Nos últimos tempos, parece que todo dia temos um novo live-action de alguma animação Disney sendo anunciada. Já passamos por novas versões de O Rei Leão (2019), Aladdin (2019), Mulan (2020) e ainda tem outros por vir como A Pequena Sereia. Um dos primeiros dessa nova leva focava não na história original, mas na vilã, Malévola (2014), que inicialmente era personagem de A Bela Adormecida (1959). Apesar de prometer um “filme de vilão”, o longa amenizou a vilania e colocar a personagem como um fruto do ambiente em que vivia. Não funcionou muito bem como pretendia a ideia inicial, e seria mais apropriado chamar talvez de “boalévola”, com o perdão do trocadilho.
Algum tempo depois, a Disney resolveu apostar mais uma vez nos seus vilões, até porque, apesar dos pesares, Malévola rendeu dinheiro a ponto de ganhar uma continuação em 2019 chamada Malévola: Dona do Mal. Surge então o filme solo da vilã de 101 Dálmatas, Cruella (2021). A produção, estrelada por Emma Stone, conta a história de origem da famosa estilista que na história original pretende fazer um casaco usando as peles de cachorros da raça Dálmata. Inicialmente uma animação Disney de 1961, a obra depois ganhou um live-action em 1996 cujo papel de Cruella foi interpretado por Glenn Close. Esse primeiro live-action teve até uma continuação, chamada 102 Dálmatas (2000). Aliás, lembro de assistir a esses filmes em VHS na escola (estou ficando velho).
A saída, muito assertiva por sinal, encontrada para que Cruella pudesse agir de fato como vilã e não ficar boazinha como a de A Bela Adormecida (1959), é ter uma antagonista quase tão detestável quanto a da animação. Isso porque, nesse primeiro momento, a protagonista ainda se vê dividida entre ser uma boa pessoa (apesar de ganhar a vida roubando com seus dois comparsas) e abraçar um certo impulso cruel que existiu nela desde sempre. Divisão essa entre os dois lados que parece ser representado no seu característico cabelo preto e branco.
Quem é a vilã da vilã é a toda poderosa da moda conhecida como A Baronesa (Emma Thompson). Ela é amada e temida quase que na mesma proporção pelo mundo da moda e seus funcionários. Ela mostra sua vilania em momentos como quando ajustar um vestido criado por Cruella e acidentalmente corta a moça e parece não se importar. Isso nos dá munição para torcer para que as armações de Cruella deem certo contra a estilista. Principalmente nos momentos quando alguns fatos e coincidências do passado fazem com que a vida das duas estejam entrelaçadas de formas não imaginadas.
Mas o que se destaca mesmo é a história ser contada por meio da moda. Pensando que a personagem principal é antes de mais nada uma aspirante a estilista, não poderia ser diferente. Tecidos, peles e texturas são elementos cruciais para contar a história da vilã. É como se cada ato da personagem tivesse uma roupagem própria. Por mais que muitas das coisas se tornem previsíveis em diversos momentos, essas previsibilidades surgem de uma forma mais criativa. Isso aliado a trilha sonora bem rock’n roll e arrebatadora com canções de artistas como The Doors, Queen e Nina Simone. A principal referência para o estilo é o movimento punk que surgiu justamente na década de 1970, período em que se passa o filme. A constatação máxima disso é uma cena em que assistimos à uma performance, iniciada por um solo de guitarra, em que Cruella e seus modelos desfilam no meio de uma praça, cheia de luzes ao som de uma versão de I Wanna Be Your Dog, do grupo de Iggy Pop, The Stooges.
Para que a gente não esqueça que o filme se trata de um prequel de 101 Dálmatas, a raça dos cachorros aparece em momentos bem pontuais. Eles têm relevância no desenrolar da trama, mas em nenhum momento são a causa de desvio de foco dos personagens principais. Inclusive, alguns fatos nos fazem entender por que a futura vilã tem uma certa repulsa a eles. Em alguns momentos, fiquei questionando que ela não estava sendo aquele monstro todo do filme dos Dálmatas. Porém, em um certo momento, a própria diz algo como: “Eu ainda sou muito jovem para ser tão cruel assim”. É aquela famosa piscadinha de olho para nós, sabe? Do tipo “ainda sou uma vilã em formação”.
De uma forma geral, dentro da proposta de ser um filme de vilãs Disney, Cruella consegue ser cruel e exalar maldade sem subir a classificação indicativa. Conforme dito anteriormente, a crueldade está só começando aqui. Provavelmente, caso tenha sucesso, principalmente financeiro e que não faço ideia de como será o cálculo em tempos de cinema em pandemia, vamos ver continuações aí da saga da moça de cabelo de duas cores.