“Há quem o considera mito, que é o lugar que colocam pessoas negras importantes. Enquanto nossa história fica na oralidade, os brancos existiram e ponto.”

É partindo desse pensamento que a diretora Joyce Prado tenta nos trazer para mais perto da história de Chico Rei, um rei congolês escravizado que foi trazido ao Brasil durante o Ciclo do Ouro em Minas Gerais e que libertou a si mesmo e vários outros escravos com ouro contrabandeado das próprias minas em que eram forçados a trabalhar. 

A primeira parte de Chico Rei Entre Nós (2020) soa como uma grande aula de história, com vários moradores da cidade de Ouro Preto trazendo na oralidade coisas que, em grande parte, nunca escutamos em sala de aula. O sincretismo religioso é também tema central, mostrando como a coroa portuguesa agia ativamente na separação dos povos, com a construção de diversas igrejas para que cada qual soubesse exatamente onde poderia ir e com quem não se misturar. 

Já na segunda metade do documentário a cineasta tenta fazer um link com a memória que se perdeu e se transformou, trazendo o bairro da Liberdade em São Paulo como exemplo do apagamento dos negros e das suas histórias. Ela também acompanha um movimento de ocupação de terra e uma escola de samba de áreas mais marginalizadas de Ouro Preto, que de uma forma ou de outra trazem a memória de Chico Rei e o seu legado de luta. 

Chico Rei Entre Nós tenta trazer na oralidade dos mais velhos o seu fio condutor, mas esse se perde algumas vezes na sua uma hora e meia de duração. Enquanto se tenta falar de quem foi Chico Rei, mesmo que brevemente pois esse não parece ser realmente o foco da narrativa, o ponto alto do filme fica com os dois guias da Mina Jeje que conseguem trazer a grandeza do intelecto dos negros retirados a força dos seus países na África, mostrando que eles não foram violentamente trazidos pra cá por conta da sua força, mas também pelo seu conhecimento. A construção das minas, a escavação das mesmas, as técnicas de mineração, tudo isso veio da exploração contínua do negro em solo nacional. 

Os relatos seguem mostrando a força da população negra diante de tantas injustiças, mas Chico Rei Entre Nós esquece da sua conexão com a narrativa de Chico Rei, mesmo que ela seja tratada na maior parte do tempo como uma metáfora que abrange todos os Chicos Reis que existem, aquilombados por terras brasileiras.

Enquanto discute-se a existência ou não de Chico, as histórias seguem sendo passadas de geração em geração, não importando se são fábulas que nos ajudam a entender um pouco mais da nossa trajetória roubada. Chico Rei Entre Nós tenta nos mostrar a necessidade de se discutir a memória, de se resgatar a união que tantas vezes parece nos faltar.

 

Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Chico Rei Entre Nós

 

Ano: 2020
Direção: Joyce Prado
Roteiro: Natália Vestri
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Brasil

Avaliação Geral: 2,5