Por Rafael Ferreira

O que está acontecendo com as crianças de hoje? Nenhuma delas gosta de filmes de terror? Preferem Carros, Frozen* e Alvin e os Esquilos!? Quando criança, meus filmes favoritos eram Brinquedo Assassino, Cemitério Maldito, Sexta-Feira 13, A Árvore Da Maldição, O Exorcista, A Mosca, O Predador, e por aí vai… Ah, detalhe: quando criança, eu morava numa casa assombrada. 😮

Minha mãe conta algumas coisas que aconteciam na casa em que morávamos na época em que eu nasci: vultos, panelas sendo jogadas, barulho do chuveiro ligado, mas quando ia lá para fechar, estava tudo seco; e uma senhora estranha parada diante do meu berço no meio da noite. Nos mudamos de lá antes que as coisas ficassem piores, e alguns anos depois nos mudamos novamente para um casarão, onde passei boa parte da minha infância, onde também ocorria seus fenômenos estranhos. Animais mortos apareciam no quintal, fantasmas diante do portal – este portal é a única coisa que sobrou do que eu suponho, era outro casarão que devia haver no quintal –, a cama ganhava um brilho verde. Não posso explicar bem o fenômeno – nem devo, pois não é o propósito desta postagem – nem fazer os céticos acreditarem, mas minha cidade é cercada de histórias que causam arrepios, histórias que todo conterrâneo conhece. Existem inúmeras outras casas em Goiás como esta, que mereciam uma visita do casal Ed e Lorraine Warren (de Invocação do Mal), o que me faz lembrar de um filme… A Casa das Almas Perdidas (1991).

Poucos o conhecem, eu o vi apenas duas vezes quando criança (que surpresa), pois raramente passava na televisão, quando passava era de madrugada, e não era encontrado em locadoras. Trata-se de uma produção para TV, inspirado em fatos reais, conta a história da família Smurl, que se muda para uma casa nova e, no início os fenômenos eram mais sutis, mas depois de cinco anos começam a se intensificar. Quando isto acontece, a família recorre à igreja, e ao casal Warren. Eu o revi recentemente, e para a minha surpresa, mesmo se passando mais de vinte anos, várias cenas permaneceram vívidas na minha mente, e o filme envelheceu bem.

THE HAUNTED 1

Diferente de filmes atuais em que a atmosfera é construída para te dar um susto, e a tensão cresce para um clímax no terceiro ato, este está mais voltado para a criação dessa atmosfera, sem necessariamente recompensar e aliviar com o susto gratuito. Os fenômenos sobrenaturais acontecem em meio às tarefas corriqueiras, sem nenhuma alerta, sem “abaixar o volume da trilha sonora para em seguida vir um barulho intenso”, pegando os personagens desprevenidos, são como deveriam ser na realidade. Objetos somem e reaparecem em locais improváveis; uma voz chama Janet enquanto esta está no porão lavando roupas; um shadow person aparece para Janet quando está passando roupas; Jack é atacado e estuprado por um súcubo enquanto assiste televisão; um lustre quase cai sobre Shawn enquanto esta faz os deveres de casa; Janet é tocada pela entidade enquanto dorme. Tudo isso cria a sensação de imprevisibilidade, e insegurança durante todo o dia.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: (Foto 1) Janet Smurl, interpretada por Sally Kirkland; (Foto 2) Jack Smurl, interpretado por Jeffrey DeMunn; (Foto 3) A torradeira pega fogo mesmo não estando ligada na tomada; (Foto 4) Súcubo que abusa sexualmente de Jack.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: (Foto 1) Janet Smurl, interpretada por Sally Kirkland; (Foto 2) Jack Smurl, interpretado por Jeffrey DeMunn; (Foto 3) A torradeira pega fogo mesmo não estando ligada na tomada; (Foto 4) Súcubo que abusa sexualmente de Jack.

Como acontece em outros filmes, e mesmo na vida real, é difícil acreditar nisso logo de cara. Quem viu algo assim pode pensar que sua mente está lhe pregando uma peça, e essa é a primeira reação dos personagens neste filme. Pode ser causado por estresse, e se revelar para alguém, vão dizer que está ficando louco. Durante boa parte do filme a protagonista passa por isso, sem poder contar com ninguém, e sem coragem de contar para as filhas o que ela vê, e o que há na casa. Até que outros membros da família também sejam testemunha, Janet e Mary são desacreditadas. Pessoalmente, eu adoro a cena em que o padre exorciza a casa, e as filhas não fazem nem idéia do que está acontecendo. Quando o padre não pode ajudar, eles recorrem aos demonologistas Ed e Lorraine Warren (interpretados aqui por Stephen Markle, e Diane Baker, mais conhecida como a Senadora Ruth Martin em O Silêncio dos Inocentes).

