Em seu livro de memórias chamado Crônicas: Volume Um, Bob Dylan relata uma das razões de seguir uma carreira solo e não montar uma banda. Ele diz:
Quando montei minhas primeiras bandas, geralmente algum outro cantor que não tinha a sua levava a minha embora. Parecia que isso acontecia toda vez que uma das minhas bandas estava completamente formada. Eu não conseguia entender como isso era possível, tendo em vista que aqueles caras não eram nada melhores do que eu como cantores ou músicos. O que eles tinham era uma porta aberta para shows onde haviam dinheiro de verdade.
Ele segue contando sobre questões que envolvem não somente dinheiro, mas o que ele chama de “credenciais” por ser parente ou conhecido de alguém. Essas frustrações todas acabaram convergindo para que Dylan seguisse a carreira solo até que pudesse pagar sua própria banda, como ele confirma. Ao assistir o documentário Bob Dylan: Dont Look Back, acho que o destino, na verdade, estava era indicando um caminho mais acertado para Bob. Ele sozinho já era suficiente para preencher o palco.
No filme, conseguimos ter uma dimensão melhor da persona de Dylan para além das suas letras. O que o documentário parece querer responder é: quem é o dono da voz jovem por traz dessas letras tão cortantes? Com esse pontapé inicial, acompanhamos os bastidores da turnê do cantor pela Inglaterra em 1965. Na época, Dylan, com vinte e poucos anos, tem de enfrentar maratonas de conversas com jornalistas e fãs enlouquecidos por apenas um aceno seu. Foi engraçado ver as cenas dos fãs loucos, inclusive uma garota sobe em cima de um carro que o cantor estava, por que associava esses acontecimentos mais aos Beatles principalmente por causa do filme Os Reis do Ie, Ie, Ie (1964).
O filme segue todo sem nenhuma narrativa clara. Apenas nos mostra o que acontece nas noites de hotel antes e após alguma apresentação. Quem são os personagens que cercam o então jovem cantor e o universo cultural do momento. São citados nomes de outros cantores como Donovan (que aparece várias vezes no filme), The Animals e os Beatles. A cantora Joan Baez também está sempre ao lado de Dylan e seus amigos.
É interessante também, em uma determinada parte, um fotografo está tirando fotos de Bob e do ambiente em que ele se encontram. Ele passa algum tempo fotografando Joan e, ao fim, pergunta seu nome para suas anotações. Quando ela diz, ele responde: “Olha, não havia te reconhecido”. Fiquei pensando que aquele eram outros tempos. Não existia tanta circulação de imagens e vídeos como hoje. Talvez fosse fácil passar por algum famoso por aí sem saber.
Outro ponto que fiquei pensando durante o filme é que sempre que se escreve sobre algum documentário, surge a questão de como foi seu processo de criação. Visto que se capta muito mais material do que o que é exibido efetivamente. E acaba que as escolhas do que é ou não mostrado afetam a visão que vamos ter daquela realidade ou daquela pessoa. No caso de Dont Look Back, pelo que é visto, parece que o diretor escolheu deixar por nossa conta classificar seu personagem principal como um cara chato ou herói. Visto que ele nos mostra tanto um Dylan simpático com todo mundo quanto um rabugento e que questiona tudo.
Aliás, esse lado questionador dele foi uma das características que mais me chamou a atenção. Temos diferentes momentos em que ele é entrevistado. As vezes ele fica nervoso com os repórteres, outras vezes é super atencioso e tudo. Mas, nos diferentes casos, ele parece inverter o jogo e as perguntas que lhes são feitas, ele as retorna para o repórter que fica, na maioria das vezes, sem o que dizer a não ser retribuir com uma risada. Isso comprova uma característica que aparece bastante em suas letras que é um questionamento da sociedade, seu sistemas e governos. Consegui enxergar aqui um artista íntegro, que não é uma pessoa perfeita e nem fácil de lidar, mas que sua verdade transparece em seu trabalho em suas letras e canções.
O filme se torna então, um registro, não só de um momento da carreira do cantor mas, também, um retrato de uma sociedade que estava prestes a se transformar. É na década de 1960 que a contra cultura vem com tudo e muda os padrões pré estabelecidos. No filme, ainda vemos nas pessoas os ternos, roupas sóbrias e o cabelo que os Beatles usavam no início de sua carreira. Nos anos seguintes, o mundo não seria o mesmo. Hippies, revolução sexual, Woodstock, homem pisando na lua e Bob Dylan sendo chamado de Judas por usar a guitarra elétrica ao invés de seu violão. É, você tinha razão desde aquela época, Dylan, The Times They Are Changing.