Ao contrário do que alguns pensam, o cinema, a TV, a internet e meios afins não são ilhas isoladas. Cada um deles interage, influencia e altera o outro. Na comunicação existe até um termo para tal fenômeno: midiamorfose. Um dos exemplos mais recentes na sétima arte é o novo estilo dos “screen movies”. A lógica das produções é que a trama se passe exclusivamente em telas, sejam elas de computadores, celulares ou tablets, e tenha uma conexão direta com cultura digital.
O primeiro longa filmado nesse estilo foi o terror Amizade Desfeita (2014). Agora chega aos cinemas o thriller Buscando, dirigido pelo estreante Aneesh Chaganty. O título retrata a busca de David Kim (John Cho) por sua filha Margot (Michelle La), que desapareceu misteriosamente. Uma investigação local é aberta e a detetive Vick (Debra Messing) é designada par ao caso. A partir daí, David vai mergulhar de cabeça no universo online para procurar pistas do paradeiro da filha e, no processo, descobrir a duras penas que nunca conheceu de verdade a garota.
De maneira eficaz o longa aborda vários temas da hipermodernidade em que vivemos. David e Margot enfrentavam juntos o luto pela morte da esposa e mãe, Pamela (Sara Sohn). Entretanto, ao olharmos mais de perto, vemos que não houve tanta cumplicidade assim. David se fechou para o mundo e encapsulou a dor, excluindo Margot no processo. Com isso ela, que passava pela adolescência, se afastou ainda mais do pai. Em suas incursões pelas redes sociais da filha, David descobre o tamanho da lacuna que possuía em relação à garota. Ele não sabia o nome de nenhum de seus amigos e ignorava o fato de Margot estar extremamente solitária, mesmo rodeada de pessoas. Com isso, o longa lança a temível pergunta para os pais: será que vocês realmente conhecem os próprios filhos?
Como é de se esperar de um filme ambientado em telas digitais, Buscando também se aprofunda nos dilemas relacionados à tecnologia. Esta é mostrada como uma faca de dois gumes, que pode tanto aproximar pessoas quanto afastá-las. Prova disso é o comportamento de David, que por vezes apaga uma mensagem antes de enviá-la em um chat por medo de ser mal interpretado. Outros temas importantes também ganham destaque na trama, como os oportunistas que buscam ganhar novos seguidores ao se aproveitar de uma tragédia, e o intimidante rastro digital, que faz o espectador refletir se realmente é possível ter alguma privacidade no mundo online. Acima de tudo isso, paira o desafio de David: mesmo tendo pouca afinidade com redes sociais e internet, ele precisa surfar nesse mar de tecnologias para encontrar sua filha.
É justamente dessa situação intrigante que surge o suspense do longa. Ao ser passivamente carregado para dentro das telas de computadores e celulares, o espectador assume seu papel primordial no cinema: o de voyeur. Com competência, o roteiro consegue prender a atenção do público logo no começo e o mantém interessado ao longo de sua duração. Aos poucos, ver David acessar os e-mails e redes sociais de Margot sacia nossa curiosidade e realiza um desejo que todos já tivemos: o de conhecer a vida privada do outro. Ao mesmo tempo, ter acesso às mensagens e chamadas de vídeo que chegam quando ele está dormindo ou fazendo outra atividade gera uma ansiedade genuína.
Apesar de criativa, a técnica do formato screen movies pode se tornar um pouco cansativa, em especial nas cenas muito claras que geram certo desconforto visual. Entretanto, o título em questão consegue contornar as barreiras do próprio subgênero graças ao bom ritmo, que desenrola a história de maneira cadenciada. É interessante observar que, mesmo ambientado apenas em telas, Buscando consegue delimitar as fases da trajetória de David. Enquanto acompanhamos a dinâmica entre pai e filha e o início do inquérito, a ação transcorre no celular, no computador dele ou no da garota. Quando o caso ganha atenção da mídia, passamos a assistir vídeos em sites de notícias ou de streaming. Já no período em que a investigação se intensifica e ruma para direções inesperadas, ganham espaço as filmagens de câmeras de vigilância escondidas.
Entre tantas qualidades, dois pontos diminuem a experiência do filme. O primeiro são as atuações, que estão apenas convincentes. O segundo é a explicação detalhada do caso no final. Ainda que não fique nenhuma ponta solta, o roteiro poderia apostar mais na inteligência do público e ser menos literal. De toda forma, Buscando apresenta plot twists interessantes e vários detalhes que são prenúncios de informações apresentadas posteriormente na trama. Pelo formato criativo, o ritmo certo e as camadas de detalhes inseridas no universo de telas online, vale a pena assistir mais de uma vez.