Por Joyce Pais
Quando Trumam Capote vendeu os direitos de seu romance Breakfast at Tiffany´s por uma singela quantia para a Paramount Pictures ele não imaginava o sucesso que o filme estrelado por Audrey Hepburn iria alcançar, se tornando, posteriormente, um ícone de moda e estilo; não imaginava também que sua obra mudaria o rumo das mulheres dos anos 50.
Capote finalizou Bonequinha de Luxo em 1958 e esperava publicá-lo na Harper´s Bazaar que, ironicamente, recusou o manuscrito. Segundo o próprio, Holly foi inspirada em todas “essas moças chegam a NY, voejam ao sol como siriris e depois desaparecem. Eu queria resgatar uma garota desse anonimato e preservá-la para a posteridade”.
Na trama cinematográfica Holly Golightly (Audrey Hepburn) é uma acompanhante de luxo que sonha em se casar com um milionário e tornar-se uma atriz de Hollywood, motivos que a fizeram abandonar seu passado e se mudar para Nova York. Na cidade, ela passa a receber a ajuda financeira de Sally Tomato, um mafioso preso em Sing-Sing, onde os dois se encontram semanalmente. Holly nutre um carinho enorme pelo seu irmão Fred e quando conhece seu novo vizinho, o escritor Paul Varjak (George Peppard), passa a chamá-lo de Fred. A amizade entre os dois se desenvolve conforme vão descobrindo afinidades entre si, ela confia em Paul, por acreditar que ele é o único homem que não quer dela o mesmo que os outros.
Holly poderia ser considerada um resultado da junção das mulheres que marcaram de alguma forma a vida de Capote, sobretudo, sua mãe, Lillie Mae, e seus “cisnes”, como costumava chamar suas amigas da alta sociedade que lhe confiavam seus segredos mais íntimos. Sua mãe tinha o hábito de abandonar o filho ainda pequeno para pular de cama em cama (literalmente) de homens bem sucedidos que pudessem proporcionar a vida que sonhava, para isso trocava a calmaria do Alabama pelas suítes de NYC, vivendo, a cada dia, os dramas e jogos de poder da elite nova-iorquina.
Voltemos ao filme. A trama do longa é toda baseada em insinuações e jogos de linguagem inteligentemente construídas pelo roteirista George Axelrod e supervisionadas pelos produtores Martin Jurow e Richard Shepherd. Algumas informações como a homossexualidade de Paul e a bissexualidade de Holly foram omitidas a fim de tornar a história mais adequada aos olhos de Audrey e de driblar os censores da Production Code Administration, órgão que regulava as produções delimitando assuntos e abordagens. Axelrod já tinha passado por uma experiência parecida quando transformou O Pecado mora ao lado em uma comédia ‘sobre o adultério sem o adultério’ e ainda fazer as pessoas rirem disso. Acostumado com peças da Broadway, onde sua liberdade artística era preservada, Bonequinha de Luxo se tornou um desafio enorme. Havia muito o que se perder em jogo.
Naquele momento havia padrões de mulheres na indústria cinematográfica exemplificados por estilos bastante distintos, Audrey Hepburn não se encaixava em nenhum desses estereótipos. De um lado, estava Doris Day, sinônimo de pureza e castidade, e do outro, Marilyn Monroe, loira fatal. O cinema tinha um papel julgador, sexo somente depois do casamento, as mulheres deveriam ser castas, as que ousavam se divertir pagavam o preço, sofriam, se arrependiam e casavam. Holly era diferente, ela morava sozinha, ficava bêbada e se sentia bem com isso, não parecia envergonhá-la.
A escolha da “boazinha” Audrey para o papel de Holly foi inusitada. Em Bonequinha de Luxo, ela redefiniu o novo papel da mulher; ela transpirava independência e liberdade individual e sexual. Com roupas acessíveis, ela parecia sofisticada, o glamour estava ao alcance de qualquer um, independente de origem (lembre-se que Holly veio de Tulip, Texas), classe social, era mais democrático e se afastava de padrões como Grace Kelly, Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor, por exemplo. Com a explosão demográfica em curso surge um novo grupo denominado teenagers e com eles o cool, nesse momento, Audrey corta seu cabelo curtíssimo contrariando o padrão estético vigente, dizendo, indiretamente, que as mulheres poderiam ser donas do própria destino.
Audrey imortalizou o pretinho básico, ao mesmo tempo que temia a exigência que o filme faria dela. Dividida entre a vida de atriz e da esposa, ela vivia em constante dúvida sobre qual caminho seguir, insegurança e questionamentos reforçados pelo seu marido, Mel Ferrer. Controlador e machista, exigia que a mulher fosse perfeita e não se importava em reprendê-la em público, Mel era um ator frustrado e não suportava, assumidamente, o fato de que a fama de mulher o ofuscava.
