Em decorrência do escândalo sexual envolvendo John Lasseter (produtor e diretor na Pixar e Disney) em novembro de 2017, um me senti compelido a indicar este filme, Despertando A Bela Adormecida (Waking Sleeping Beauty, 2009), um documentário dirigido por alguém de dentro do estúdio Disney, Don Hahn, que narra as “tretas” durante a renascença deste. Durante o texto, procurarei expandir além do documentário para elucidar o leitor. Mas antes de comentar sobre este filme, vamos voltar no tempo para compreender o contexto.
O estúdio Disney lançara diversos clássicos desde que foram pioneiros nos longas-metragens de animação, muitos de nós guardamos seus filmes em nossos corações e o revisitamos com nostalgia, mas a verdade é que com exceção de Branca De Neve e Os Sete Anões (1937), os filmes não davam lucro. Walt Disney faleceu em dezembro de 1966, durante a produção de Mogli, O Menino Lobo (1967), e se este não tivesse sido bem sucedido nas bilheterias, o estúdio seria forçado a fechar as portas. O que veio depois, na década de 70, foi uma série de filmes não muito expressivos. O estúdio de animação que Walt erguera com seu suor estava novamente ameaçado, tudo o que este grande visionário criara poderia ir por água abaixo se os executivos não tomassem uma atitude, e é neste ponto em que os eventos são relatados neste documentário, nos anos entre 1984 e 1994.
A era de ouro das animações Disney se deve ao talento do grupo dos animadores conhecidos como “The Nine Old Men” (Os Nove Velhinhos) – este apelido pegou nos anos 30, quando eles ainda eram jovens – a maioria deles estava se aposentando ao final dos anos 70 e início dos 80, o estúdio precisava de sangue novo, a maioria dos contratados eram alunos da CalArts – California Institute of Arts, vários dos grandes nomes da animação de hoje se formaram lá e foram trabalhar na Disney, John Musker, John Lasseter, Brad Bird se formaram em 1976, Tim Burton entrou na turma no ano seguinte. O famoso A113 que sempre aparece nas animações, não só da Pixar e Disney, são uma referência à sala onde o curso acontece – e para piorar a situação, vários dos animadores deixaram a Disney em 1979, durante a produção de O Cão e A Raposa (1981) quando o chefe do departamento de animação, Don Bluth, se demitiu. Descontente com o estúdio, Bluth decidiu fundar o seu próprio, seguido pelos animadores que o admiravam – as opiniões sobre Bluth eram e ainda são mistas, alguns o admiravam como um gênio da animação, outros achavam que ele queria se tornar o próprio Disney, várias das suas animações mais recentes são confundidas com animações da Disney, como Anastasia (1997), eu diria que o estilo Disney ficou impregnado no seu trabalho. Atualmente Bluth está trabalhando independentemente para trazer a versão cinematográfica de Dragon’s Lair – atrasando o lançamento do filme e deixando um gosto amargo da traição na Disney.
Roy E. Disney, sobrinho de Walt e Presidente da empresa, também pediu demissão, em seu lugar entra Michael Eisner, que fazia a programação infantil da ABC – a Disney comprara a ABC – e era produtor na Paramount Pictures, ele trabalharia ao lado de Frank Wells (amigo pessoal de Roy Disney), da Warner Bros., como Chefe de Operações, juntos formavam uma dupla dinâmica, Frank era mais centrado, mas também gostava de fazer suas estripulias, e Eisner fazia mais o tipo executivo excêntrico. Eisner trouxe ao estúdio seu antigo colega da Paramount, Jeffrey Katzenberg, para a Divisão de Filmes, Katzenberg não tinha nenhuma experiência com animação até aquele ponto.
