Eu tinha uns 5 anos (ou menos) quando vi Mufasa morrer pela primeira vez. Não foi na tela grande, porque na minha infância ir ao cinema não era um programa que minha família escolhia. Foi naquela fita VHS verde, que todos os filhos da década de 1990 conhecem tão bem, que senti a punhalada da tragédia de Shakespeare.

Este é o emblemático filme que a Disney usou para (quase) destruir minha infância, só perdendo para o Dumbo. Sem mais dramaticidades, esta memória afetiva foi o segredo do sucesso para o remake em Live Action de Jon Favreau lançado em 2019, com um elenco contando com Beyoncé, Seth Rogen, Donald Glover e James Earl Jones, que reviveu seu papel de Mufasa de 1994.

A obra é fruto de um momento em que a produtora aposta na realização de remontagens de seus sucessos aclamados, vinda de uma onda também surfada por vários outros estúdios, onde o seguro é refazer seus grandes sucessos, com algumas pequenas modificações. Vide As Panteras (Elizabeth Banks, 2019), Oito Mulheres e um Segredo (Gary Ross, 2018)Caça Fantasmas (Paul Feig, 2016) e as próprias produções Disney, como A Bela e a Fera(2017), Aladdin (2019), Dumbo (2019)e, em breve, meu preferido, Mulan (previsão para 2020). Essas escolhas são tanto para manutenção econômica – afinal é razoavelmente seguro em questões de bilheteria lançar uma história já conhecida, já com o público cativado -, como para suprir um mercado de espectadores que já não enxergam sentido no presente e futuro, e busca sua satisfação no passado.

No fim das contas, é como estarmos vivendo uma distopia: estamos em um momento da história da humanidade em que olhar para o lado é insuportável e para o futuro é impensável, pois não há futuro, há a ideia de que não há mais inovação na arte. Não existe futuro quando não se há para onde ir. Há o passado seguro, onde guardamos nossas mais profundas emoções e satisfações. É nisso que os remakes apostam.

Poucas são as diferenças significativas neste novo Rei Leão. Favreau mais opta por recriar a história com preciosismos biológicos e usa a tecnologia para isso. De qualquer forma, ao sentar no cinema e ouvir a introdução Nants ingonyama bagithi baba” (O Ciclo da Vida, de Lebo M. e Carmen Twillie, com interpretação em português de Graça Cunha), com animais computadorizados realisticamente repetindo os movimentos da obra de 1994, não deu para não chorar.

Apesar de esperar que fosse esse o clima a guiar o restante do filme, foi um clímax momentâneo na introdução e um restante de história com escolhas isoladas de quebrar a narrativa original. Favreau faz escolhas mais ativas, por exemplo, com os personagens femininos. Vemos menos uma atitude de aguardar um Deus ex machina e mais um impulso de “estamos sozinhas e ninguém vai fazer isso por nós”. 

Um exemplo dessa escolha é a cena em que Nala foge e encontra Simba. Na versão original, ela foge para encontrar comida, já na versão de 2019 ela foge de Scar conscientemente para encontrar ajuda. A cena não é mero pretexto para que ela encontre Simba, mas sim uma sequência dramática, de completo protagonismo e força das leoas.

É de se aplaudir ainda qualidade dos efeitos especiais. Cada pêlo, cada movimento, cada reação foi minuciosamente estudada e transposta. Claro que existem problemas, como o estranhamento no fato de os animais falarem, ainda que com bocas realistas, mas nada impactante a ponto de tirar o espectador do filme. A ideia aqui é a suspensão da crença, com uma mescla de nostalgia cinematográfica.

É nisso que Favreau apostou e é isso que o filme entrega. Não há nada de novo para se ver e o impacto, claro, é menor do que ao assistir a versão original, pois se abre mão do quesito originalidade. Se ao ver o desenho original, é impossível segurar as lágrimas, com a nova versão isso não foi conquistado, não completamente. Ainda assim, depois de 25 anos, ver uma das maiores obras da Disney em outro formato, um formato que se desenvolveu com a juventude que o próprio filme ajudou a criar, é um acontecimento memorável.

 

O Rei Leão

Ano: 2019
Direção: 
Jon Favreau
Roteiro: 
Jeff Nathanson
Elenco principal: Donald Glover, Seth Rogen, Keegan-Michael Key, Chiwetel Ejiofor, Beyoncé Knowles, James Earl Jones
Gênero Roteiro: : ​AventuraDrama
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 4