É difícil e corajosa a empreitada que o diretor inglês Paul Greengrass assume em seu novo longa-metragem baseado em fatos reais. Lançado pela Netflix, 22 de Julho faz referência ao dia, em 2011, em que um duplo ataque terrorista deixou mais de 70 mortos na pacífica Noruega. Anders Behring Breivik, fundamentalista da extrema-direita e autor dos atentados, detonou uma bomba no centro de Oslo, bem próximo ao prédio do gabinete do primeiro ministro do país, e poucas horas depois assassinou a tiros 69 jovens em um acampamento do Partido da Juventude Trabalhista na Ilha de Utoya, sob o argumento de estar defendendo a Noruega e a Europa do multiculturalismo.
Os chocantes eventos acontecem já no primeiro ato do filme e Greengrass tortura o espectador ao fazer montagens paralelas entre o terrorista preparando suas armas e o o grupo de dezenas de adolescentes cantando e se divertindo, sem a menor ideia do futuro que está por vir. A câmera não desvia o foco de dezenas de jovens indefesos sendo alvejados e do sangue derramado, mas aquilo que para muitos diretores seria o clímax da produção, quando Breivik é capturado pela polícia ainda na Ilha, em 22 de julho é apenas o início de uma complexa e angustiante trama.
Ao contrário do relato de outras histórias verídicas como as de Vôo United 93 e Capitão Phillips, dois ótimos filmes do diretor, em que os eventos principais acontecem ao longo da projeção, aqui o foco são as consequências e a superação de um acontecimento traumático para os inúmeros envolvidos. Com um elenco quase todo desconhecido e formado majoritariamente por noruegueses (apesar de todo o filme, provavelmente por motivos comerciais, ser falado em inglês), o destaque é para o jovem protagonista Viljar Hanssen (Jonas Strand Gravli), que perde os dois melhores amigos e precisa reaprender a usar seu corpo para se recuperar dos cinco tiros que levou no atentado.
Para piorar, apesar dos esforços dos médicos, alguns estilhaços de balas ainda continuam presos em seu cérebro, o que pode levá-lo à óbito de uma hora para outra. Sorridente e popular antes dos incidentes, Viljar passa por um lento e doloroso processo de recuperação física e emocional, e a atuação segura de Gravli, assim como a longa duração do filme, explicitam o impacto irreversível do ocorrido em sua vida. A direção de Greengrass e o trabalho de diretor de fotografia Pal Ulvik Rokseth são fundamentais ao contrastar as descoloridas instalações do hospital e o claustrofóbico tribunal com as vastas paisagens norueguesas banhadas pelo branco da neve, onde Viljar reside e tenta seguir em frente.
Do outro lado da trama, o advogado Geir Lippestad (Jon Oirgarden) se vê obrigado a aceitar a complicada missão de representar Breivik perante a lei após o criminoso pedir especificamente seu nome para defendê-lo. Extremamente profissional e de semblante sempre fechado, Lippestad exerce seu dever de garantir o direito de defesa a qualquer pessoa, apesar de claramente nunca concordar com os feitos de seu cliente. O trabalho do advogado torna-se ainda mais difícil em função da completa ausência de remorso de Breivik, que mesmo sob custódia não vê problemas em exibir um sorriso confiante e procurar novos meios de gerar mais danos à traumatizada população norueguesa.
São tantos pontos de vista e consequências a serem contados nos dois últimos atos do filme, divididos entre a recuperação médica de Viljar e o julgamento de Breivik, respectivamente, que 22 de julho perde um pouco de seu foco, principalmente após o impactante início. A mãe e o advogado de Breivik, o próprio Breivik, o primeiro ministro norueguês, Viljar e sua família têm suas vozes exploradas pelo roteiro de Greengrass (inspirado no livro One Of Us, de Asne Seiertad), que é hábil em balancear as emoções das pequenas vitórias sobre um gigantesco trauma e a sobriedade de uma pragmática investigação diante de uma incontestável pergunta: como alguém é capaz de cometer tamanha maldade?
Em tempos de eleições e discursos inflamados, 22 de julho é ótimo filme e um infeliz retrato da concretização de discursos de ódio que pregam a supremacia, a xenofobia e o repúdio às diferenças, além de explicitar os enormes perigos do fácil acesso às armas de fogo. Assim como uma das imigrantes sobreviventes do ataque da Ilha Utoya declara durante seu testemunho no julgamento, ela não entende como a sua mera presença em um país estrangeiro pode querer levar alguém a fazer mal a ela. Assim como inúmeros outros grupos minoritários também não entendem o motivo de tamanho desprezo de grande parte da população e de políticos no Brasil atualmente.