Este ano, em meio a toda a euforia das eleições, descobri o disco Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), da banda de rock nacional Titãs. Mesmo tendo sido lançado há mais de vinte anos, o álbum traz um clima e sentimento bem característicos da disputa eleitoral de 2018 (aliás, ouça esse disco). Uma das músicas contidas no álbum é Desordem em que o eu lírico questiona a ordem das coisas, quem decide o que é ordem, caos e etc. Numa das estrofes ele diz:
São sempre os mesmos governantes
Os mesmos que lucraram antes
Os sindicatos fazem greve
Porque ninguém é consultado
Pois tudo tem que virar óleo
Pra por na máquina do estado
Quando assisti As Viúvas, novo filme de Steve McQueen, vencedor do Oscar de melhor filme por 12 Anos de Escravidão (2013), pensei muito nessas estrofes e em tudo que ocorreu nessas eleições. No longa, um grupo de mulheres que perdeu seus maridos numa tentativa de assalto precisa de dinheiro para dar prosseguimento às suas vidas. Quando uma delas, Veronica (Viola Davis), é cobrada por uma dívida do falecido, ela convoca as demais para executar um assalto que estava planejado pelos maridos e quitar a dívida.
O que achei interessante é que, diferentemente de outros filmes de assalto, em que boa parte da história se concentra em como será a execução do plano, As Viúvas volta suas atenções nos motivos do assalto e em nos mostrar como essas mulheres se encontraram e quais são as razões que levou cada uma a fazer isso.
Junto disso, vemos expostas todas as engrenagens da máquina do estado e como se produz, como diz as estrofes da canção dos Titãs, o óleo para alimentá-lo. Isso porque na equação ainda temos a disputa eleitoral entre um candidato branco, Jack Mulligan (Colin Farrell), que pretende continuar o legado a sua família na política, e um negro, Jamal Manning (Brian Tyree Henry), que quer ser uma possível nova voz do povo. O óleo aqui, é o dinheiro (talvez na música dos Titãs também).
O filme consegue construir as principais congruências do crime e da política de maneira eficiente. Em meio a isso, temos mulheres buscando o protagonismo de suas próprias vidas e a cor da pele ainda surgindo como um tabu a ser superado, mesmo em um ambiente que deveria ser democrático, como na política. Aqui não temos papeis delimitados: a personagem que faz algo de errado e que complica o plano tem uma curva dramática que a leva quase para o extremo oposto. A chefe durona e que tem tudo sob controle, aqui se mostra frágil e nem tanto no controle assim. É interessante isso, pois, humaniza os personagens e nos tira do lugar de acertar qualquer previsão possível dos fatos.
O roteiro tem participação de Gillian Flynn, que escreveu o livro e roteirizou o filme Garota Exemplar. Acredito que a junção dos dois nomes, Flynn e McQueen, é um dos grandes méritos da obra, visto que muitas das principais questões levantadas por esse giram em torno de questões raciais e feministas. O tratamento é mais elaborado e foge do caricato – ao menos com relação ao racismo, eu, como homem negro, posso confirmar. Ao que tudo indica, parece que tivemos um acerto duplo.