O primeiro trabalho com Katzenberg na chefia foi O Caldeirão Mágico (1985) – um dos filmes esquecidos do estúdio, que até hoje não houve um lançamento em DVD ou Blu-ray, a personagem Princesa Eilonwy foi completamente excluída do grupo das Princesas Disney. E como curiosidade, Tim Burton trabalhou como diretor de arte neste filme, criou o design dos personagens, mas infelizmente, o estúdio recusou seus desenhos, partindo para uma abordagem mais “Disney” – e logo de cara já causou polêmica quando propôs “editar” o filme por ser muito sombrio, todos no departamento contestaram, incluindo o produtor do filme, que foi demitido em seguida, mesmo assim a “edição” foi feita, claramente Katzenberg não tinha nenhuma experiência com animação – o processo de animação acontece de trás para frente, a “edição” acontece no início com o que chamamos de animatic, o diretor pode conferir o ritmo, se a cena funciona ou não, o que pode ser “editado”, tudo deve ser planejado para não haver atrasos ou desperdício. Eu já trabalhei sobre essas condições, e garanto que foi um inferno – e como resultado, O Caldeirão Mágico perdeu nas bilheterias para Os Ursinhos Carinhosos (1985).
Durante a produção de As Peripécias de um O Ratinho Detetive (1986) – outro filme da Disney esquecido, não houve lançamento em DVD ou Blu-ray. Curiosidade: esta foi a primeira animação a utilizar a computação gráfica como ferramenta – a equipe de animação teve de evacuar o prédio, o estúdio de animação mudaria para outra locação não muito agradável. Desmotivados, menosprezados, e o que é pior para um artista, Katzenberg demonstrava não estar interessado em fazer bons filmes ou ganhar prêmios, apenas lucrar. Roy Disney, que voltou ao estúdio em 1984, com a intenção de proteger o legado do tio, contratou Peter Schneider como vice-presidente, sua função era colocar ordem no galinheiro. Peter conseguiu o respeito dos animadores depois de uma reunião em que teve de impor autoridade, antes disso era respeitado como um professor no Brasil. Se O Caldeirão Mágico foi derrubado por Os Ursinhos Carinhosos, As Peripécias de um Ratinho Detetive foi derrubado por Fivel: Um Conto Americano (1986) – este filme retrata a opressão do povo judeu, representado pelos ratos, fugindo da Rússia, como aconteceu na verdade, perseguidos e oprimidos pelo governo russo, o que levou a uma fuga em massa para os EUA, com a promessa de paz e prosperidade, “não existem gatos na América”, e a esperança que os ratinhos tinham é quebrada antes mesmo de chegarem em Nova York. Esse é um filme muito mais denso do que qualquer filme da Disney até então, e muito triste, Don Bluth dizia que as crianças podiam lidar com tudo aquilo, desde que sejam recompensadas no final. Recomendo! – produzido por Steven Spielberg, dirigido por Don Bluth, ele mesmo, o que saiu da Disney anos antes levando vários animadores consigo.
A próxima produção era Oliver e Sua Turma (1988), uma versão de Oliver Twist, mas com gatos, este deveria ser a redenção após os dois filmes anteriores, porém nada funcionava, tudo era descartado – houve progresso, o material descartado e jogado fora, mesmo sendo quilos e mais quilos de papel, eram storyboard, faz parte do planejamento, Katzenberg não estava “editando” – e com o relógio em movimento, Roy Disney estabeleceu metas para a equipe, lançar um filme por ano, a começar por Oliver e Sua Turma – infelizmente esta é uma coisa que os estúdios parecem não aprender, ou não querem aprender, qualidade versus quantidade, como você pode ver neste link, a Disney já estabeleceu datas para seus lançamentos nos próximos 3 anos, o que me assusta é mais filmes da Marvel, mais sequências desnecessárias (Toy Story 3 fechou a franquia com chave de ouro!), mais remakes em live action dos clássicos animados (como se a intenção fosse apagar o passado), e vários com datas programadas para 2021 ainda sem título. A animação ganhou o caráter de linha de produção – e além dos lançamentos no cinema, teríamos os lançamentos em home vídeo, o videocassete era uma invenção recente na época – Pinóquio foi o primeiro título da Disney a ser comercializado em VHS, antes disso os clássicos Disney eram relançados nos cinemas a cada década, eu tive a oportunidade quando criança de ver no cinema clássicos como Bambi (1942) e Mogli, O Menino Lobo (1967), ambos no início da década de 90, hoje em dia isso raramente é feito, exceto casos específicos como O Rei Leão (1994) e A Bela e A Fera (1991), convertidos em 3D para serem reexibidos no cinema.
