Por Ana Carolina Diederichsen
Com imagens aleatórias e cenas de longa duração, aos poucos é possível montar o quebra-cabeça de Cães Errantes. Vivendo à margem da sociedade, um pai e seu casal de filhos têm seu dia-a-dia retratado. Vivem nos escombros de uma construção abandonada e realizam a higiene em banheiros públicos. Em busca de comida grátis, frequentam supermercados. Em um deles, trabalha uma mulher, cujos caminhos se cruzam.
Os homens ali retratados, com foco na figura paterna, são desumanizados. Moram em qualquer lugar, andam por qualquer lugar, comem em qualquer lugar e fazem as necessidades em qualquer lugar. As atuações são competentes e exprimem o máximo de humanidade de quem é comparado, a todo momento, a cachorros.
A ausência total de música e quase inexistência de diálogos confere especial importância à trilha sonora incidental. O extracampo sempre se faz presente pelo uso do som. No início, temos a predominância de grandes planos abertos, distantes dos personagens. Ao longo do filme, os planos vão se fechando e terminam em close. Alguns enquadramentos são bonitos e trazem algo do impressionismo. O auge da fotografia são as cenas com vidros, nas quais as imagens refletidas ganham profundidade e novas dimensões. O vidro também distorce, e corrobora com a metáfora exprimida.
Os cenários são todos naturalistas e sem tratamento, com exceção de um deles: a casa da mulher. Com paredes escuras, manchadas e cheias de texturas e falhas, o ambiente se aproxima dos mais assustadores cenários de Nosferatu e outros expoentes do expressionismo alemão.
O silêncio e inatividade incomodam e deveriam despertar questionamentos, mas a duração das cenas é tamanha, que ao invés de questionar, o telespectador se dispersa. Entendo a decisão artística tomada, mas foi levada ao extremo, a ponto de perder seu propósito inicial.
A critica social feita, que compara homens a animais, é incrível, mas a maneira extremamente naturalista com que foi realizado, faz com que seu mérito se dissipe em meio a cenas entediantes. Ao colocar sequências tão longas, silenciosas e inertes, o filme tira o foco de sua temática e nos faz divagar (não sobre o filme). O diretor Tsai Ming-Liang, se utilizando da prerrogativa do cinema autoral de arte, se esvaziou de significado.
A mensagem que o filme levanta é importante, um fato do qual não podemos fugir. Mas o ritmo é tão lento e sem coesão que poucos terá a paciência necessária para assisti-lo. A mensagem, maior que o filme, é a praticamente a mesma de Tempos Modernos, de Chaplin, com algumas atualizações. Mas Cães Errantes diminui seu poder e nunca vai ter o alcance que merecia.
Ano: 2013
Diretor: Tsai Ming-Liang
Roteiro: Peng Fei Song, Tsai Ming-Liang
Elenco Principal: Shiang-chyi Chen, Kang-sheng Lee, Yi Cheng Lee
Gênero: drama
Nacionalidade: França /Taiwan
Trailer: