Por Vinicius Gonçalves
Conservar ou revoltar-se?
Provavelmente essa pergunta seja um bom ponto de partida para refletir algumas das inúmeras questões que circunscrevem o filme A Garota Ocidental, do diretor belga Stephan Streker. Uma produção dinâmica que envolveu quatro países sendo estes a Bélgica, Luxemburgo, Paquistão e a França.
Zahira é uma jovem paquistanesa que vive na França. Habituada ao estilo de vida ocidental a jovem de 18 anos põe em questão diversos valores tradicionais relacionados a sua família, e, consequentemente, a sua religião. Por esse motivo, Zahira é percebida como uma rebelde já que adota comportamentos divergentes dos preestabelecidos a uma mulher de sua tradição religiosa.
A primeira sequência do filme revela a garota em um consultório médico negociando um possível aborto. O segundo desvio praticado pela jovem, se levarmos em consideração o ato sexual fora do matrimônio, anunciando os conflitos éticos que permeiam a vida da protagonista. A surpresa encontra-se na relação com seus pais, uma vez que ambos autorizam Zahira a realizar o procedimento, pois, aos olhos de sua família, a jovem precisa se casar com um homem de origem paquistanesa. Além disso, a gestação de uma criança fora do casamento corromperia a posição de Zahira e de sua família dentro do Paquistão.
Atenuando as disputas de poder, Zahira é conduzida a escolher um marido entre três jovens selecionados pela sua mãe. Novamente, o conflito com a tradição é instaurado: o novo e o velho opõem-se em uma experiência de choque que acaba por afastar Zahira de sua família. É necessário evidenciar que Zahira ao colocar em cheque alguns valores promovidos pela comunidade muçulmana não se opõe completamente a sua tradição, isto é, em diversas cenas do filme a jovem é retratada em seu íntimo, cultivando sua fé. Nesse sentido, verifica-se que Zahira tenta por meio das brechas de uma identidade ambígua colocar em uma balança tanto sua individualidade quanto sua tradição. Mas de qual tradição estamos falando?
É pertinente sublinhar que o filme foi dirigido por um europeu, ou seja, o recorte que se estabelece é de um olhar estrangeiro sobre a cultura islâmica. Porém, a obra ganha créditos e dá conta da diversidade das experiências vividas pelos personagens, uma vez que a câmera se volta não só para a protagonista – que carrega em si, tanto os valores ocidentais quanto orientais – mas também, para o seu pai (Mansoor Kazim), mãe (Yelda Kazim) e irmão (Armir Kazim). Isto é, em diferentes momentos, a opinião do pai ou do irmão de Zahir se sobressai, evidenciando pontos cruciais que autorizam uma reflexão a respeito da cultura muçulmana, bem como a sua relação com a cultura ocidental.
O elo que une a família é revelado em momentos conflituosos quando a diferença é elevada à limites insuportáveis, mas mesmo assim, é possível perceber a afetividade entre os membros da casa. Há inúmeras sequências onde as fronteiras entre o amor e a violência se entrelaçam complexificando as relações entre os personagens. Talvez, o eixo central da obra gire em torno da relação de Zahir com seu irmão (Armir Kazim). A intensidade como ambos lidam com as divergências é angustiante, uma vez que, de um lado, temos a figura de Armir que representa o núcleo duro da tradição e do outro, a jovem Zahir, que habita as bordas deste núcleo.
Ainda, o filme traz à tona questões contemporâneas relacionadas à globalização, virtualização das relações e afetividades líquidas. Isto é evidente na maneira como Zahir está aberta a viver diferentes relacionamentos, ou, no casamento virtual – mesmo que forçado – realizado pelo Skype. No entanto, o tema da injustiça é tratado de forma exemplar, pois toca em feridas que permeiam todas as relações sociais, independente de raça, classe, gênero ou crença religiosa. Em um dos diálogos proferidos por Hina Kazim, irmã de Zahir fica explícito a problemática da desigualdade. “É injusto porque somos mulheres […]” A personagem aparece no meio do filme, evidenciando um papel central no desenrolar da narrativa e que exerce plena influência sobre Zahir.
O que define liberdade? Quais os limites entre o individual e o coletivo? De que maneira é possível negociar com a tradição? Estas perguntas desempenham papel fundamental para pensar a narrativa, visto que, Zahir lida com essas questões em todo o desenrolar do filme. No entanto, essa discussão é transposta ao espectador de A Garota Ocidental, uma vez que, a própria jovem perde o direito de refletir a tais indagações no final do longa-metragem.
Ano: 2017
Direção: Stephan Streker
Roteiro: Stephan Streker
Elenco principal: Lina El Arabi, Sébastien Houbani, Babak Karimi
Gênero: Drama
Nacionalidade: Bélgica, Luxemburgo, Paquistão, França
Veja o trailer: