Por Dario PR

Ano passado, aqui em Gramado, me chamou bastante atenção o curta A Triste História de Kid Punhetinha, dos jovens Andradina Azevedo e Dida Andrade. Ele tinha um frescor e uma melancolia que me incomodaram, e ficaram ecoando em mim por vários dias. Daí que fiquei bem curioso quando soube que o novo filme da dupla paulista fora selecionado para a cobiçada Mostra Competitiva de Longas Brasileiros do 41° Festival de Gramado. Com o poético título A Bruta Flor do Querer, o longa teve sua primeira exibição pública na noite de ontem e arrancou calorosos aplausos da seleta audiência que ocupava as cadeiras do Palácio dos Festivais.

“Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima
E nunca dor ..”

A parceria de Andradina e Dida começou em 2007, na Faculdade de Cinema. Sempre estudando e fazendo experiências com linguagem cinematográfica, eles criaram a produtora Filmes da Lata, e saíram fazendo videoclipes, publicidade e três curtas. A Bruta Flor do Querer é o primeiro longa deles. O filme é um drama autobiográfico, não, melhor dizendo, é um drama confessional, pois a palavra “biografia” tem um peso que não se aplica à história contada por esses guris. Acompanhamos o jovem Diego (vivido por Dida), recém-formado em Cinema, lutando para sobreviver na concorrida cena audiovisual da capital paulista. Com um amigo (vivido por Andradina), que é também seu confidente e mentor, eles batalham pra fazer seu primeiro filme. Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência.

Diego sobrevive filmando casamentos e fazendo vídeos institucionais, mas vive mergulhado em crises de insatisfação profissional e amorosa. Sempre chapado de maconha, cocaína e drogas sintéticas, o cara está chafurdando na lama da autocomiseração, e acaba se apaixonando platonicamente por Diana, recepcionista de um sebo de livros que, em suas fantasias projetivas, torna-se a mulher de sua vida. Essa paixão descabida é usada pelos autores como alavanca narrativa para nortear o desenvolvimento do personagem na trama.

“Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres como és ..”

O longa não teme os clichês metalinguísticos, e os usa com tanta coragem que eles adquirem um sentido novo na estética hiper-realista desenvolvida pela direção. É o que acontece nas hilárias cenas em vídeo de um casamento que estaria sendo filmado pelo protagonista. O filme é todo rodado em locações reais (o sebo é realmente um sebo etc), e com câmera móvel (geralmente na mão), artifício que se não for muito bem usado, dá num péssimo resultado. Não foi o caso.

Os personagens secundários beiram o documental, de tão plausíveis e factuais que são no contexto em que foram colocados, como é o caso do diretor da escola infantil que instrui o protagonista sobre como (não) deve ser feita a peça de final de ano letivo. Alguns ficarão incomodados com coisas como o merchandising desnecessário de latinhas de coca-cola e cerveja Itaipava, mas que funcionam na proposta narrativa, como elementos da banalidade de um cotidiano que deseja ser explicitado e nunca camuflado.

“O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim ..”

Um dos pontos altos do longa está no delicado trabalho de montagem e edição sonora, que imprime o ritmo e o clima necessários ao processo dramatúrgico de cada sequência. Destaco aqui as cenas em que Diego abusa de drogas e o espectador é levado a entrar na onda do personagem. Há uma cena de psicodelia em especial muito bem editada ao som preciso dos Mutantes (Meu Refrigerador Não Funciona). Aliás, a trilha sonora toda é de extrema funcionalidade e dialoga sutilmente com a narrativa. A partir do título, extraído da canção de Caetano (O Quereres), o filme passeia por Elis (20 Anos Blues), Gal (Baby), Caetano (It’s a Long Way), chegando até Maurice Ravel e Erik Satie. A voz poderosa de Gal Costa pontuando a narrativa é um artifício que já tinha sido usado com a mesma eficiência pela dupla na Triste História de Kid Punhetinha. Outro importante elemento que faz link nos dois filmes é o uso do automóvel como ambiente cênico em diversos momentos cruciais. O carro é o “confessionário” do filme, o espaço onde os amigos se encontram, os baseados são fumados e as verdades mais íntimas e cruéis são ditas.

“Infinitivamente pessoal
Eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo-te aprender o total
Do querer que há e do que não há
Em mim.”

A Bruta Flor do Querer mostra, sem panos quentes, a crueza da juventude que não teme dar a cara a tapa. Transpira aquele vigor de iniciante que só costuma se encontrar nos primeiros filmes de grandes realizadores. Tem uma doce melancolia que o atravessa de ponta a ponta, poeticamente. Tem sexo, drogas e roquenrou sem preconceito, nem hipocrisia. Não pretende virar minissérie, nem quer entrar na briga por um milhão de espectadores. Mas esbanja AUTENTICIDADE, esse dom tão precioso ao cinema, e que anda escasso na maioria das produções atuais, adeptas que são a fórmulas pasteurizadas.

“Ah! Bruta Flor do Querer ..
Ah! Bruta Flor, Bruta Flor. “

A bruta flor do quererA Bruta Flor do Querer

Ano: 2013

Direção: Andradina Azevedo e Dida Andrade.

Roteiro: Andradina Azevedo e Dida Andrade.

Elenco principal: Andradina Azevedo, Dida Andrade, Danilo Grangheia, Diana Motta.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: Brasil.

 

 

 

Veja a matéria de Gramado sobre o filme:

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