Por Eduardo Ferrarini
Sentado na minha poltrona, na escuridão imersiva da sala de cinema, enquanto ouvia o quinquagésimo trocadilho envolvendo o emoji do cocô, minha cabeça começou a fervilhar: será que a animação Emoji: O Filme se trataria do mais fidedigno manifesto acerca da nossa sociedade e das implicações da tecnologia e dos instantâneos meios de comunicação, que vêm tornado nossas relações mais superficiais, tal qual algum episódio qualquer de Black Mirror? Ainda, por justamente adotar uma forma e linguagem tão estúpidas ser condizente com a atual geração alienante?
Ou talvez a construção desse pensamento se deu apenas para que eu pudesse momentaneamente me distanciar do que os realizadores dessa obra cometeram aqui e, assim, tornar o padecimento e pesar mais leves. Já que ele tinha desfeito essa minha teoria logo nos primeiros segundos de projeção, pois o filme sente a necessidade de explicar que os emojis são uma das invenções mais importantes da comunicação. Mesmo. Afinal, o que nos transportaria para uma sociedade civilizada e intelectualmente avançada se não tivéssemos agora a possibilidade de mandar um cocô sorridente para uma pessoa especial ou, particularmente o meu favorito e que não surge aqui no filme, uma seta apontada para cima com os dizeres “TOP”?
Porque provavelmente seria mais honesto e digno da parte dos três roteiristas assumirem se tratar de um caça-níquel que se aproveita de um fenômeno comunicativo do que uma história com alguma relevância social. Por saberem não ser o caso, tornam a fragilíssima e entediante história num emaranhado de lições de morais baratas sobre amizade, ser você mesmo e qualquer outra coisa que algum parente seu deve postar num grupo de Whatsapp.
Sobre a tal história, se trata de Gene, um emoji que mora no celular de uma criança chamada Alex. Ele caminha para seu primeiro dia de trabalho na cabine dos emojis para servir… bem, como emoji. Por ser alguém que consegue personificar várias expressões, ele é visto como um bug pela sua chefe Sorridente, que logo se encarrega de elimina-lo. Ao lado de Hi-5, que se torna imediatamente seu amigo apenas ao trombar com ele, fogem da cidade em busca de uma nuvem para poder configurar Gene e torna-lo no emoji que ele supostamente deve ser e fazer Hi-5 um emoji popular novamente, antes que Alex configure e apague todas as informações de seu celular. Para isso, contam com a ajuda da hacker Rebelde para chegar lá.
Sim, é um roteiro absolutamente enfadonho, que usa do artificio clássico dos personagens perceberem que o que eles precisavam não eram o que eles queriam no início, mas de maneira tão preguiçosa e óbvia que “concluem” arcos apenas fazendo algum personagem dizer literalmente “o importante é ter amigos de verdade e não ser popular!”. Por isso mesmo seria uma tarefa absolutamente frustrante tentar destrinchar os personagens e suas personalidades, pois o filme é um grande oco sem muito o que dizer. No máximo, posso apontar como algo positivo a tentativa de usarem a personagem Rebelde para fazer um comentário acerca do estereótipo de gênero (algo feito de forma mais eficiente no recente Carros 3), mas é tão inorgânico e raso, além de logo ser sabotado pelo final que dão para a personagem, chegando a ser absolutamente incoerente.
Sem personagens carismáticos, afinal se tratam de emojis com uma única expressão, o que os torna unidimensionais obviamente, passa a imperar aqui todos os tipos de trocadilhos possíveis, especialmente envolvendo os de cocô, já que piadas com fezes são o tipo mais sofisticado de humor de todos. E é impressionante como a dublagem brasileira conseguiu achar brecha para disparar tantos assim a ponto do filme virar uma grande ceia onde só é servido pavê e há centenas de milhões de tios do pavê para fazerem o apontamento mais infame de todo o mundo. Nem o talentoso Guilherme Briggs, que dubla Hi-5 na versão brasileira, consegue tornar a experiência menos intolerável.
Não sabendo nem construir uma lógica geográfica do universo do celular, já que é injustificável a razão do porquê os personagens precisarem passar por certos aplicativos para chegarem em outros se há um grande corredor que os separam. Ah sim, a razão é porque senão não haveria a possibilidade de diversos merchans de aplicativos como Facebook, Twitter, Youtube, Instagram, Spotify, Candy Crush, Just Dance, Dropbox… E nenhum desses ambientes consegue ser ao menos visualmente interessante, já que boa parte da direção de arte aqui nada mais é do que espaços vazios gigantes sem grandes atrativos (a do Candy Crush, a mais polida, é apenas uma réplica barata do Sugar Rush de Detona Ralph).
Talvez mais insuportável do que o mundo dos emojis, se trata dos breves (ainda bem) momentos no mundo real, onde a concepção dos criadores é que as pessoas e os adolescentes são grandes imbecis que parecem incapazes de conversar pessoalmente, ao trazer o receio de Alex responder uma mensagem de uma garota pela qual ele é apaixonado, sendo que a dita cuja se encontra presente na mesma sala que ele. E o que dizer do encantamento de uma pessoa por outra porque ela mandou um emoji que se mexe e assim ela conclui “como você é expressivo e interessante”, me fazendo comprovar que os seres humanos habitantes desse universo possuem QI de um dígito?
Querendo fazer engolir a importância dos emojis novamente ao trazer uma comparação destes com o hieróglifo, o que dá indícios de um rumo que o filme sugere, uma realidade onde houve uma regressão linguística da humanidade, onde aos poucos perderemos a capacidade de exercer uma comunicação oral, nos tornando seres primitivos iconólatras de um cocô sorridente gigante. Uma realidade aterradora, mas não mais do que aquela onde Emoji: O Filme existe.
Emoji: O Filme (The Emoji Movie)
Ano: 2017
Direção: Tony Leondis