Por Diêgo Araújo
O enredo de Os Sonhadores (2003) se passa no ano de 1968, em plena revolução francesa que uniu estudantes e operários na greve que até hoje é conhecida como a mais marcante e representativa em toda a Europa. Dentro desse cenário cheio de possibilidades e carregado de conflitos, três jovens cinéfilos ingressam em uma jornada marcada pela autodescoberta, sexualidade e libertinagem sem pudor.
Para entender melhor o longa do cineasta italiano Bernardo Bertolucci (Último Tango em Paris), é necessário compreender o contexto em que ele está inserido. Ambientado em uma época marcada pela opressão constante, o cinema aspirava novos rumos, rompendo com a representação fixa da realidade até então predominante. Nesse meio tempo, o governo francês demite Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa. A justificativa é que faltava ao mentor da instituição capacidade para exercer uma administração mais “moderna” e adequada de recursos. A ação deixou cineastas e cinéfilos completamente consternados e em estado de furor e agitação constante. É justamente nesse motim que surgem os três personagens centrais do longa.
Theo (Louis Garrel) e Isabelle (Eva Green) são dois irmãos que nutrem uma relação além dos padrões convencionais de amor fraternal. Os dois conhecem Matthew (Michael Pitt), um jovem estudante americano que está temporariamente residindo na França. Ignorando os conflitos externos, os três passam maior parte do tempo na casa dos irmãos, que está sob os seus cuidados após os pais terem ido passar alguns dias fora.
Os três personagens possuem características comuns e ao mesmo tempo divergentes. Isabelle, vista pelo irmão e pelo Matthew como a personificação da perfeição, é uma jovem ousada e extrovertida. Ciente da sua sensualidade, não abre mão de emprega-la para alcançar seus objetivos. Assim como o irmão e protetor, possui a mente aberta e leva uma vida libertina, agindo de modo irresponsável e sem pesar as consequências de seus atos. Os dois representam a juventude francesa predominante da década de 1960, completamente irritadiça e com a necessidade leviana de romper a qualquer custo a ligação com os pais, que não são, de forma alguma, exemplos de mentores excepcionais. Para Matthew, essa é um comportamento completamente novo e fascinante, o que leva o jovem a imergir cada vez mais intensamente no universo de possibilidades propiciado pelos irmãos.
Dentro de seu ambiente ‘privado’, os três nada mais são do que criaturas concebidas pelo Bertolucci para representar a conflitante classe juvenil da época. Com a presença constante de cenas sensuais, nudez total e sexo sem qualquer tipo de pudor, Os Sonhadores choca e impressiona pela beleza das cenas e simplicidade do elenco, que se entrega ao momento e parece não se constranger com a situação de contato íntimo a que é submetido. A relação entre os três cresce de forma tão rápida e torna-se tão intensa que chega um momento em que fica impossível imaginá-los isoladamente. O amor é mútuo e dois irmãos e um amigo, até pouco tempo desconhecido, tornam-se amantes e vítimas de uma relação fascinante e sensível, mas ao mesmo tempo frágil, justamente por estar baseada em sentimentos frívolos e efêmeros característicos de mentes que estão em estado constante de modificação e amadurecimento.
Mais do que um filme que aborda conflitos políticos e adolescentes, Os Sonhadores é uma verdadeira aula de cinema e uma bela homenagem a obras que marcaram época. Tal como A Invenção de Hugo Cabret (2011), o longa enaltece cenas de filmes clássicos, como Band à Part (1964), recriando a famosa cena em que os personagens correm pelo Museu de Louvre.
Em uma das cenas mais provocantes, Eva Green encarna a famosa estátua grega Vênus de Milo. Vale destacar a atuação esplendorosa da Eva. Em um dos seus melhores trabalhos, a atriz mostra que, desde a juventude, entrega-se por inteiro aos seus personagens. Na lista restrita de atores ‘bem resolvidos’, ela não nutre qualquer tipo de tabu para aparecer completamente sem roupa e até mesmo ceder seu corpo a algumas cenas mais invasivas.
Todo bom filme é sempre conduzido por um ótimo diretor, como é o caso do Bertolucci. Não falta a Os Sonhadores elementos que mexem com todos os sentidos dos espectadores. O longa é uma verdadeira explosão sinestésica de cores, paisagens, imagens e sons. A trilha sonora, por sinal, conta com nomes como Bob Dylan, The Doors e Edith Piaf. Tudo isso, aliado a atuações seguras e a um contexto histórico que só aumenta a relevância da trama, torna o filme indispensável a qualquer fã da sétima arte.
No final, o longa termina exatamente como começou. Passado todo o furor da descoberta de novas experiências e saciada a necessidade de experimentar novos prazeres e sentimentos, o trio volta às ruas e à ‘realidade’. No fim das contas, Theo e Isabelle percebem que Matthew não é peça complementar do quebra-cabeças que compõe as suas vidas, tampouco o jovem sonhador e revolucionário que eles imaginaram. Rompe-se um vértice do triângulo, encerra-se o contrato amoroso.
Veja o trailer: