O gênero do terror nos cinemas é marcado por ciclos estéticos que imprimem suas características nas principais produções de cada década. Os anos 1930, por exemplo, viram surgir os monstros da universal. Já os anos 1950, marcados pelo pós-guerra, retrataram o medo de invasões, seja de almas ou territórios, e os terrores do perigo atômico. Ao chegarmos na década de 1980, observa-se uma ascensão do gênero graças aos slasher movies e suas sequências, como Halloween, Sexta-feira 13 e A Hora do Pesadelo. Na década atual, deixando de lado a discussão sobre o “pós-terror”, fica claro o investimento dos estúdios na criação de universos assombrosos, sobretudo em derivados do bem-sucedido Invocação do Mal.

Em A Freira, novo capítulo da franquia desenvolvida por James Wan, acompanhamos o padre Burke (Demián Bichir) e a irmã Irene (Taissa Farmiga). A dupla de religiosos é incumbida pelo Vaticano de investigar eventos sobrenaturais que acontecem num convento na distante Romênia. Cada qual a seu modo, os dois já haviam enfrentado o mal de alguma maneira antes. Entretanto, nenhum desses eventos poderia prepara-los para o terror que encontram entre as paredes da abadia romena. Ali o padre e a irmã, com a ajuda de Frenchie (Jonas Bloquet), enfrentam Valak, uma entidade maléfica que se apresenta sob a forma de uma freira demoníaca.

De maneira geral, o filme se mostra assombroso, mas não perturbador. Diferente das outras produções da franquia que retratam o mal inserido na sociedade, A Freira leva o terror de volta para lugares ermos e distantes da nossa realidade. Convenhamos, é mais fácil ficar impactado com uma casa assombrada, cenário que facilmente poderíamos encontrar no dia a dia, do que com uma aparição sobrenatural num convento longínquo.

Por conta do retorno ao medo clássico, as comparações com o principal expoente desse estilo são inevitáveis. O longa possui vários pontos de contato com outra história romena bem mais conhecida, que se passa na Transilvânia. Assim como em Drácula, o filme é ambientado num castelo gótico longe da civilização, temido pelos habitantes do povoado local e repleto de uma neblina misteriosa. Entretanto, não existe a ideia de homenagem ao mito do vampiro, mas sim uma mera apropriação de elementos comprovadamente assustadores.

O título também segue outros passos da cartilha do medo: utiliza o pavor do desconhecido ao ocultar por um bom tempo o rosto da freira infernal; concede ao espectador vislumbres de elementos assombrosos antes que os personagens os vejam e trabalha com relógios de suspense. Estes vão desde o portão da abadia que não abre durante a noite até os sinos dos túmulos, que servem como sinal para os que foram enterrados vivos. Tais características, aliadas a uma técnica eficiente, garantem uma boa dose de sustos.

Entre os elementos narrativos que concedem camadas ao longa vale citar a arquitetura gótica do mosteiro. As linhas retas e compridas conduzem o olhar do espectador e o centraliza na assombração da freira. Além disso, os cânticos gregorianos, que em geral transmitem paz, aqui funcionam como uma música diabólica e um leitmotiv para a aparição de Valak.

Porém, os diferenciais técnicos ficam por aí. A utilização das cores é feita dentro do óbvio e demarca sobretudo o contraste entre o preto, símbolo do demônio e sua maleficência, e o branco, que representa a irmã Irene e sua pureza. À medida que o filme avança, uma iluminação antirrealista toma conta da tela e destaca principalmente a face medonha da freira. Contudo o recurso perde força por sua má utilização, em especial na luz vermelha super estranha que marca as cenas do segundo ato.

Ainda que garanta bons arrepios, o roteiro é fraco e cheio de explicações frágeis, a começar pelos motivos que ocasionaram a ida da irmã Irene à Romênia. Para justificar a presença da dupla de religiosos ali, o texto apresenta suas experiências passadas por meio de flashbacks. Estes se mostram redundantes ao retratarem os acontecimentos sobrenaturais com uma narração dos personagens, que explicam exatamente o que estamos vendo. Para completar, as provas que justificam os eventos fantasmagóricos parecem saídas de uma história de terror do século XIX e chegam a soar um tanto infantis. Isso sem contar as freiras romenas que possuem traços latinos.

Entre tantos elementos clichês, que vão desde os crucifixos invertidos até os espantos previsíveis, A Freira se mostra o capítulo mais ambíguo do universo de Invocação do Mal. Ao mesmo tempo em que o demônio Valak é muito assustador, sua danação é diminuída por um roteiro simplista que trabalha dentro do óbvio. Se a ideia de um universo compartilhado é mesmo a tendência do horror moderno, os exemplos mais recentes ficam muito aquém de seu verdadeiro potencial. Só nos resta esperar por uma nova onda de sustos que sejam mais genuínos.

A Freira

 

Ano: 2018
Direção: Corin Hardy
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco principal: Demián Bichir, Taissa Farmiga, Jonas Bloquet, Bonnie Aarons
Gênero: ​Horror, Mistério, Thriller
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: