Você e eu devemos concordar que um cemitério indígena não é um bom local para se construir um campo de golfe. Falando assim parece bastante óbvio, mas esse fato provocou um verdadeiro impasse na província canadense de Québec no início dos anos 1990. A Crise Oka, como ficou conhecida, durou 78 dias e envolveu duas comunidades Mohawk, povo originário da América do Norte. Em um intenso conflito entre os indígenas, a população branca e o governo, os Mohawk construíram barricadas e isolaram seu território por três meses a fim de impedir a construção do fatídico campo de golfe.

É nesse contexto histórico que se passa Beans, primeiro longa ficcional da diretora Tracey Deer. No filme, conhecemos a personagem homônima ao título, uma garota Mohawk de 12 anos que vive a Crise Oka de perto enquanto procura entender seu lugar na família, na escola e na comunidade em que vive. Além dos típicos desafios da entrada na adolescência, a jovem também experimenta as dificuldades de se perceber uma minoria étnica e de usar sua voz para combater o racismo.

Para tanto, Beans (Kiawentiio) conta com a amizade nada gentil de April (Paulina Alexis), uma adolescente mais velha que age como sua tutora nos assuntos da puberdade. Em seu processo de amadurecimento, Beans é confrontada por duas linhas de pensamento dominantes. A primeira delas, apregoada pelo pai e confirmada por April, é de que ela deve ser forte e aprender a impor sua vontade. Se ele não sentir dor, ou não demonstrá-la, ninguém conseguirá machuca-la. A segunda, reforçada por sua mãe, é de que, para ser respeitada, primeiro é necessário respeitar o outro.

Em meio a essa ideias, a jovem precisa encontrar a sua essência. Nesse processo, ela vai das brincadeiras pueris à rebeldia adolescente em poucas cenas. Isso porque todo o processo de coming of age de Beans é permeado pela disputa territorial dos Mohawk. Entre manifestações e bloqueios de estradas, a garota percebe que os dias despreocupados da infância estão para trás, ao mesmo tempo em que seu mundo ganha diversas camadas de complexidade. Por vezes, para fugir da dor psicológica do racismo, Beans se auto impõe uma dor física, que de alguma maneira parece mais suportável. A personagem só alcança um equilíbrio emocional quando percebe que não precisa ser uma coisa ou outra. Ela pode ser forte e gentil ao mesmo tempo, sem precisar perder sua essência pelo caminho.

Vencedor do prêmio Estrelas em Ascensão do Festival de Toronto, Beans ganha pontos por tocar em questões com alto teor emocional como a relação mãe e filha, as motivações para a escolha de uma profissão e, sobretudo, a demarcação das terras indígenas. Este último assunto aparece de maneira recorrente em tramas do continente americano, uma vez que a desapropriação e a segregação dos povos originários foi feita de maneira incisiva em todos os países daqui.

Entretanto, Beans recai com certa facilidade na armadilha das justificativas rápidas e da dramatização pronunciada. Ainda que na questão indígena exista claramente um lado correto, o filme adota um tom maniqueísta e acaba carregando nas atuações, em especial da mãe. Sobretudo, a produção divide atenções entre a reconstituição histórica e o coming of age, o que compromete o andamento de ambas as linhas narrativas. O resultado final é um filme com uma carga emotiva inegável, mas que resolve seus conflitos de maneira simplista, sem uma atualização histórica,  e que cede ao irresistível charme do final feliz. Ainda sim vale o play por ser uma produção escrita e dirigida por uma cineasta Mohawk

Essa crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Beans

 

Ano: 2020
Direção: Tracey Deer
Roteiro: Tracey Deer, Meredith Vuchnich
Elenco principal:  Kiawentiio, Violah Beauvais, Rainbow Dickerson
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Canadá

Avaliação Geral: 3