Por Domitila Gonzalez e Joyce Pais
A Rede Social é para a atual geração 2.0 o que Piratas do Vale do Silício (Martyn Burke, 1999) foi para a geração passada. Uma acompanhou o surgimento e desenvolvimento dos primeiros computadores, que foi desde o Altair 8800 até o Microsoft Windows; e a outra, já inserida no contexto da revolução tecnológica e usufruindo dos seus benefícios desde os seus primeiros dias de vida, tenta lidar com as propriedades do meio que passa por constantes mudanças e atualizações.
Ao reconstruir fielmente o ambiente de Harvard nos seus tons monocromáticos, David Fincher (Clube da Luta) usa o argumento da invenção do Facebook para ir além da cinzenta melancolia dos prédios universitários e mostrar como funciona a mente de um gênio precoce da informática que, ao criar a maior rede de relacionamentos da internet, dá sentido ao slogan do filme: “não se faz 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos”.
A época: 2003. O lugar: Thirsty Scholar Pub. Ao som de Ball and Biscuit do White Stripes, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) leva um fora de sua namorada Erica, após um frenético diálogo em que a garota, perplexa, tentava se defender dos ataques do namorado, que menosprezava sua universidade e vida acadêmica. Sem demonstrar a mínima noção em matéria de relacionamentos afetivos, sejam eles amorosos ou sociais, Mark é apresentado logo na primeira cena como alguém muito prático e desprovido de emoção, o que dificulta o estabelecimento de vínculo ou identificação com o protagonista, algo que, com o passar do filme, vai sendo quebrado. Algumas de suas características mais pedantes se tornam um atrativo da história representada, ainda que o verdadeiro Zuckerberg tenha afirmado em algumas entrevistas que o retrato feito no longa foi um pouco exagerado e inverossímel.
Após tal episódio, a câmera que acompanha o caminho do garoto até seu dormitório mostra alguém predestinado a realizar um objetivo quase crucial. Assim que entra em contato com o que tinha mais intimidade, um computador, ele posta no blog Livejournal impressões depreciativas sobre a ex-namorada. O que começa com um “desabafo virtual” rapidamente vira um site chamado Facemash, que consistia em comparar fotos roubadas das alunas de Harvard, conferindo-lhes comentários baseados na aparência física.
Com uma garrafa de cerveja na mão e o pensamento fluindo na velocidade de bytes, Zuckerberg dá início à rede social que se fosse considerada um país, estaria entre os top 5 mais populosos do mundo: o Facebook.
O espectador cai no erro se analisar A Rede Social como a adaptação de um livro. Com fortes divergências entre ambos, o filme tenta se destacar colocando em evidência os processos judiciais que envolvem Mark Zuckerberg.
Mark é acusado de roubar a ideia do Facebook dos irmãos gêmeos Winklevoss, que o haviam convidado a participar de um projeto de criação de rede social, o Harvard Connection, que tinha um esquema parecido: interesses, fotos, redes de amigos. Mas como diz o roteiro de Aaron Sorkin (Jogos de Poder e a série de TV The West Wing), nas linhas interpretadas por Jesse Eisenberg, os códigos são diferentes. Então, na prática, não houve plágio. Mas o comentário aqui é sobre o desenvolvimento do filme, e não sobre o processo, algo que parece praticamente impossível de separar, porque entre flashbacks confusos e turvos, há uma mesa grande, advogados, promotores, uma assistente e os nossos queridos protagonistas do julgamento: Mark, os gêmeos e seu amigo, o brasileiro Eduardo Saverin.
Com diálogos rápidos e sempre cheios de ansiedade (não se sabe se do personagem ou do protagonista), o filme que tinha tudo pra ser uma grande sacada, acaba se enrolando num novelo de perguntas sem respostas.
A caracterização de Eisenberg é comum, estereotipada e sem sal: estamos falando do nerd que não larga o computador nem para ir ao banheiro, do cara que não tem amigos, que idolatra um bonitão bem-sucedido, do vômito de palavras e termos técnicos, do gênio da informática e do loser nas relações humanas.
Até aí nada de novidade. Quer ver um nerd se dando mal nas questões afetivas, mas sendo um gênio da tecnologia, matemática, ciência, química, ou do que for? Há uma infinidade de histórias, roteiros, personagens, séries e filmes que podem ser listados. Uma Mente Brilhante, Quebrando a Banca e The Big Bang Theory só pra começar. O que faz com que eles tenham sucesso? Protagonistas carismáticos, namoradas bonitinhas e um roteiro impecável. O que há de comum entre eles e A Rede Social? Apenas as namoradas bonitinhas.
Adaptações são sempre difíceis, principalmente quando se tratam de histórias reais. A fidelidade é exigida por aqueles que conhecem cada detalhe dos fatos. Como adaptar a vida de alguém que está presente, comandando uma das maiores invenções da internet e não cair na mesmice?
O roteirista acaba nesse clichê comercial, preso pelas informações do livro e pela vida exposta de Zuckerberg. A maior prova: a aparição repentina, desnecessária e nada agradável aos amantes da interpretação, de Justin Timberlake, fazendo o papel do empresário pop Sean Parker, o criador do famoso programa de compartilhamento de músicas Napster.
A grande sacada do filme está literalmente no minuto final: F5 – atualizar. Depois de tudo o que aconteceu na vida de Zuckerberg, depois de todas as festas, as listas de códigos e indenizações, decepções e milhões de dólares que entraram e saíram de sua conta bancária, o déficit continua sendo a relação pessoal. Adicionar ou não a sua ex-namorada ao seu círculo de amigos? Quem curtiria a nova amizade? Qual será seu status, seus interesses mudaram?
É preciso entender que nem sempre a certeza de uma boa história garante o sucesso e um bom filme. O que é sensacional nessa brincadeira toda é a maneira com que o verdadeiro Mark cria o Facebook. O processo que, sim, envolve centenas de programações, ideias brilhantes entre uma cerveja e outra, de madrugada, e não a aposta e a proposta de Fincher. O filme é mais uma interpretação disso tudo. E só.
Como de costume na história da comunicação, “gênios” responsáveis pela evolução e/ou mudança drástica nos parâmetros vigentes, normalmente têm como destino o papel de vilão. Assim como em Cidadão Kane (Citizen Kane), Charles Foster Kane foi o alvo de sua época, Mark é uma personalidade dos tempos atuais e mostra, por meio do longa, que para chegar a tal posto, alguns preceitos éticos e morais foram deixados de lado, mas para nosso amigo nerd, 500 milhões de amigos podem realmente pesar mais do que apenas alguns inimigos.
A Rede Social (The Social Network)
Ano: 2010.
Diretor: David Fincher.
Roteiro: Aaron Sorkin, baseado no livro “The Accidental Billionaires” de Ben Mezrich.
Elenco Principal: Jesse Eisenberg, Rashida Jones, Justin Timberlake.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: EUA.
Veja o trailer:
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