THE HAUNTED 3

Todos nós conhecemos Invocação do Mal (2013), mas é aqui neste filme que o casal fez sua primeira aparição nos cinemas. OBS: também investigaram o caso de Amityville, mas isto nem foi mencionado no filme de 1979, nem no péssimo remake de 2005. Enquanto Ed entrevista a família, tentando encontrar os pontos fracos, onde os espíritos podem atacar, Lorraine anda pela casa à procura dos espíritos. Diferente do filme de James Wan, o casal Warren não protagoniza este filme, eles apenas surgem para amenizar a situação, mas… não funciona.

O demônio que assombra a casa continua a fazê-lo, e isto chama a atenção de toda a comunidade. Os vizinhos ficam assustados, pessoas que passam na rua vêem chamas dentro da casa, gritos de horror. Após a igreja negar ajudá-los, Jack toma uma decisão não muito sábia de revelar sua história para a mídia, e em pouco tempo o circo está armado, repórteres sensacionalistas acampam na porta de sua casa. OBS: Os verdadeiros Ed e Lorraine Warren fazem uma ponta no filme como repórteres. Nós sabemos como os meios de comunicação de massa tratam assuntos como este, muito bem explicado por Ed: “Procurar a imprensa pode ser arriscado, ela facilmente se vira contra você. Num dia você é um herói, no próximo vira um mentiroso”. Aqui no Brasil temos outro problema: a chacota. Os leitores mais novos talvez não saibam, mas nos anos 90, casos assim eram freqüentes no Fantástico, SBT Repórter, Domingo Legal, e Ratinho, enquanto dá audiência está tudo bem, mas depois que as pessoas perdem o interesse, é preciso chegar a uma conclusão, no último minuto do último bloco do programa, para poder manipular introduzir outro assunto – Não estou dizendo que todos os casos sobrenaturais apresentados nestes meios sejam mentira, cada caso é um caso, só estou questionando a seriedade com que tais programas os apresentavam, e é claro a seriedade destes programas.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: (Foto 1) Lorraine e Ed Warren; (Foto 2) A Família Smurl; (Foto 3) As gêmeas Shannon, na cama de cima, e Carin, na cama de baixo; (Foto 4) Jack Smurl mostrando manifestações na parede da nova casa em 1987.

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: (Foto 1) Lorraine e Ed Warren; (Foto 2) A Família Smurl; (Foto 3) As gêmeas Shannon, na cama de cima, e Carin, na cama de baixo; (Foto 4) Jack Smurl mostrando manifestações na parede da nova casa em 1987.

O caso da família Smurl realmente aconteceu, entre 1974 e 1987, na cidade de West Pittston, Pensilvânia. O que eles relatam é muito mais assustador do que é apresentado neste filme. A filha mais velha diz acordar pela manhã e ver pessoas flutuando em seu quarto; cheiros estranhos em toda a casa; o pastor alemão da família, que nem está no filme, foi várias vezes torturado e espancado pelos espíritos; além de Jack, Janet também foi abusada por um espírito. Assim como no filme, os fenômenos iam e vinham, eles foram adormecidos após o casal Warren trazer o bispo Robert McKenna para realizar um exorcismo na casa, o que fez a situação piorar, os espíritos passaram a seguir Jack Smurl até seu trabalho, uma das filhas foi estuprada por um espírito, enquanto as outras tinham seus corpos cobertos por arranhões e mordidas. Jack procurou a mídia para que esta forçasse a arquidiocese a fornecer ajuda, com um exorcismo oficializado pela igreja católica, também com o auxílio de McKenna. Três meses depois, uma nova manifestação. A família se mudou de cidade, mas de nada adiantou, em 1987, outro exorcismo foi realizado, e finalmente pôs-se um fim a isto. Neste vídeo, Ed Warren comenta melhor do que eu sobre o que aconteceu naquela casa, e sobre o filme:

O filme nunca teve um lançamento oficial em vídeo, creio que nem em VHS, mas pode ser encontrado em meios alternativos. Espectadores mais novos podem estranhar o ritmo do filme, a falta de sustos, mas como eu disse antes, não é o propósito deste. Apesar disso, ele é eficiente em conduzir a história, sem transformá-la num espetáculo.

*Frozen é um bom filme, porém, o mesmo não posso dizer dos outros dois que citei.