Quem é daqui dos mato tem que ter muito cuidado com o encantado. Quem quer ter paz na vida não se mete com Matinta. Mesmo na morte a bicha é traiçoeira. Se responder o chamado dela, não tem reza que dê jeito. Ta com fardo de virar Matinta

Diz a lenda Paraense/Amazonense que uma velha ronda as casas nas regiões das florestas e a noite transforma-se em um pássaro agourento, que espalha seu assobio agudo perturbando o sono das pessoas e assustando as crianças. Matinta, como é conhecida, só sossega quando o dono da casa, já farto do assobio, lhe oferece tabaco ou fumo (ou café, cachaça ou peixe, depende da versão). Assim, mais calma, Matinta voa e no dia seguinte volta como combinado à casa do morador para cobrar o que lhe foi prometido. Caso lhe seja negado, a desgraça cai sobre a casa daquele que não cumpriu a promessa.

O Brasil é rico em histórias orais como essa. Nelas, residem traços culturais muito específicos e únicos. Através desse tipo de narrativa, é possível transmitir, de geração em geração, crenças, línguas, medos, ideologias, memórias e traços culturais de um povo. Cada região do país tem uma característica particular, a região Norte por exemplo nos presenteia com um folclore vasto: Caipora, Saci Pererê, Boto Cor-de-Rosa, Iara, e entre tantos outros, figura a Matinta, personagem da história acima. O folclore vem como manifestação popular, para tentar compreender alguns fenômenos difíceis de serem explicados por vias, digamos, mais “científicas”. Eles nos explicam a origem do mundo, a origem de um animal, de uma estrela, de um povo.

O curta-metragem Matinta, de Fernando Segtowick  busca estimular nosso imaginário acerca de personagens tão presentes nessas mitologias brasileiras. Em sua versão, mais humanizada, parte de um triângulo amoroso para tratar do que é místico: Walquíria, interpretada por Dira Paes, personifica a criatura e através de seus feitiços busca conquistar Felício (Adriano Barroso), de forma a passar sua maldição adiante.

Os sons da floresta fazem a ambientação ideal e criam o clima de apreensão e imersão, necessários para vivenciarmos a solidão na multidão que é o verde amazônico, é o contraditório necessário à fábula, os medos estão no desconhecido. A fé anda de mãos dadas com os pavores, e para livrar-se deles é preciso crença e reza, se é que ajuda nesses casos.

Algumas atuações secundárias são amadoras e quase estragam o suspense e o nosso investimento emocional na história, mas são tão pontuais que pode passar sem maiores perdas ao conjunto da narrativa.

O que Fernando cria, é uma narrativa visual curta, mas capaz de envolver intelectualmente o espectador por horas, capaz de levantar reflexões diversas sobre brasilidades, sobre fé, sobre medo, traição e ciúmes. Curtas, ou melhor, este curta, consegue ser duro, ao mesmo tempo que aborda como poucos questões tão inerentes à nossa cultura popular, como são as crenças.