“Não existe verdade, é tudo besteira. Todo mundo tem sua própria verdade.” Com essa premissa, o cineasta Craig Gillespie tentou fazer de Eu, Tonya (I, Tonya) uma espécie de mocumentário (termo que vem das palavras mock/falso + documentary/documentário), para apresentar uma versão – supostamente a real – da controversa história da patinadora Tonya Harding.
Tonya foi campeã norte-americana de patinação artística no gelo em 1991 e participou das Olimpíadas duas vezes pela equipe dos Estados Unidos. Ela também foi a primeira mulher a executar um salto de extrema dificuldade, chamado “axel triplo”, duas vezes em uma mesma competição, mas acabou sendo impedida de continuar sua carreira pela acusação de cumplicidade em um ataque contra uma patinadora adversária.
O longa, escrito por Steven Rogers, é livremente inspirado em fatos reais. Logo no início, os atores simulam as entrevistas que serviram como base para muitas das cenas retratadas no filme. O recurso de quebra da “quarta parede” (quando os atores falam para a câmera, como se estivessem conversando com o espectador) é utilizado com alguma frequência, mas de maneira inteligente.
Margot Robbie, como Tonya, segue mostrando que é um dos maiores talentos de sua geração. No papel da destemida e impetuosa protagonista, ela traz à tona o que a patinadora tinha de mais humano e intenso. Já Sebastian Stan, interpretando o marido violento de Tonya, prova ser muito mais do que um galã de Hollywood. Allison Janney, que vive a mãe de Tonya, também brilha em seu papel. Ela consegue ser, ao mesmo tempo, insuportável e irresistível.
Igualmente cheia de contrastes é a trajetória da atleta: um misto de comédia e drama, de glória e decadência. Desde pequena, ela encontrou no esporte uma saída para a vida pobre e sem perspectivas. A mãe, uma garçonete com sonhos grandiosos e muitas frustrações, projetou na filha todos os seus desejos não realizados e cobrou dela a perfeição. O relacionamento familiar abusivo levou Tonya a um casamento igualmente desastroso. Nas palavras de sua mãe, ela acabou casando com o primeiro idiota que a chamou de bonita.
Esse idiota era Jeff Gillooly, um homem que não apenas a agredia constantemente, mas que destruiu sua vida profissional. Mesmo assim, ela acreditava que a culpa por ser tratada como lixo pelas pessoas que amava era dela mesma. Jeff foi o responsável por arquitetar um plano que envolvia ameaçar a principal concorrente de Tonya. Na realidade, a patinadora Nancy Kerrigan acabou tendo seu joelho quebrado e, após uma investigação policial que apontou diversas contradições nos depoimentos dos envolvidos, Tonya foi a julgamento como cúmplice do crime.
O diretor claramente se inspirou no estilo de Martin Scorsese para retratar a irreverente protagonista e colocar na mesa as diversas versões de sua história. A estratégia funciona, em parte, embora a sutileza se perca em alguns momentos. É sempre difícil fazer com que as pessoas torçam por uma personagem que beira a autodestruição, já que esse tipo de atitude não costuma gerar muita empatia. No entanto, a narrativa mantém o público envolvido e os fatos reais, por si só, já seriam suficientemente interessantes para dar um bom filme.
Por mais diferentes que sejam as opiniões sobre o “incidente” que deu fim à carreira de Tonya, uma coisa é certa: a vida dela não foi nada fácil. A patinadora nunca se encaixou no padrão de elegância e graciosidade que se esperava dela, mas conseguiu se destacar à sua maneira. Em um mundo injusto, ela só queria poder fazer a única coisa na qual era capaz de ser melhor do que os outros. “Eles querem alguém para amar, mas também querem alguém para odiar.” Ame ou odeie, a polêmica personagem pelo menos conseguiu algo único: deixar sua marca na história.