Por Joyce Pais
Mãe e filha. Primas de Jackie Kennedy. Alta sociedade. East Hampton.
Se no auge da época de ouro, Edith Bouvier Beale e sua filha Little Edie cercavam-se de bebidas caras, festas, quadros, fotografias, músicos distintos e muita sofisticação, mais de duas décadas depois, nos anos 1970, elas vivem enclausuradas na mansão decadente Grey Gardens, em meio a lixo, ratos e lembranças de um tempo já não existe mais. Sendo assim, o documentário dirigido pelos Albert e David Maysles se propõe a explorar a relação complexa e perturbadora de amor e ódio entre mãe e filha.
Só para se ter uma ideia, a transformação na arte e no fazer do documentário provocada por Grey Gardens seria um marco comparável ao que o cinema de Michael Moore faria décadas depois. O mundo que os irmãos Maysles captaram com suas lentes, o desmoronamento das figuras aristocráticas, a mansão infestada com gatos e guaxinins, denotam um passado assustadoramente pulverizado.
Grey Gardens foi pioneiro no documentário como show de horrores, uma janela para mundos sociais bizarros, excêntricos ou desconhecidos, transcendendo as limitações de voyeurismo ou descolamento etnográfico. A dupla de diretores, geralmente associados ao cinema direto, violaram, por assim dizer, as regras do movimento neste trabalho, conversando com suas perfiladas, aceitando bebidas, interagindo. Com certeza a obra não seria a mesma, caso os irmãos Maysles não estabelecessem uma relação amigável com as duas, em meio a mais rica cidade de praia na América do Norte.
Não há como não dizer que Little Edie é a grande protagonista de Grey Gardens – uma estrela, uma heroína melodramática inesquecível – como dito por alguns críticos. Com sua enorme variedade de lenços de cabeça, seu jeito peculiar e seu excêntrico senso de estética, ela rouba cena. Nos extras da edição lançada no Brasil, inclusive, tem um vídeo que fala sobre sua influência e impacto visual na moda, reverberando no trabalho de estilistas, designers, etc. Ela constantemente reclama de ter abandonado sua vida agitada da cidade em Manhattan, para cuidar de sua mãe afirmando categoricamente que seria mais feliz em qualquer buraco de New York, “mesmo na 10th Avenue”. Gradualmente vamos percebendo que essas duas mulheres são absolutamente dependentes uma da outra, que eles formam uma espécie de personalidade composta.
O gesso caindo das paredes, os guaxinins convivendo amigavelmente naquele ambiente, uma grande família de gatos e discos de vinil antigos reproduzindo canções de uma vida que jaz na decrepitude. AQUI e AQUI podem ser visto mais um pouco sobre o universo de Grey Gardens e seus desdobramentos em criativas e artísticas iniciativas.
Grey Gardens é distribuído no Brasil pela Obras-Primas do Cinema e pode ser adquirido AQUI
Você não sabia que…
– O filme foi feito quase por acidente. Os cineastas foram abordados pelas duas irmãs Bouvier, Jacqueline Onassis e Lee Radziwell, para realizar um documentário sobre a família Bouvier. Passou um ano para conhecer as duas Edies, eles avaliaram a sua filmagem e decidiu não havia um filme Jackie e Lee -, mas parecia haver um em Edith e Edie.