Apesar de tudo que havia sido dito sobre o filme do arqui-inimigo do Batman, Coringa, eu ainda fui à sessão de imprensa esperando um filme tradicional de herói. Claro que algo mais sombrio e violento era esperado, mas acreditava ser mais próximo aos moldes dos filmes do gênero. Mas, estava redondamente enganado e isso foi ótimo.

A primeira característica, ou a maior delas, é que a maior parte do tempo esquecemos ser um filme baseado em quadrinhos. A história de Arthur Fleck, interpretado maravilhosamente por Joaquin Phoenix, e sua ascensão (ou queda) de um palhaço frustrado até se tornar o personagem título, poderia ter qualquer nome que não Coringa e poderia se passar em qualquer cidade grande do mundo. Tanto que muitas vezes, ou boa parte do filme, eu me esquecia de onde estávamos e só entendia quando algum personagem citava Gotham ou aparecia a fachada do Asilo de Arkham . Foi bizarro.

A história e até o visual se aproximam muito de Taxi Driver (1976) e derivados. Um cara que faz tudo certinho, tentando ser uma pessoa boa só que a sociedade não o acolhe da mesma forma. Ele então acaba reagindo à altura. A presença de Joaquin e a forma esquelética de seu corpo remeteu também à seu personagem em O Mestre (2012). Mas, esse último, vê numa espécie de seita uma possível saída para suas perturbações mentais. Em Coringa a saída não é nada pacífica.

Aliás, em Coringa, o tratamento de problemas mentais é o principal foco. A forma com que a sociedade trata do assunto ou como ela vê (ou não) pessoas que passam por tais sofrimentos, acaba gerando consequências para esta mesma comunidade. Uma das frases que mais me marcou foi: “a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse”. O Coringa escreve isso em seu caderno de piadas e essa linha ecoou na minha cabeça durante todo o filme. Deu até um gosto amargo na boca.

As questões levantadas aqui vão para além dos limites de Gotham e  respingam em nossa sociedade atual. Doenças sérias como depressão, ansiedade e outros males da mente são tratados como “frescura”. A população pobre sofrendo com a ganância dos políticos. Ricos querendo despontar como salvadores da pátria sem ao menos terem pisado em um bairro humilde.

O mais interessante é que o Coringa acaba sendo uma resposta a todo esse cenário. Quando ele reage de forma violenta às agressões que ele próprio recebeu, surge a questão: eu, espectador, como devo reagir a isso? Entendo os pontos levantados, os motivos de sua loucura, mas devo comemorar? Confesso que adoro ver um valentão se dando mal, mas assistir aquilo acontecendo de forma tão crua é chocante e desperta vários questionamentos. A principal seria: estamos realmente entendendo os problemas sociais?

Voltando ao universo dos quadrinhos, o filme concede uma dimensão maior para o cenário caótico de Gotham City, que dará origem ao Batman. Quem é fã do morcego, assim como eu, vai pegar várias referencias durante o filme. O melhor é que não tem nada gratuito, elas estão lá para contar a história de origem do pior vilão do homem morcego.

O que também agrada é que, depois de tanta insistência, a DC parece ter desistido (ao menos por enquanto) de criar um universo compartilhado. Existem momentos em que as referencias e os acontecimentos apontam para o surgimento do Batman, mas isso é bem sutil e não pegar a deixa não prejudica a compreensão do todo. Aliás, elas servem a si mesmas. Eu como DCnauta, agradeço a atenção.

Por várias vezes, como disse anteriormente, fiquei bem incomodado e chocado com cenas de violência. Esse foi um dos pontos, ou o principal deles, que me fez ficar em dúvida se tinha sido um bom filme ou não. Mas como a ideia principal é “um coringa de verdade”, torna-se compreensivo que seja violento. Bem violento. Mas é importante frisar que tal violência precisa ser vista como uma crítica e não como uma glorificação. O que é delicado e uma das razões por que eu saí do cinema meio abalado. É uma linha muito tênue entre os dois lados, interpretações distorcidas podem ser feitas. Mas, por fim, Coringa é um filme curioso, assustador e reflexivo. Não vá ao cinema esperando assistir a uma história tranquila e divertida. Muito pelo contrário. Seu objetivo parece ser escancarar de vez as feridas da sociedade.

Coringa

 

Ano: 2019
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Elenco principal: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen
Gênero: ​Drama, Triller
Nacionalidade: Canadá, Estados Unidos

Avaliação Geral: 4,5