Eu sou grato por essa jogada de marketing do home video, pois permitiu que eu tivesse minha coleção particular dos seus filmes, porém, esta coleção nunca estará completa, alguns títulos como Alô Amigos (1943), Você Já Foi À Bahia (1945), e Música, Maestro (1946) não têm previsão para serem redescobertos – e isso deixou o jogo mais interessante, o público ficou cada vez mais ansioso pelo próximo lançamento – isso é um reflexo do que vivemos hoje em dia, o público atual se tornou extremamente imediatista, mal suporta ter de esperar alguns anos ou meses para a próxima temporada de sua série favorita, e critica os canais de streaming por não disponibilizaram filmes do ano corrente ou que estavam em cartaz nos cinemas um dia antes –, e isso fez com que houvesse mais pitching na Disney, qualquer um podia apresentar sua ideia – não sei se isso ainda acontece na Disney, um bom caminho para fazer o seu pitching são os festivais de animação Anima Mundi e Annecy – a corrida para finalizar o filme foi árdua, mesmo com um concorrente forte, Em Busca do Vale Encantado (1988), – Don Bluth strikes again. Oliver E Sua Turma é um filme esquecível, eu sei que eu assisti recentemente, mas não me lembro de absolutamente nada, enquanto Em Busca Do Vale Encantado está marcado na minha memória, chorei rios de lágrimas quando criança vendo este filme – Oliver teve sua bilheteria aumentada gradualmente.
Outro filme que estava sendo produzido naquela época, tido com um filme da Disney, apesar de não ter sido animado no estúdio em Burbank, mas em Londres, e contava com personagens clássicos Disney, Mickey, Donald, Dumbo, e vários outros, foi Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), – este filme quebra três regras pré-estabelecidas quando o filme envolve atores reais e personagens animados: 1) Movimentar a câmera para eliminar a impressão de que os cartoons foram “colados” no cenário; 2) Luz e sombra para dar mais realismo e tridimensionalidade; 3) Fazer com que os cartoons interajam com pessoas e objetos reais. Hoje em dia isso tudo é feito com computadores sem muitos problemas, o que ressalta a ousadia desta produção – este leva o selo da Touchstone, uma subdivisão da Disney. Contava com Spielberg na produção, – Spielberg estava prestando sua homenagem ao grande Walt – Robert Zemeckis na direção, – Zemeckis tinha se provado um diretor talentoso com De Volta Para O Futuro (1985), enquanto as sequências deste estavam sendo escritas durante a produção de Roger Rabbit. O diretor parece ter se apaixonado pela experimentação em animação, por muito tempo seu nome estava atrelado a filmes que usavam performance capture, como A Lenda De Beowulf (2007) e o filme que quebrou seu estúdio Marte Precisa De Mães (2011). Felizmente a carreira de Zemeckis não afundou completamente, o filme A Travessia (2015) traz o velho Zemeckis de volta – e Richard Williams na direção de animação – Williams é considerado um gênio da animação, ele praticamente escreveu a Bíblia que todo animador precisa ler – e com uma equipe dessa, quem não gostaria de estar neste projeto?
