Por Lucas Torigoe
O último filme de Andrzej Wajda é um testemunho para quebrar o silêncio dos anos. Afterimage é do tipo de filme que vem com uma missão: representar a vida de uma pessoa, reparar uma ferida. Se isso é possível, ou se deve ser este o papel de um filme, não nos cabe aqui discutir, mas apenas salientar que provavelmente, por causa da obra, Władysław Strzemiński não será tão facilmente esquecido.
Antes de falarmos do filme em si, devemos lembrar que Afterimage se encontra com o resto do legado que Wajda nos deixou numa obra que enfrentou diretamente os totalitarismos do século XX, encarnado aqui na União Soviética. Desde seus primeiros filmes, feitos nos anos 1950, Wajda condenava as ações do regime contra os seus pares, jovens e adultos que sofreram os males da perseguição e da intolerância. Seu pai foi um dos 22 mil assassinados no massacre de Katyn, representado em seu filme homônimo de 2007. Mais à frente, o diretor dedicou outro filme à causa em Walesa: homem de esperança, em homenagem a Lech Walesa, símbolo da transição do comunismo para a democracia liberal na Polônia. Dessa forma, seus filmes também podem servir como um alerta a todas as formas de opressão, o que é muito bem vindo num mundo que viu atônito a marcha de Charlotesville neste mês de agosto.
Dedicado a uma estética chamada “clássica”, de modo a formar uma narrativa tradicional e, com isso, envolvente, Afterimage busca em primeiro lugar ambientar o espectador à época e à importância de Strzemiński na Polônia do pós-guerra. Se a primeira parte do filme é um tanto didática e voltada para criar empatia para com o personagem principal, Wajda não se deixa deslizar para a heroicização do artista – um dos pontos fortes do filme. É interessante notar como as tomadas são constantemente filmadas de cima para baixo – especialmente no humilde apartamento do pintor – de modo a representar Strzemiński como um homem digno frente à suas deficiências físicas, e disposto a, mesmo assim, enfrentar o que tiver de enfrentar para preservar sua autoria artística. À certa altura, a tragédia já pode ser prevista pelo espectador que, se assistiu Eu, Daniel Blake, sabe a força da mensagem de que o Estado pode esmagar o indivíduo, quando a avista.
Strzemiński é um personagem contraditório, e até certo ponto dotado de extrema teimosia. Sua força de vontade e a figuração de sua obra sendo tomada de si, destruída e vilipendiada aos poucos é uma das representações mais fortes do cinema atual acerca da perseguição estética e ideológica sofrida por um membro da classe artística. Mostra que, de fato, cultura é política. Assim, Wajda se despediu de nós com uma das valiosas mensagens que carregou por sua vida inteira, por desventuras do destino: vale a pena lutar pela liberdade, e não devemos esquecer dos nossos guerreiros.
Afterimage
Ano: 2016
Diretor: Andrzej Wajda
Roteiro: Andrzej Mularczyk
Elenco: Boguslaw Linda, Aleksandra Justa, Bronislawa Zamachowska, Zofia Wichlacz, Tomasz Wlosok, Paulina Galazka
Gênero: Drama
Nacionalidade: Polônia
Veja o trailer: