Por Bruno Colli e Pietro Milan
(Participação especial do Moonflux)

 

O vencedor do Festival de Berlim de 2012 foi o novo projeto dos aclamados irmãosTaviani, Paolo e Vittorio. Anteriormente, eles haviam ganhado a Palma de Ouro em Cannes pelo filme Padre padrone, de 1977, e o Grand Prix du Júry em 1982 por La Notte di San Lorenzo. O trabalho dos irmãos, que sempre trabalharam juntos, costuma ser proporcionalmente refinado e acessível, agradando diversos tipos de público. Em Cesare deve morire (César Deve Morrer), os cineastas apresentam uma história dentro de uma história, onde a linha entre ficção e realidade é quase indefinível.

Logo nos minutos iniciais, somos apresentados a uma peça de teatro sendo encenada – A Tragédia de Júlio César, de William Shakespeare -, onde após o final do espetáculo, os atores voltam para suas celas. A peça estava sendo encenada em um presídio e os atores em questão eram todos detentos. É então que o filme, repleto de cores até então, torna-se monocromático e volta no tempo em seis meses, para nos relatar como tudo havia começado, quando um diretor de teatro (Fabio Cavalli, respeitadíssimo diretor de teatro na Itália) chega ao presídio de segurança máxima em Roma com o projeto de encenar a peça de Shakespeare dentro da própria prisão e tendo os próprios detentos como atores. Uma audição é iniciada, onde todos eles demonstram suas habilidades de atuação. Todos eles vieram de lugares diferentes, alguns de regiões distintas da Itália, outros de países distantes. Após todos se apresentarem, seus nomes e os crimes que cometeram para chegar até ali são apresentados na tela.

O resultado final de Cesare deve morire é a adaptação mais peculiar da peça deShakespeare, e ao mesmo tempo a mais apropriada, pois todos os projetos do dramaturgo envolviam apresentar arte refinada para as massas, fato que o tornou conhecidíssimo pelo mundo inteiro. Como em um documentário, o roteiro não é exatamente o mais importante, mas sim o que está sendo relatado. Além de mostrar os testes, os ensaios e o espetáculo, tentam também mostrar as longas horas que os detentos devem enfrentar dentro das celas, entre o desconforto, a saudade dos familiares e as brigas com os companheiros.  Mas em boa parte do filme acompanhamos os detentos ensaiando a peça e suas falas, não focando muito nos dramas pessoais dos inusitados atores, mas sim nos personagens que estão interpretando. Cesare ainda possui a vantagem de possuir uma fotografia brilhante, mesclando o contraste das cores com a monocromia, que nos demonstra a frieza e o isolamento da prisão, como poucos conseguiram realizar. Às vezes algumas passagens parecem um pouco artificiais (um vicio que sempre acompanhou o cinema de ambos os diretores), mas que não comprometem em nada o resultado do filme, capaz de contar um aspecto da vida no cárcere que muitos ainda não conhecem.

Os irmão Paolo e Vittorio Taviani conheceram como espectadores o trabalho deCavalli com os “detentos atores” e deixaram de lado as transposições literárias que caracterizaram suas produções cinematográficas e televisivas nos últimos anos (e que geralmente são cotadas como seus melhores trabalhos) e se aventuraram neste híbrido entre documentário e ficção. Na realidade, os 73 minutos do filme (muito mais breve que a média) mais que mostrar o trabalho de uma companhia de teatro no interior de uma prisão, nos mostra as passagens mais importante de seu Júlio César. Enquanto o palco não fica pronto, os intérpretes ensaiam no pátio da prisão, na biblioteca e nos corredores. Os outros detentos, mas também os guardas, observam, participando, com entusiasmo ou distância, a tragédia que pouco a pouco toma corpo. Os atores não se comparam aos membros da Royal Shakespeare Company, mas são dotados de uma certa eficácia, principalmente porque Cavalli os guia com inteligência, optando por fazer com que interpretem em seus próprios dialetos, fazendo com que Cesare deve morire se torne também um mosaico de sons e tornando as cenas dos ensaios mais interessantes que a do espetáculo em si.

Os detentos também são encorajados a encontrar prontos de contato entre a tragédia colocada em cena, devido à universalidade dos textos shakespearianos, o que se torna uma tarefa fácil: afinal, Júlio César trata de temas como homicídio, traição, ambição, vingança e lealdade. E os resultados são muito bons. Cosimo Rega é umCassio que impõe respeito, Giovani Arcuri (que também já havia contado sua experiência atrás das grades em um livro) um convincente César e Salvatore Striano(que também atuou em Gomorra, de Matteo Garrone), que continuou a atuar mesmo depois de cumprida sua pena, é muito eficaz ao colocar em cena as confusões deBruto, assim como o Marco Antonio de Antonio Frasca, que faz da célebre oração fúnebre a César um dos momentos mais interessantes do filme.

Cesar deve morrer não é apenas Shakespeare, não é só a dor ou o poder de salvação da arte. Não se trata de mostrar o talento dos atores de seção de segurança máxima de uma prisão, se trata, na verdade, de mostrar o quanto a experiência daqueles que acreditavam não ter mais esperança possa ser útil para quem realmente está em uma cela, mas também, se não ainda mais, para quem está do lado de fora. O filme se encerra com uma convicção muito clara: nenhum homem, como dizia Pasolini, pode se considerar inferior a si mesmo ou qualquer outro. A vitória no Festival de Berlim, ainda que contestada pelos críticos locais, é a vitória desta idéia em si, e não apenas de um filme refinado e indestrutível.

 

Cesar deve e morrer (7)César deve morrer (Cesare deve morire)

Ano: 2012

Diretor: Paolo e Vittorio Taviani.

Roteiro: Paolo e Vittorio Taviani.

Elenco Principal: Cosimo Rega, Salvatore Striano, Giovanni Arcuri, Antonio Frasca e Vincenzo Gallo.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: Itália.

 

 

 

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