“Bela, recatada e do lar”.
Se voltarmos no tempo, não é necessário ir muito longe para que possamos encontrar uma frase que poderia resumir tanto os primeiros minutos deste filme quanto um dos motivos pelos quais ele ainda precisa entrar em cartaz, no ano de 2021.
A ideia de uma escola para se formar boas esposas soa um tanto quanto patética – pelo menos a meu ver. E só por uma afirmação dessas, conheço algumas tias e avós que poderiam se puxar os cabelos de desespero e dizer que eu me perdi no feminismo.
Fazer o quê? Parece que a gente roda, roda, roda e não sai do lugar.
A sátira bem-humorada do diretor Martin Provost retrata uma França no final da década de 1960, oscilando entre a revolta dos estudantes e a ascensão do movimento feminista. Há quem diga que o filme não é fiel, mas não acredito que tenha sido uma das pretensões retratar com fidelidade tudo o que estava acontecendo na década em quase 2 horas de filme.
O divertido justamente é ver os traços que Provost e Séverine Werba, roteiristas do filme, escolheram reforçar: as personalidades das moças, o caráter meio aparvalhado dos homens, as camadas das personagens adolescentes que, no auge da sua juventude, são mandadas para uma escola de bons costumes.
A fotografia e a arte do filme fizeram um bom trabalho em equipe. Os planos são bem escolhidos e ensaiados. Binoche é uma presença bem-vinda, assim como suas companheiras de cena Yolande Moreau e Noémie Lvovsky, dando um show como coadjuvantes, abusando da expressividade e da composição das personagens esquisitas.
O grupo de adolescentes poderia ter seu arco mais bem desenvolvido. Sinto falta de explorar um pouco mais tudo o que pode estar acontecendo na cabeça e nas vidas de cada uma delas – a descoberta da sexualidade, os gostos pessoais, os dramas familiares. As ideias são apontadas e ficamos com vontade de ver mais – mas nem por isso o filme deixa a desejar.
Algumas escolhas sutis acabam saltando mais aos olhos: as flores na decoração do cenário e no figurino das atrizes; a transição clara da personagem de Binoche que, depois que perde o marido e começa a explorar mais sua vida sexual, passa a usar calças; a direção precisa e bem-humorada de Provost que acerta o tom e gera empatia imediata com as meninas.
O final apoteótico é divertido e alto-astral, mostrando Binoche também se divertindo em cena, juntamente com o resto do elenco de meninas. Uma cena de puro deleite e desobediência.
Talvez a existência desta obra venha para lembrar que ainda é preciso desobedecer – às tias e às manchetes que entregam um desserviço ao público feminino brasileiro que reside no 5º país que mais mata mulheres no mundo.
O feminismo está aí para muitas coisas, ainda que alguns descordem.
(Vale destacar a cena em que as meninas conversam sobre isso, enquanto colhem batatas).