Indicado por Manu Lopes
Depois de estrear, em 1977, com o surreal e impactante Eraserhead, o diretor David Lynch, com seu segundo filme, O Homem Elefante (The Elephant Man), extrapolou o status que havia conquistado de diretor cult, para ser notado pela crítica especializada como um grande e promissor cineasta. No drama, pelo qual até hoje é lembrado, Lynch teve a seu dispor um orçamento mais generoso, o que certamente em alguns aspectos facilitou o desenvolvimento do seu trabalho, já que em Eraserhead ele teve que recorrer a recursos próprios e a ajuda de amigos para o filme que levou cerca de cinco anos para ser finalizado.Mesmo se valendo de uma narrativa clássica (raramente vista em sua filmografia, salvo em A História Real), Lynch não comprometeu sua visão peculiar e original do cinema, e demonstrou habilidade extrema em evocar emoções profundas de forma tão sensível e simbólica.
Inspirado no modo como a Hammer Films Productions revolucionou o gênero do horror nos anos 1950, Lynch, juntamente com seu Diretor de Fotografia, apostaram num intenso contraste entre os tons de preto e o branco, para criar um ambiente rude e agressivo, uma cidade em transformação, e o fizeram com distinção poética. A fantasmagórica e sombria visão de Londres reflete a sociedade daquele período, a Era Vitoriana.
O reinado da Rainha Vitória, de 1837 a janeiro de 1901, foi marcado pelo auge e consolidação da Revolução Industrial, bem como pelo surgimento de novas invenções, fatores que possibilitaram que uma grande e educada classe média se desenvolvesse. Este período foi marcado pelo moralismo e disciplina, com preconceitos rígidos e proibições severas, classificando os valores vigentes como “puritanos”.
Baseado nos manuscritos do Dr. Frederick Treves (“O Homem-Elefante e outras reminiscências” e, em parte, no “Estudo da Dignidade Humana” de Ashley Montagu), o anatomista que o descobriu em um circo de aberrações e o internou em um hospital, o longa traz no elenco Anthony Hopkins (Dr. Treves), John Hurt, como protagonista, e Anne Bancroft, como a Sra. Kendal, outro importante personagem na vida de Merrick.
O premiado longa-metragem relata a história do inglês Joseph Merrick (1862-1890), que era apresentado como “a versão mais degradante do ser humano”, e causava repulsa em todos que encaravam aquele corpo humano 90% deformado por uma doença de nascença que só foi diagnosticada oficialmente como “Síndrome de Proteus” no ano de 1996, após exames no esqueleto de John Merrick (um caso grave de neurofibromatose múltipla). O filme foi indicado a 8 Oscars nas categorias Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (John Hurt), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção, mas infelizmente não venceu nenhuma.
O diretor optou por esconder o rosto de John na maior parte do longa, estimulando a expectativa em torno do que seria aquela “aberração”, de tamanha monstruosidade. Com sua lente, o Lynch coloca em evidência um ambiente deformado, onde o verdadeiro “homem elefante” é quem o olha com desprezo.
Em O Homem Elefante, Lynch nos convida a um universo temático no qual ele viria a revisitar e expandir durante sua carreira – o de outsiders, pessoas marginalizadas, ditas “bizarras”, influenciadas diretamente pelo meio que as cerca. A mensagem contida em O Homem Elefante se faz atemporal, tendo, inclusive, um apelo extremamente atual. O realismo cru empregado por Lynch se encerra no grito desesperado de John Merrick, “eu não um animal, sou um ser humano”.
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