Desde a publicação de sua épica quatrilogia napolitana, Elena Ferrante se tornou um verdadeiro fenômeno no mundo todo. A Amiga Genial virou série da HBO, em 2018, pelas mãos de Saverio Costanzo, e agora é a vez de um romance um pouco menos conhecido da autora, A Filha Perdida / The Lost Daughter.
 
O filme, dirigido por Maggie Gyllenhaal (em sua estreia na direção de um longa-metragem), é uma produção da Netflix e estreou em dezembro de 2021 na plataforma de streaming, arrancando elogios da crítica – tanto para o delicado trabalho das atrizes quanto para a direção segura de Gyllenhaal.
 
A história acompanha Leda (Olivia Colman), uma professora divorciada que resolve passar alguns dias em uma idílica ilha grega. Sua paz é perturbada por uma barulhenta família norte-americana, que está hospedada na mesma praia. Ao mesmo tempo, Leda estabelece uma conexão com uma jovem dessa família, Nina (Dakota Johnson), cuja relação extremamente apegada com a filha desperta lembranças de sua própria juventude, cuidando de duas meninas pequenas.
 
“A atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”, é algo dito em um desses flashbacks. Contudo, o ato de se doar completamente, intrínseco ao papel da mãe, não é tão simples ou natural quanto muitos fazem parecer. Aqui entra a metáfora da boneca desaparecida/roubada: o cuidado é um instinto? Uma escolha? Ou uma obsessão?
 
Durante toda a história, há uma certa tensão no ar, algo que incomoda. Talvez essa sensação esteja relacionada à cena inicial, em que Leda é vista desfalecendo na praia praia, sozinha. Talvez seja pela agressividade velada dos americanos e dos próprios habitantes locais, com relação à turista solitária. Talvez pela repulsa (ou seria culpa?) que ela tenta ignorar, dos traumas escondidos em seu próprio passado.
 
De modo fragmentado, intercalando cenas entre a Leda jovem (interpretada por Jessie Buckley), uma brilhante intelectual, ao mesmo tempo sobrecarregada pelo trabalho e apaixonada pelas filhas, e a mulher atormentada e ambígua que conhecemos, no tempo presente, o filme vai descortinando as facetas de sua protagonista.
 
Ao contrário do que possa parecer, o longa não se assemelha em nada às histórias hollywoodianas de mulheres que viajam sozinhas e acabam “se encontrando” em jornadas culturalmente enriquecedoras, repletas de possibilidades e positividade. Existe nele uma constante impressão de ameaça, de desconforto, de algo não contado ou mal resolvido no que diz respeito a Leda – e Olivia Colman transmite perfeitamente essa inquietação.
 

São as memórias que nos contam quem é Leda, de fato, e por que suas antigas escolhas ainda a atormentam. Ela se vê em Nina, uma jovem mãe, assim como um dia já foi, e isso a coloca em confronto com um passado difícil de superar. Tabus relacionados à maternidade e ao papel da mulher na vida dos filhos, especialmente quando essa mãe escolhe priorizar a vida profissional, são colocados em questionamento.

 
[spoilers] Nas recordações de Leda, é visível o quanto ela lutava para conciliar as obrigações da maternidade e a realização de suas ambições profissionais. As filhas claramente eram um peso em sua vida, ao mesmo tempo em que ela se mostrava afetuosa e encantada pelas duas. Era uma relação de altos e baixos, passando do êxtase à frustração.
 
A Filha Perdida abarca a dualidade que ser mãe representa, para a mulher. A melhor coisa que aconteceu em sua vida também pode ser, por vezes, a mais sufocante. A velha expressão de que “ser mãe é padecer no paraíso” nunca fez tanto sentido: afinal, não são apenas rosas. É uma experiência ao mesmo tempo incrível, complicada, dolorosa, fascinante e desafiadora. Há momentos bons e ruins, muitas vezes na mesma proporção.
 
Para a mulher, a opção de partir e seguir sua carreira, abrindo mão das filhas (aliás, condenável para uma mãe, mas talvez não para um pai, na sociedade em que vivemos), simplesmente não é uma opção. A culpa permanece. A dor também. Não há tempo que a faça esquecer ou se perdoar. Ver essas mesmas questões em Nina reabre a ferida, mas também ajuda a cicatrizá-la, de certa forma. Quem sabe a vida não pode se tornar mais leve, mais fácil?
 
Embora o filme tenha suas falhas, principalmente ao transpor para as telas um material literário tão complexo, é impossível ficar indiferente às personagens. Elas falam sobre a condição feminina, em geral, e sobre a maternidade, em particular. São mulheres que têm atitudes controversas, erram muito tentando buscar a felicidade e sofrem duramente as consequências desses erros. Talvez por isso o momento de maior serenidade esteja na cena final, em que, prostrada na praia, Leda finalmente consegue descascar uma fruta apenas para si mesma.

A Filha Perdida

Ano: 2021
Direção: Maggie Gyllenhaal
Roteiro: Maggie Gyllenhaal, Elena Ferrante
Elenco principal: Olivia Colman, Jessie Buckley, Dakota Johnson
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Grécia, Reino Unido, Israel, Estados Unidos

Avaliação Geral: 4