Filmes que acompanham um longo período na vida de seus personagens possuem um claro apelo com o público, seja por conseguirem estruturar longos arcos narrativos, seja por uma curiosidade das pessoas no desenrolar natural da vida. Um bom exemplo nesse sentido é Boyhood (2014), que foi gravado durante 12 anos e acompanhou o envelhecimento de seus atores. Mas Até Logo, Meu Filho, longa do diretor Wang Xiaoshuai, também é um excelente modelo.
A trama acompanha a vida de duas famílias ao longo de 30 anos, tendo como plano de fundo as mudanças político-sociais da China. Após a morte trágica do filho de um deles, os caminhos se separam, mas voltam a convergir posteriormente. Apesar de já muito distantes e transformados pela história do país, ambas as famílias buscam por verdade e reconciliação ao finalmente se encontrar.
A princípio, o que mais chama a atenção na película é a técnica utilizada. Por meio de longos planos e sutis movimentos de câmera, o diretor nos apresenta à vida de Yaojun (Wang Jingchun) e Liyun (Yong Mei). Os hábitos familiares ganham um ar poético graças aos enquadramentos precisos e limpos, que transparecem em tela um potente lirismo.
Outro grande diferencial de Até Logo, Meu Filho é o trabalho de montagem. Analisada de maneira cronológica, a história em si não é muito elaborada. O enredo possui alguns pontos de virada, mas nada que chegue a surpreender. O segredo está na timeline não linear criada por Xiaoshuai. Os cortes, sempre secos, ora mantêm o público na mesma sequência, ora o catapultam para outro espaço temporal, com anos de diferença do que acabou de ser visto. Se a princípio o artifício confunde, com o tempo nos acostumamos e vamos montando o quebra-cabeças da vida daquelas pessoas.
E tempo é justamente o que temos de sobra no longa. O filme possui um pouco mais de três horas de duração, conduzidas na típica paciência oriental. Durante esse período, vamos nos surpreendendo ao ver como eventos do passado repercutem no futuro das famílias e como traumas são difíceis de ser superados.
Um dos fatores que também ajudam a estender a sensação de temporalidade são os longos silêncios das cenas. Jingchun e Mei, que ganharam o Urso de Prata de Melhor Ator e Melhor Atriz no Festival de Berlim 2019, estão inspirados e conseguem passar uma alta carga dramática apenas com o olhar. Ao final, a dupla de atores brilha ainda mais, quando seu afilhado Hao (Du Jiang) lhes conta uma notícia reveladora.
O plano de fundo para essa extensa trajetória é nada menos do que a história da China contemporânea. No filme conseguimos ver as difíceis relações trabalhistas, a ascensão social possibilitada pela industrialização do país e os impactos da política do filho único. Se no começo acompanhamos o dia a dia de dois casais humildes, com o passar do tempo percebemos como uma das famílias tornou-se rica. Entretanto, independente do ano ou da classe social, fica clara a relação dos chineses com a comida, visto que muitos dos temas aqui citados são abordados no filme durante as refeições.
As mudanças decorridas pelo passar dos anos são sentidas mais intensamente nas sequências próximas do final da trama. Ali vemos como Yaojun e Liyun se tornam saudosistas ao lembrar de um passado que, em partes, não existe mais.
De maneira profunda, a produção nos lembra ainda das consequências psicológicas da política do filho único, uma das questões mais intragáveis do governo chinês. Despontando como uma grata surpresa, Até Logo, Meu Filho também serve agora como exemplo de filme que aborda longos períodos na vida de uma pessoa. Por fazer isso de maneira inspiradora e cativante, é uma imperdível crônica da vida moderna na China.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo