Guerra é, possivelmente, a temática mais recorrente no cinema (principalmente o americano). Não faltam obras e mais obras abordando de maneiras distintas as guerras do passado e as atuais. Nesse Oscar mesmo tivemos dois filmes sobre guerra: um que lidava com o anseio dos soldados de saírem vivos de um local (Dunkirk) e outro que se concentrava numa figura importante da história e mostrando os bastidores da guerra (O Destino de uma Nação).

Não faltam abordagens mais distintas sobre esse tema no cinema, mas era de se esperar que Richard Linklater, um cineasta de obras tão sensíveis como a trilogia do Antes e Boyhood, trataria disso com mais delicadeza e revelando mais os efeitos e cicatrizes que a guerra pode trazer e perdurar para o resto da vida. É daí que parte seu novo longa, A Melhor Escolha.

Embora não se trate de uma premissa tão original assim, já que o clássico de 1946, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, já tenha se baseado mais na experiência pós-guerra dos soldados do que nos campos de batalha em si, Linklater aqui opta por estudar velhos veteranos de guerra que, cada um a sua maneira, lida com os horrores que passaram lá.

Escrito por Linklater e Darryl Ponicsan, autor do livro que baseou o filme, a história se inicia com Larry ‘Doc’ Shepherd (Carell) reencontrando seus ex-companheiros Sal Nealon (Cranston) e o reverendo Richard Mueller (Fishburne). Viúvo, Larry os convida para o enterro de seu único filho, Larry Jr., morto na guerra do Iraque. No objetivo de transportarem o corpo do rapaz para sua cidade natal, eles trocam e exprimem memórias e experiências da época da guerra e após ela.

Adotando uma estrutura road movie, aqui é um filme que se dedica aos personagens e seus diálogos, algo que Linklater domina muito bem, visto que toda sua trilogia do Antes consiste em personagens conversando e locações sendo mudadas. Aqui não é muito diferente, já que o diretor tem habilidade de já demarcar as características de seu trio de personagens principal.

As naturezas e os rumos que os personagens assumiram na vida denotam suas personalidades: Sal é um alcoólatra, dono de um bar, absolutamente irreverente e cheio de cinismo e humor e que obviamente insiste em ter um modo de vida jovial que tinha trinta anos atrás. O que contrasta completamente com o reverendo, que ao contrário de Sal, tenta se afastar totalmente daquela vida com sua religião e fé. Mas ambos usando métodos e maneiras de conseguirem lidar com o terror que passaram.

O que parece guia-los para um distanciamento que os permita verem suas vidas e lidarem com o passado é justamente Larry, que obviamente se trata do personagem mais melancólico e trágico aqui, onde consegue encontrar conforto ao conseguir criar essa reconexão com os velhos amigos, que durante aqueles trinta anos não havia falado.

É essa dinâmica fascinante que não apenas consegue sustentar bem o filme, como também atiça mais nossa curiosidade de conhecer melhor aquelas figuras. Outro grande mérito do roteiro é jamais apelar ou soar melodramático e piegas. Se 90% dos cineastas usariam flashbacks deles na guerra ou do filho de Larry sendo morto para criarem uma comoção maior, Linklater é seguro o suficiente para extrair essas memórias dolorosas dos personagens com as ações deles e nos prender ali.

Porém, a âncora do filme e essencial para que este funcionasse de maneira plena é a caracterização do seu talentosíssimo elenco, onde os três são igualmente fascinantes e carismáticos para sustentarem seus personagens.

Bryan Cranston, que, perdão pelo hiperbolismo, nos ofereceu uma das melhores atuações de todos os tempos do audiovisual (Breaking Bad), é um ator de qualidade tamanha que tem o talento para que o espectador tenha simpatia por um personagem que passa a maior parte do tempo enchendo a cara ou falando barbaridades. Ele representa o espírito de aventura do trio e Cranston imprime seu carisma costumeiro para tornar seu personagem absolutamente espirituoso e simpático com a dor do seu amigo, Larry.

Outro ator de grande categoria, Laurence Fishburne também faz um pequeno milagre ao não permitir que seu reverendo Richard se torne “o chato” do grupo, demonstrando uma fragilidade física por conta da sua perna e da necessidade da bengala, e em momentos críticos deixando escapar palavras de baixo calão que denotam que um pouco do antigo Richard ainda reside naquela capa de religiosidade. E é belo o momento em que os três conversam no trem e Richard se vê a vontade de falar histórias que normalmente na sua igreja não poderia.

Mas o destaque repousa no protagonista e no trabalho mais sutil daqui. O que comprova novamente que Steve Carell se trata não apenas de um excelente comediante, mas sim de um excelente ator. Por trás dos seus óculos e do bigode, ele parece esconder um amalgamado de dor profunda, depressão, mas também de carência e grande afeto, sendo capaz de poder agir nos momentos onde é exigido e dar valor aos pequenos prazeres e do momento de estar com seus velhos companheiros e Carell, fugindo do estigma de comediante, oferece uma atuação profundamente delicada e melancólica.

Encontrando espaço até mesmo para desenvolver o personagem Washington (Johnson), amigo de Larry Jr., ao trazer um belo momento onde ele explica as razões de ter ido para a guerra, o que Linklater usa como crítica social. O que poderia ser muito bem ser um filme ufanista, com a mensagem “ele morreu como herói por estar lutando pelo seu país”, Linklater descontrói de maneira muito realista essa lógica, revelando as incoerências das batalhas e as mortes trazidas por elas. Explicitamente, Linklater critica o governo Bush e implicitamente também, com sutilezas como um pôster do álbum Hail to the Thief, da banda Radiohead.

No quesito técnico, não há muitas invencionices por parte da direção de Linklater. Ele realiza o básico e absolutamente funcional para fisgar o espectador, como planos que são muito próximos de seus atores e planos que os trazem juntos e unidos quase sempre, revelando a intencionalidade de estudar aqueles personagens e compreender o que há neles. Também muito bem escolhido é a fotografia acinzentada e quase gélida que remete a um clima de luto no filme, o que também é salientado pelo figurino do trio, quase essencialmente preto ou cores escuras.

O encontro dos três também acaba relembrando grandes arrependimentos que cometeram no passado e que a oportunidade ali os faz tomar consciência e, da forma que puderem, corrigirem aquilo, o que também serve para Linklater abordar sobre a glorificação em cima da morte de um soldado e as mentiras que o exército americano costuma criar e que poderia soar deslocado da trama principal, mas acaba sendo certeiro.

Trazendo algumas barrigas no roteiro e desgastando a dinâmica de discórdia entre Sal e Richard em alguns momentos, no geral A Melhor Escolha é um reflexo da sensibilidade e agudeza de um cineasta talentoso que traz frescor em um tema tão saturado no cinema e que consegue ser tocante e crítico na mesma medida, tendo um carinho enorme pelo seu fascinante trio de personagens.

A Melhor Escolha

Ano: 2017
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Darryl Ponicsan
Elenco principal: Steve Carell, Bryan Cranston, Laurence Fishburne, J. Quinton Johnson, Deanna Reed-Foster, Yul Vazquez
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 4,0