A primeira vez que ouvi Arctic Monkeys, eu tinha pouco mais de 16 anos. Estava no ensino médio, morava no interior e sonhava em ser um VJ da MTV. Quando vi, nessa mesma emissora, quatro jovens, ainda de espinhas na cara (literalmente) e com roupas muito parecidas com as que eu usava, tocar uma guitarra rápida em “I Bet You Look Good On The Dance Floor“, minha mente explodiu. Numa época pré-internet banda larga, meu acesso à discos era limitado e eu passava bastante tempo assistindo MTV para rever esse clipe ou saber novidades da banda. Meu programa favorito para descobrir coisas a respeito era o Ya!Dog que me apresentou muita coisa boa (revendo os vídeos aqui, o mundo era outro).
Corta para mim, anos mais tarde, viajando sozinho pela primeira vez, de Minas Gerais para São Paulo, indo assistir ao show da banda da minha adolescência, quando essa fase já era um pouco mais distante. Lembro que estava ansioso, nervoso e tinha azucrinado todo mundo sobre esse show desde quando comprei o ingresso. O objetivo era arranjar companhia. Como não rolou, encarei a empreitada sozinho mesmo, deixando meus pais loucos.
Naquela noite, quando finalmente a banda subiu ao palco e pude os ver sem a logomarca da MTV no canto da tela, (que nessa época já perdia espaço para o Youtube) parecia que estava diante de outra banda. Espinhas e camisa de malha haviam se transformado em topetes e jaqueta de couro com um certo ar retrô. Fiquei meio preocupado com o que sairia dali. Até que o show começou.
Apesar do novo visual, os Macacos do Ártico estavam ali. A plenos pulmões, ao vivo e a cores. Misturando seus já clássicos sons, com lançamentos. “Deus salve o Arctic Monkeys”, pensei.
A verdade, que eu parecia ter esquecido brevemente naquele dia, é que a banda nunca se repetiu. A cada novo disco lançado estava tudo novo. Cabelo, sonoridade, estética do disco, mas sem perder o nível de qualidade. O show foi lindo. Voltei pra Minas em êxtase, sem voz e com muitas histórias para contar.
Esse ano, o grupo lançou Tranquility Base Hotel & Casino (2018), que mais uma vez pegou todo mundo de surpresa (talvez mais do que antes) e com uma pegada totalmente diferente, que se distancia bastante do Monkeys de quando eu era um teenager. Alguns o classificaram como o disco mais “transante” do grupo. Confesso que a princípio achei estranho até demais, mas agora tô curtindo. Acho que entendi onde eles queriam chegar. E gostei!
Aqui, neste texto, vamos analisar o clipe de “Four Out Of Five”, que faz parte do disco novo e que incorpora essa personalidade multifacetada do grupo. Confere o clipe aí pra gente conversar depois.
Antes de mais nada, é importante salientar que não pretendo dar uma interpretação definitiva sobre o clipe. A ideia é mais uma provocação sobre algumas possibilidades que enxergo nesse trabalho. Um olhar de alguém que acompanha os caras desde o início e gostaria de apontar algumas convergências. Dito isso, vamos ao clipe.
Quando assisti ao vídeo, a primeira coisa que veio a minha cabeça foi: Stanley Kubrick. Primeiro pelo hotel, já referenciado no próprio nome do disco, que me lembrou o Overlook de O Iluminado (1980). Segundo, pelo uso de sons estranhos que remetem muito à clássicos da ficção científica como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Ficção científica bem presente nesse disco que tem, inclusive, uma faixa com esse título. Na letra de “Four out Five” traz, ainda, citações à esse universo. Visualmente, o clipe também apresenta enquadramentos muito bem centralizado, característicos do universo de Kubrick.
Mas, o xeque-mate mesmo foi o enquadramento de Alex Turner, vocalista da banda, encarando a replica do hotel como Jack Nickolson fez com a réplica do labirinto em O Iluminado. Pareceu ser uma piscadinha dos criadores do vídeo dizendo: “pegou a referência”?
Além disso, temos duas versões de Alex olhando da mesma forma para réplicas diferentes. Uma num estilo mais clássico e outra bem futurista. O enigma, assim como no filme de Kubrick, seria: estamos diante de uma possível reencarnação de Alex? O Alex futurista, acompanhado de uma equipe, estaria investigando presença paranormais no hotel?
A maior confusão que acontece em nossas mentes é que o clipe emula muito bem o que podemos chamar de arte pós-moderna. Se, anteriormente, os modernistas prezavam pela originalidade e vanguardismo em suas obras, o pós-moderno se constrói buscando algo que está fora até mesmo de seu campo artístico para se construir. A referência parece ser uma regra à sua construção.
A pop arte é o um exemplo bem citado por se construir buscando abandonar os museus e trabalhar com as culturas de massa. O nome mais falado é o de Andy Warhol e suas obras construídas usando Marilyn Monroe, latas de sopa e a famosa capa do disco de estréia da banda The Velvet Underground (se não ouviu esse disco, recomendo demais). Ha quem diga também que não existe nada de pós-modernismo. O que vemos por aí seria apenas um prolongamento do modernismo. Mas, isso é assunto pra outro texto.
