Cyrano de Bergerac é uma das peças de maior sucesso na França. Escrita por Edmond Rostand em 1897, a trama é uma ficção que possui o histórico Cyrano, que viveu no século XVII, como protagonista. Na montagem, Bergerac auxilia seu amigo Cristiano a conquistar a bela Roxana, ao escrever cartas de amor para ela se passando pelo companheiro.

Contudo, poucos sabem que a história do desenvolvimento da peça é tão curiosa quanto seu enredo. Tais peripécias recebem atenção no filme Cyrano, Mon Amour, primeiro trabalho do ator Alexis Michalik como diretor. Aqui vemos os desafios enfrentados por Rostand (Thomas Solivérès) em seu processo de escrita.

Após uma seca criativa de dois anos, ele oferece a Constant Coquelin (Olivier Gourmet), famoso ator da época, uma comédia heroica para aquecer o coração dos franceses durante as festas natalinas. O único problema é que a peça ainda não foi escrita. Ignorando as exigências de Maria (Mathilde Signer), a atriz principal, as imposições da dupla de produtores, Ange (Simon Abkarian) e Marcel Floury (Marc Andréoni), os ciúmes de sua esposa, Rosemonde (Alice de Lencquesaing), a paixão de seu amigo Leo (Tom Leeb) com a costureira Jeanne (Lucie Boujenah) e a falta de entusiasmo de todos ao seu redor, Edmond escreve o texto que ninguém acredita.

Desde o início, o filme se mostra uma homenagem ao teatro e à vida nos palcos. Os elementos narrativos seguem a mesma linha e exaltam as artes cênicas, cada um à sua maneira. A montagem narrativa exige pouco do espectador; a trilha sonora é repleta de acordes tradicionais e dita o tom de cada cena, conduzindo as emoções ao longo dos atos; as atuações beiram o caricato, e a câmera faz questão de exaltar as expressões exacerbadas dos personagens.

Em se tratando de câmera, esta se mostra inquieta e realiza movimentos quase contínuos, sempre circundando os atores. Seu trajeto ensaiado mostra personagens e objetos cuidadosamente inseridos na mise-em-scéne. Em consequência, temos planos longos que realçam o belo trabalho das equipes de arte e figurino. Um verdadeiro espetáculo para os olhos.

Alicerçando tudo isso está o roteiro, também assinado por Michalik. Nesse ponto, o longa apresenta inconsistências. A um primeiro olhar, o texto se mostra poético e intenso, com personagens conversando constantemente. Entretanto, as linhas caminham por uma trilha conhecida: extraem humor da repetição de palavras, como na cena do hotel, e criam brechas cada vez mais difíceis de transpor, que afastam o protagonista de seu objeto de desejo. O resultado fica aquém do esperado ao se apoiar em coincidências e resolver os dilemas dos personagens de maneira simplista.

Tais falhas se refletem também na formação das figuras dramáticas: Edmond é o típico artista sofrido que não consegue escrever e recorre a situações da própria vida como combustível para o andamento da ficção. Já o dono do café cumpre o papel de consciência de Rostand, sempre pronto a dar conselhos e incentivá-lo a tomar as atitudes corretas.

Por fim, a visão do diretor se mostra rasa quanto ao espaço dado às mulheres. Aqui elas cumprem papéis pré-determinados: Maria é a velha megera, Rosemonde é a esposa ciumenta e Jeanne é a jovem voluptuosa. Cada uma representa uma fase de vida diferente, mas todas estão presas às representações arquetípicas, incapazes de extrapolá-las. Para completar, Edmond brinca com o sentimento delas, mas tal fato tem pouco impacto na narrativa, já que ele é o artista, ser digno de admiração e reverência.

Ainda que apresente certos problemas, Cyrano, Mon Amour é uma comédia leve e descontraída, que cumpre seu efeito escapista. O longa merece ser assistido sem compromissos ou análises aprofundadas. Só assim cumprirá seu papel: exaltar o trabalho de Rostand na construção de uma das maiores peças francesas de todos os tempos.

 

*Esse texto faz parte da cobertura do Cinemascope do Festival Varilux de Cinema Francês 2019

Cyrano, Mon Amour

 

Ano: 2018
Direção: Alexis Michalik
Roteiro: Alexis Michalik
Elenco principal: Thomas Solivérès, Olivier Gourmet, Mathilde Signer, Alice de Lencquesaing, Tom Leeb e Lucie Boujenah
Gênero: ​Comédia, Drama
Nacionalidade: França

Avaliação Geral: 3