Ao mesmo tempo, o estúdio Disney em Burbank estava produzindo A Pequena Sereia (1989) – uma das ideias que haviam sido engavetadas pelo próprio Walt nos anos 1940 – que marca o retorno da Disney aos contos de fadas após 30 anos. Dois compositores foram trazidos ao projeto, Howard Ashman (com experiência em musicais da Broadway) e Alan Menken, não há outra forma de dizer isso, a dupla trouxe vida ao estúdio e ao filme. Uma das contribuições de Ashman para o filme foi a canção “Parte do seu mundo”, em que a personagem principal abre seu coração para falar dos seus desejos e sua motivação, Glen Keane, o animador se empenhou ao máximo para animar esta cena, mas durante uma exibição de teste do filme ainda sem o clean up, o público parecia inquieto, Katzenberg estava disposto a “editar” esta cena – um dos fatores que o levou a esta decisão foi quando um garotinho derrubou seu balde de pipocas, e ao invés de deixa-las, ele se ajoelhou para catá-las – mas Ashman e Keane brigaram para concluir e manter a cena. A história mostra que Jeffrey Katzenberg estava errado, e o esforço para manter a cena foi recompensado, A Pequena Sereia levou dois Oscars, ambos pela música de Ashman e Menken.
Com o sucesso de A Pequena Sereia, Peter Schneider decidiu reinvestir o dinheiro do estúdio em novas tecnologias, o próximo filme seria feito com CAPS (Computer Animation Postproduction System), uma ferramenta que permitia colorir e fazer a composição e poderia revolucionar a animação. O estúdio investiu 10 milhões nisto, foi a primeira colaboração com um estúdio novo na época, chamado Pixar. O filme em questão era Bernardo e Bianca Na Terra Dos Cangurus (1990) – tecnicamente impecável, a composição cria a sensação de tridimensionalidade, usando isso a favor da narrativa, a cena do voo da águia é de uma beleza ímpar. Infelizmente, o filme é pouco lembrado do catálogo Disney, uma pena, pois eu o considero superior ao seu predecessor, eu me lembro de ir ao cinema assisti-lo, com poucas pessoas na sala – que por sua vez não atingiu o sucesso esperado, e os fez abandonar essa nova ferramenta e seguir em frente. – geralmente a Disney e Pixar testa novas ferramentas, novas tecnologias em curtas-metragens, o que não foi feito com o CAPS, eles o testaram com o longa-metragem. Particularmente não acho que o “insucesso” deste se deva à ferramenta, uma vez que em O Rei Leão foi utilizado técnica semelhante.
A Bela e A Fera (1991) foi o próximo filme – se você quer ver uma análise um pouco mais detalhada, confira este vídeo do nosso canal no YouTube – a ideia inicial é que seria produzido em Londres, com Richard Purdum na direção (indicação de Richard Williams), mas ao apresentar a ideia para Katzenberg, praticamente os 20 minutos iniciais que a equipe havia criado em storyboards foi descartado, voltando à estaca zero. A produção voltou para o estúdio em Burbank, novos diretores foram contratados, Gary Trousdale e Kirk Wise, e também trouxeram Howard Ashman para trabalhar nas músicas. Foi logo após a noite do Oscar em que A Pequena Sereia fora premiado, Ashman levou Alan Menken num canto e lançou a bomba, ele era HIV Positivo. Ashman não parou de trabalhar por isso, ao contrário, deu o melhor de si. Antes de o filme estar completo, Ashman faleceu em 14 de março de 1991 num quarto do Hospital Saint Vincent, mas não sem antes receber a visita dos cabeças do filme, Don Ham e Peter Schneider, ele havia perdido a visão, pesava 36 kg e não conseguia falar, e usava uma camiseta de A Bela e a Fera – todo o esforço da equipe em fazer um bom filme, e principalmente do Ashman está presente em cada frame, ele consegue te emocionar. Em contrapartida, o remake lançado em 2017 parece uma simples apresentação escolar, não demonstra o mesmo esforço, nem emoção – seu trabalho foi reconhecido, novamente Menken e Ashman receberam o Oscar por Trilha Sonora e Canção Original, e pela primeira vez na história, uma animação concorria ao prêmio de Melhor Filme, O Silêncio Dos Inocentes (1991) ganhou.
