Uma mulher relata que foi abusada sexualmente. O marido acredita com certa relutância e tenta defender a própria honra. O acusado, que anteriormente era próximo do casal, nega ter feito qualquer coisa contra a mulher. O julgamento e a análise das “provas” serão feitos por homens, em um processo totalmente machista em que a mulher já entra como possível condenada por ter comentado sobre a aparência de quem ela acusa. Parece até uma notícia recente de jornal, mas esse é o enredo principal de O Último Duelo (2021), dirigido por Ridley Scott que lançou no mesmo ano Casa Gucci (2021).

Primeiramente, O Último Duelo se afasta de um filme épico tradicional de ação. Batalhas e lutas de espada como em Gladiador (2000), do próprio Ridley Scott, são vistas aqui em menor escala. Elas servem apenas para pontuar algum momento importante da história. Não surgem como algo gratuito para garantir que o público fique pensando apenas nelas. No que o filme está interessado é no discurso de uma sociedade que, mesmo regida pela religião, que teoricamente deveria trabalhar compaixão e amor ao próximo, acaba servindo como base para que homens tenham razão independente de qualquer situação.

A história, baseada em fatos reais, é contada sob três pontos de vista. O de Marguerite de Carrouges (Jodie Comer) a mulher que denuncia o crime, Sir Jean de Carrouges (Matt Damon) o marido e de Jacques Le Gris (Adam Driver) suspeito de violentar a mulher e que, anteriormente, era grande amigo de Carrouges. Cada uma das versões vai ter a sua própria verdade e a mudança em alguns pontos na interação de um com os outros dois personagens vai fazer com que a história tenha uma verdade própria. Coisas que a gente ouve hoje em dia como: “ela deu indícios de que queria” ou “eu só queria te proteger” quando, na verdade, o objetivo era o homem não ficar com má fama por aí.

Por estar esperando algo mais épico como o já citado Gladiador, o primeiro capítulo da história, como O Último Duelo é dividido, soa meio arrastado. Parecia ser uma daquelas produções com grandes atores, diretor famoso e fotografia bonita, mas chato e feito apenas para esbanjar dinheiro e tentar uma vaga nas premiações. Depois de entender como seria a dinâmica, as coisas ficaram mais interessantes e tudo isso se tornou um excelente aliado. Os mesmos fatos são contados sob perspectivas diferentes, conforme dito anteriormente, nos auxiliando a ver a índole de cada um.

Apesar de ser um filme bem interessante, com atores famosos, além dos citados ainda temos Ben Affleck como o fanfarrão Pierre d’Alençon, O Último Duelo não foi muito bem de bilheteria. A produção, que gastou cerca de 100 milhões de dólares, conseguiu arrecadar apenas 27 milhões. Scott que recentemente, assim como Scorsese e outros, tinha irritado as gerações mais novas falando mal de super-heróis, culpou os millennials pelo baixo desempenho do longa. Em uma entrevista para o WTF Podcast, o diretor disse: “Acho que tudo se resume a… O que vemos hoje é a audiência que cresceu nesses malditos telefones celulares. O millennial, que nunca quer aprender nada, a menos que você diga pelo celular.” Bom, apesar do mau humor, tudo, incluindo o audiovisual realmente passou a ter uma velocidade maior. Receber um vídeo ou um áudio no celular que seja para além de um minuto já é motivo de protesto. Isso faz com que um filme de mais de uma hora e meia tenha a necessidade de cortes rápidos, muitos efeitos visuais e coisas acontecendo a todo tempo para atrair as plateias para o cinema e deixa-la esse tempo sem olhar se tem notificações no WhatsApp. Características que estão mais próximas de um filme da Marvel ou DC do que do novo filme de Scott. Isso sem contar a Pandemia que complicou a vida de todo mundo.

Para quem se arriscar a assistir a O Último Duelo, vai encontrar uma produção mais próxima ao “cinema clássico” no sentido em que passamos mais tempo junto com os personagens, cenas mais longas, diálogo tão importante quanto as imagens e que as cenas de batalha e ação são pontuais e não o evento principal. Para além disso, ainda conhecer um discurso que assustadoramente, faz eco com a realidade do presente com uma sociedade hipócrita que ancora suas leis na religião (mesmo sendo um estado laico no papel) tendo como objetivo manipular as massas e subjugar as mulheres. Sério, é bastante assustador ver tanta semelhança de uma história de 1300 com uma de 2021. Assustador para dizer o mínimo.

O Último Duelo

 

Ano: 2021
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Nicole Holofcener, Ben Affleck, Matt Damon
Elenco principal: Jodie Comer, Matt Damon, Adam Driver, Harriet Walter
Gênero: ​Ação, Drama, História
Nacionalidade: Estados Unidos, Reino Unido

Avaliação Geral: 4