Há três pontos importantes na construção de Bonequinha de Luxo que merecem destaque: figurino, direção e trilha sonora. Vamos lá!
Quem vê Hepburn desfilar na tela com seus vestidos e chapéus não imagina a guerra de que foi travada nos bastidores entre Edith Head e Hubert De Givenchy. Edith era uma famosa e respeitada figurinista da Paramount, indicada ao Oscar 35 vezes em toda a carreira, era uma mulher rígida de poucas palavras e detestava as tendências. Seu poder e preferência foi questionado quando Audrey fez valer uma claúsula inegociável no seu contrato, desde Cinderela em Paris (1957) que estipulava que Givenchy desenharia seus figurinos. Hubert De Givenchy, designer, estilista parisiense, costurava para a pessoa e não para o estilo, passou a ser a escolha de confiança de Audrey, não era funcional ao contrário de Edith, fez a atriz brilhar em Sabrina, foi indicada ao Oscar, junto com Billy Wilder, mas a única que ganhou foi Edith, era seu sexto Oscar.
Dono de gags sofisticadas, o diretor Blake Edwards tinha na bagagem uma vasta experiência em televisão, o que o ajudou no timing para muitas das cenas, como a da festa na casa de Holly. Idealizada por ele, a engraçada cena foi o resultado de muito ensaio, de uma seleta escolha de personagens, que se diferenciavam por não serem figurantes, e sim atores de verdade. Essa cena demonstrou a habilidade de Edwards em alcançar um ótimo resultado num curto espaço de tempo e na escolha de sua equipe, aqui inclui-se o que conquistou mais prêmios com Bonequinha de Luxo, Henry Mancini.
Debruçado sob um piano durante semanas para estudar o tom de Audrey e elaborar uma música que fosse capaz de interpretar com segurança, o compositor Mancini, ao ver Cinderela em Paris, descobriu qual seria o alcance vocal da atriz. Compôs “Moon River”, que teve “Blue River” como título provisório, e na voz de Jhonny Mercer foi imortalizada. O sucesso da canção proporcionou a re-estreia da carreria de Mercer como compositor, ganhador de diversos Grammy´s, inclusive o de reconhecimento, em 1995. Mancini é conhecido por sua ousadia e vanguarda, ele quebrou paradigmas ao colocar jazz nas trilhas sonoras de cinema, antes, predominantemente sinfônica, a escolha de Mercer para “Moon River” não poderia ter sido melhor.
Obs: Quem se interessar nos bastidores da produção do filme, leia Quinta Avenida, 5 da manhã – Audrey Hepburn, Bonequinha de luxo e o surgimento da mulher moderna (Sam Wasson). No livro, a vida da atriz é detalhada, personagens do filme e da vida real remontam uma história que foi buscada pelo autor através de uma extensa e exclusiva pesquisa, vale a pena! 😉
VOCÊ NÃO SABIA QUE…
– Inicialmente cogitou-se que Bonequinha de Luxo fosse dirigido por John Frankenheimer e estrelado por Marilyn Monroe. A musa loira, orientada por seu mentor Lee Strasberg não aceitos o papel alegando que interpretar uma prostitura não seria positivo para sua imagem.
– As filmagens de Bonequinha de Luxo ocorreram apenas 3 meses após o nascimento do primeiro filho de Audrey Hepburn, Sean Ferrer.
– A canção “Moon River” foi escrita especialmente para Audrey Hepburn, considerando o fato de que a atriz não possuía treinamento para canto na época. A canção na versão tocada no longa, a pedido da atriz, não entrou no LP da trilha sonora.
– A Tiffany’s abriu pela primeira vez em um domingo desde o século XIX, para que as filmagens dentro da loja pudessem ser realizadas.
– Audrey Hepburn recebeu um salário de US$ 750 mil por sua atuação em Bonequinha de Luxo, o que a tornou o 2º maior salário pago até então a uma atriz. O 1º era o de Elizabeth Taylor em Cleópatra, de US$ 1 milhão. Fora os gastos com elenco, o orçamento do filme foi de US$ 2,5 milhões e teve a receita de U$14 milhões.
– Prêmios: Oscar de Melhor Trilha Sonora (Comédia/Drama), Melhor Canção Original (“Moon River”), Grammy de Melhor Trilha Sonora – Cinema/TV. Indicações: de Melhor Atriz – Audrey Hepburn, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte – Colorido.
– Em 2011, a Paramount Pictures lançou um Box com um DVD, um livro com os bastidores do filme e uma carta assinada pelo diretor Blake Edwards para comemorar o quinquagésimo aniversário do longa.
Veja o trailer:
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