No dicionário a palavra pedaço carrega o seguinte significado: parte separada de um todo; porção, fatia, fragmento, fração. Provavelmente não exista uma definição mais exata para qualificar o novo drama do diretor Fatih Akin “Em Pedaços” estrelado pela emblemática Diane Kruguer cuja interpretação rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.
Diane Kruguer em uma performance colossal interpreta Katja Sekerci, uma mulher com uma família recém constituída. Ao lado dela encontram-se o filho Rocco Sekerci e o marido de origem curda Nuri Sekerci. Ao deixar o filho com o seu esposo em um bairro turco na Alemanha, Katja terá que conviver com uma solidão insuportável ao descobrir que na mesma noite, sua família foi assassinada por um grupo neonazista alemão que implantou uma bomba na frente do escritório de sua família.
A metáfora que o título carrega incorpora diversos sentidos ao longo da narrativa. Mais obviamente, os “pedaços” se referem à protagonista completamente devastada, incompleta, ao perder a sua família. Ainda, o título pode se referir aos corpos de Rocco e Nuri que foram encontrados literalmente em pedaços devido ao atrito que a explosão causou. Mas, também, os pedaços se referem à própria estrutura do filme que é separado em três atos; A família, Justiça e O mar.
No primeiro ato, nos é apresentada a família de Katja antes do assassinato; no segundo ato, o julgamento do grupo neonazi e a absolvição do mesmo, demonstrando a negligência do Estado alemão em relação à população imigrante e no terceiro e último ato, a resolução do conflito.
Ao acompanhar a narrativa, percebemos que o filme toca em questões contemporâneas que permeiam as discussões relacionadas ao multiculturalismo e à diversidade em geral. Se por um lado, identificamos a problemática da imigração e do cosmopolitismo, em consonância com a globalização, por outro lado, o filme demonstra o conflito étnico e o reforço à identidade e à fronteira nacional incorporados pelo grupo neonazista. Ora, o que o filme nos revela é a dinâmica atual da Europa onde o fluxo de imigração aumenta constantemente, e, com isso, a xenofobia e o preconceito por parte de grupos radicais e intolerantes.
Além do lado estritamente político do filme, em uma camada mais íntima, somos apresentados a uma protagonista feroz, convivendo com uma tragédia irreparável, completamente devastada, mas com sede de justiça. É possível perceber que o diretor demonstra a instituição familiar como um núcleo corrompido pelo terrorismo e o desespero cotidiano das famílias que sofrem com esse tipo de violência.
O filme termina com uma cena inesperada e brutal onde percebemos que a reflexão ética e os valores morais se esvanecem quando o instinto animal e a emoção tomam conta de um indivíduo. A pergunta que fica ao terminar uma sequência de 137 minutos de pura adrenalina, horror, indignação e angustia é: como conviver com uma dor que por si só amarra o sujeito a uma existência vazia e completamente sem sentido?
Talvez a morte encerre em si um conflito sem solução concedendo justiça a um corpo que por mais íntegro que pareça estar encontra-se completamente Em Pedaços.