Howard Ashman merece um filme sobre a sua carreira. Espere um minuto, este filme verá a luz do dia em breve:
Aladdin (1992) – a história se passa no passado, mas possui referências à cultura pop, isso te lembra alguma coisa? – foi o quinto filme desde que Roy Disney prometera um filme por ano, e como isso reflete no estúdio? Jeffrey Katzenberg estava começando a ficar descrente com o estúdio, na noite de estreia de A Bela e A Fera ele se sentira traído quando não lhe contaram sobre um novo prédio para o estúdio de animação estava sendo construído. Ele então convoca uma reunião para ouvir os animadores se expressarem sobre como era trabalhar com ele, Katzenberg achava que podia aguentar, mas ficou de coração partido ao ouvir que por causa dele, muitos animadores não tinham tempo para passar com suas famílias, ou sequer constituir família, muitos animadores tinham de passar a noite trabalhando para cumprir o prazo, etc. As coisas demoraram um pouco para melhorar, o novo prédio foi construído, os animadores passaram a receber melhor, o trabalho dos animadores era reconhecido, pois agora eles apareciam com frequência em entrevistas, o sonho estava se tornando realidade, a engrenagem estava girando.
Com o estúdio indo de vento em popa, antigos artistas como Tim Burton e Henry Selick se uniram para trazer O Estranho Mundo de Jack (1993) – este foi produzido pela Toucshtone Pictures, assim como Uma Cilada Para Roger Rabbit, Jack era muito sombrio para estar atrelado ao nome Disney, as crianças não estavam acostumadas com o visual criado por Tim Burton, por isso ele não foi tão bem recebido pelo público na época do seu lançamento, hoje é um filme cult – e Peter Schneider tentou trazer John Lasseter ao estúdio, mas este preferiu ficar na Pixar. Schneider entrou em um acordo com Lasseter para a coprodução e distribuição de um filme utilizando computação gráfica, Toy Story (1995). O estúdio na Flórida estava começando a produção de Pateta – O Filme (1995) – não teve a mesma distribuição que os outros filmes, me lembro de ficar decepcionado quando criança ao saber que este filme não seria exibido nos cinemas da minha cidade. Pateta nunca teve um lançamento em DVD ou Blu-ray, mas já esteve (ou está) no catálogo da Netflix – junto com outro estúdio em Paris, a atenção estava dividida em vários projetos acontecendo ao mesmo tempo.
Os animadores estavam divididos em duas equipes para duas produções diferentes, Bambi Na África O Rei Leão (1994) e Pocahontas (1995), nas reuniões, Katzenberg colocava Pocahontas como um sucesso absoluto, enquanto O Rei Leão era um projeto experimental à sua visão, não botava muita fé neste, e isto acabava desencorajando os animadores que trabalhavam no filme, mas como esta não era uma história pré-concebida com um material prévio, havia maior liberdade artística. Na páscoa de 1994 outra bomba caiu sobre a Disney, Frank Wells, chefe da Disney (lembra dele? Volte ao quarto parágrafo) morre em um acidente de helicóptero. Entre as disputas de ego envolvendo Katzenberg, Michael Eisner e Roy Disney, a única pessoa que podia apaziguar a situação era Frank Wells. Com sua morte, o clima de paz também acabara, Katzenberg aspirava tomar o lugar de Frank como presidente, ele fazia isso enquanto divulgava os filmes, mas a questão era se ele estava fazendo isso pelo seu ego ou pelo estúdio. A cadeira de presidente acabou indo para Michael Eisner. As coisas estavam voltando a desandar no estúdio Disney, Katzenberg pediu demissão após a estreia de Hamlet Com Leões O Rei Leão; Michael Eisner foi levado às pressas ao hospital para uma cirurgia no coração.
