crianças marcham iguais, como soldados, elas são moldadas por máquinas e no final, se jogam em um grande moedor de carne as transformando em uma coisa só: uma grande massa humana. Além disso, surgem as horrendas máscaras que tornam as crianças sem expressões próprias e que esboçam horror em seus olhos.
REFLEXOS NA ATUALIDADE
Chega a ser assustador ouvir esse disco e assistir a esse filme atualmente. Mesmo depois de 40 anos, os temas contidos nele ainda nos assombram. Algo que, teoricamente, já devíamos ter sido superado ainda voltam a pauta do dia. Assusta ainda mais o fato do público vaiar uma obra até saturada de tanto ter sido executada e inclusive, por terem pagado (caro) o ingresso para assistir a uma apresentação ao vivo.
A arte, sendo ela em qualquer meio, mostra que existe para deixar marcas sobre acontecimentos da sociedade e fazê-la refletir sobre si mesma. Mostra ainda que, infelizmente, ela não aprende com erros do passado e acaba se repetindo. É triste, mas ao mesmo tempo, dá esperança de que nem tudo está perdido. Se está sendo vaiado é por que está incomodando.
“[…]Viajando pelo mundo, fica claro para mim que o problema fundamental está no desrespeito aos direitos humanos. O mundo é organizado por oligarquias e corporações, que deixam uma mínima fatia das pessoas numa situação sadia.
Então eu digo ‘Obrigado São Paulo’, obrigado às pessoas que fizeram aquele barulho. Lamento que vocês estejam brigando uns contra os outros, discutindo coisas fundamentais sob a ótica de alguém como Bolsonaro. O que ele fala não deveria ser assunto para nenhuma argumentação em qualquer lugar do mundo. Mas é uma coisa real e assustadora” Roger Waters, afirmou em entrevista ao Folha de São Paulo em Outubro de 2018.
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