Voltando para a sétima arte, o melhor exemplo (ou o mais popular) é o cinema de Quentin Tarantino. Nele, o diretor, para contar suas histórias, mistura as mais diferentes referências, principalmente, do universo pop. Do nível que precisamos recorrer ao universo enciclopédico dos cinéfilos mais ferozes para sacar todas as referências. Referências essas que Tarantino pegou quando trabalhava em uma locadora de vídeo, onde passava boa parte do tempo assistindo filmes. Em Kill Bill (2003) o diretor mistura todo o universo do Kung Fu conhecido por ele, filmes de faroeste e até referências à Blade Runner: O Caçador de Androides (1982). (spoiler) A forma que a personagem de Daryl Hannah morre em Kill Bill faz referência à personagem que essa atriz interpretava no clássico de ficção científica (fim do spoiler). Além de recontar a história da Segunda Guerra em Bastardos Inglórios (2009) e colocar Rap para tocar em um filme de faroeste em Django Livre (2012).
No clipe, essa construção pós-moderna, se torna uma ferramenta para causar um certo desnorteamento em nós espectadores. O tempo todo, ele mistura referências do passado com objetos futuristas. O que nos impede de ter uma certeza bem clara se o Alex de barba feita e gel no cabelo é o mesmo de cavanhaque e cabelo desarrumado. Além de uma confusão com relação a temporariedade. Entre os dois tempos podem ter passado dias ou anos.
Outra referência cinematográfica está no trecho em que Alex dirige um carro, remetendo à filmes que utilizavam a técnica conhecida como back projection em uma época pré chroma key (ou fundo verde). No back projection, era projetada uma imagem ao fundo de ruas em movimento enquanto a câmera filmava o personagem dentro de um carro parado para dar a sensação de que o mesmo estava se movendo. Um filme clássico que utiliza esse método é Psicose (1960), de Alfred Hitchcock. Item que dá ainda mais um ar de mistério ao clipe. Aliás, outra banda que fez clipe com referências mais claras ainda à esse filme, contemporânea à Arctic Monkeys, foi o Franz Ferdinand em Walk Away.
Em Laranja Mecânica (1971), mais uma vez trazendo o universo de Kubrick, temos uma cena que usa essa técnica com o protagonista e sua trupe em um carro em alta velocidade.
Agora, caminhando para o extra-plano, ou extra-clipe, vejo como se a banda falasse de suas próprias mudanças. Uma personificação em imagens em movimento da constante mudança do grupo. Como disse no começo, a cada novo sumiço e aparecimento, eles mudam totalmente seu escopo encarnando novos penteados, estilos e sons.
O clipe de “Four out Five”, tendo base a letra da música que fala de um local (provavelmente o Hotel Tranquility título do disco), que alcançou a avaliação de 4 estrelas em 5, brinca com o universo futurista de Kubrick. Além de personificar as constantes mudanças de estilo e sonoridade do grupo, referenciando ao hotel que criou outra personalidade bem diferente em Jack Nicholson em O Iluminado. O que é aterrorizante pra alguns, pra eles parece ser fascinante.
Além disso, olhando em perspectiva toda essa mudança, a impressão que eu tenho é que, em algum momento, Alex teve seu coração quebrado. É nítida a mudança entre o primeiro disco no qual em A Certain Romance (que é minha música favorita do grupo) ele cantava sobre paixão e amor: “Eles provavelmente gostariam de me dar um soco / E se você pudesse vê-los por um instante, você concordaria / Concordaria que não existe mais romance por aí”. Mais pra frente no clipe Why’d You Only Call Me When You’re High?, vemos Alex bêbado, vendo sua amada transando pelos becos escuros da cidade e ouvir ela dizer, na letra “Por que você só me liga quando está chapado?”. Parece que ele teve uma desilusão amorosa e resolveu ligar o… (você sabe o que eu ia dizer) curtindo a vida de rock star e acabou encarnando exatamente esse espírito. Além disso, Alex e cia., passaram um tempo com Josh Homme, vocalista do Queens of The Stone Age, que é exatamente a encarnação desse rock star que temos em mente.
O clipe de “Four out Five” parece condensar isso tudo em seus pouco mais de cinco minutos. Esse universo ainda se prolonga em outro vídeo da música que dá nome ao álbum, uma espécie de continuidade do primeiro. Mais uma vez, com essa característica pós-moderna de misturar diversos tipos de referências, não conseguimos saber exatamente em que espaço-tempo se esse clipe se encaixa. Se antes, durante ou após o primeiro.
Bom, era isso. Agora estou no aguardo para saber se vamos ter continuações desse universo em outros clipes. Uma possível pista é que nesse disco tem uma música chamada Batphone e no clipe de Tranquility Base Hotel + Casino, esse aqui de cima, Alex aparece dirigindo um Batmóvel e atendendo um telefone em forma de morcego. Seria essa música a próxima a ganhar um clipe? Agora é aguardar pra ver.
Se você chegou no universo Ártico agora, fiz uma playlist com alguns sons que gosto da banda, pra você curtir e não virar meme por aí quando for falar dos caras. Ouça também os álbuns e visite os clipes para ver essas mudanças ainda mais nítidas. Boatos dizem que eles voltam para o Brasil em 2019, quem sabe a gente não se encontra lá?