O documentário encerra neste evento, mas o tempo já nos mostrou o que veio em seguida.
1) Animação passou a ser uma arte mais apreciada, a bilheteria de uma animação pode ser tão grande quanto a de Star Wars ou Titanic, algo impensável antes do período da renascença;
2) O estúdio Disney continuou lançando vários filmes de sucesso por mais 10 anos, nem sempre acertando o alvo, houve alguns projetos constrangedores como Dinossauro (2000) e Nem Que A Vaca Tussa (2004), com o fracasso deste e a ascensão da Pixar, a Disney resolveu focar na animação 3D, inicialmente seu trabalho era muito inferior ao dos parceiros, vide O Galinho Chicken Little (2005) e A Família Do Futuro (2007), mais tarde, conforme a qualidade dos filmes da Pixar começou a decair com Carros 2 (2011) a Disney se reergueu com Detona Ralph (2012) e Frozen (2013) e se mantém no topo desde então;
3) Durante este tempo, começou também a fase das sequências lançadas direto em vídeo, desnecessárias e com qualidade inferior, estas são realizadas por uma subdivisão chamada Disney Toon Studios, eu a considero um treinamento para os animadores ganharem experiência antes de serem promovidos para os grandes filmes. Às vezes é possível ver o esforço nestas produções menores, O Rei Leão 2 (1998), por exemplo, tem uma trama shakespeariana interessante, apesar de a animação ser ruim, e as músicas péssimas;
4) Roy Disney se demitiu em 2003 por uma desavença com Eisner;
5) Michael Eisner deixou a presidência da Disney em 2005, no ano seguinte a CNBC lhe deu seu próprio programa de entrevistas, Conversations With Michael Eisner, ele também produziu uma série em stop motion chamada Glenn Martin, DDS;
6) Ao sair da Disney, Katzenberg se uniu a Steven Spielberg e David Geffen, e juntos fundaram a Dreamworks. Como Katzenberg já conhecia a rotina, datas de lançamento, e tema dos filmes da Disney, resolveu dar a volta por cima e antecipar suas produções, a começar por Formiguinhaz (1998) competindo diretamente com Vida de Inseto (1998), o filme que traz Woody Allen no papel da formiga insignificante Z foi lançado antes, a guerra continuou com o bem sucedido Shrek (2000) competindo com Monstros S.A. (2001), o filme do Ogro foi o primeiro a vencer o Oscar de Melhor Animação, categoria criada aquele ano. Eu vejo em Shrek uma tentativa de Katzenberg de provocar Michael Eisner, o personagem com complexo de inferioridade Lorde Farquaad tem uma fisionomia semelhante à de Eisner. Assim como em Aladdin, a história de Shrek se passa no passado, mas com referências à cultura pop, o que mostra que o filme do ogro foi influenciado pelo filme do gênio da lâmpada, ou pode ser que Katzenberg influenciou ambos. Apesar do sucesso comercial dos filmes da Dreamworks, poucos focam naquilo que realmente importa: história e personagem.
Despertando A Bela Adormecida é um documentário essencial para quem se interessa por animação, para quem quer se ingressar nesta área, para os fãs da Disney, e para quem gosta de conhecer os bastidores dos seus filmes favoritos. Diferente dos extras que encontramos nos DVD’s, aqui podemos ver as pessoas que fazem as engrenagens girar, suas opiniões, mesmo que seja para criticar alguém, e é o que todo documentário deveria ser: imparcial. Em momento algum Jeffrey Katzenberg é retratado como um vilão, ele é apenas um cara que tomou uma série de decisões erradas, suas opiniões são expressas no documentário, assim como as de Roy Disney e Michael Eisner. O filme é narrado por Don Hahn, produtor de A Bela e A Fera, um mero observador nas tretas narradas aqui, mostrando que a vida de animador não é fácil.