Carros e automobilismo estão longe de serem coisas que eu aprecie. No entanto, um dos possíveis indícios da qualidade ou validade de um filme é quando ele te faz se interessar por um tema ou assunto que está longe de ser algo que você goste. Foi o que aconteceu com Ford vs Ferrari (2019). O filme conta a história da tentativa da Ford Motor Company de vencer a quase invicta Ferrari no torneio de Le Mans que dura 24 horas. Matt Damon interpreta o designer automotivo Carroll Shelby e Christian Bale o piloto Ken Miles. Juntos, eles tentam desenvolver o carro perfeito para vencer a competição.
Em termos de atuação Christian Bale, mais uma vez, merece destaque. A cada papel que ele encarna, desde Psicopata Americano (2000) até Vice (2018), ele parece desenvolver movimentos e certos tiques que dão legitimidade aos seus papéis. E isso não é diferente em Ford vs Ferrari. Aqui ele é um cara teimoso e um tanto sarcástico, mas que, ao mesmo temo, nutre um grande respeito por sua família. Mais uma vez, ele utiliza aqueles recursos de brincar com seu peso para dar mais veracidade ao personagem. Com alguns quilos a menos, ele constrói uma figura de aparência frágil que tem como principal trunfo uma língua afiada e sarcástica envolta por um temperamento difícil. Coisa que é um desafio para o personagem de Matt Damon, o responsável por fazer a ponte entre o que seus patrões e acionistas da Ford querem e a genialidade e esperteza do personagem de Bale.
A paixão por carros é vista como algo que passa de pai para filho e um elo entre os dois. Tanto o personagem de Bale e seu filho quanto Henry Ford II (Tracy Letts), dono da Ford, nutrem uma paixão por carros e fazem dela uma razão para viver. É interessante, como eu disse logo no começo, que mesmo não sendo aficionado pelo assunto, os personagens impregnam tanta paixão pelo que estão fazendo que passamos a admirá-los e torcer para que tudo dê certo no final. Ford vs Ferrari faz a gente ficar tenso quando o carro apresenta falhas e ficar desesperado quando algo dá realmente errado e o carro começa a pegar fogo.
Esse ambiente competitivo me lembrou muito outros filmes como A Rede Social (2009) e A Grande Aposta (2015), esse último inclusive tem Christian Bale no elenco. Nesses dois, informações importantes são mantidas em segredo absoluto e a fuga de qualquer uma dessas pode atrapalhar e muito todo o processo. A diferença de Ford vs Ferrari para esses dois, principalmente para A Rede Social, é que, no filme de corrida, temos muita certeza da índole dos personagens e para quem devemos torcer. Já no filme do Facebook, não temos tanta certeza se Mark Zuckeberg (Jesse Eisenberg) é um mocinho, vilão ou um babaca. Cada pessoa que eu perguntava sobre o filme tinha uma visão diferente sobre a história toda e principalmente sobre o protagonista. Acho que Ken Miles (Bale) tem valores mais sólidos como a família e o futuro financeiro dessa enquanto Zuckenberg pensa em ser grande.
É interessante também que, diferente da franquia Velozes e Furiosos e outros filmes do gênero, toda a velocidade, o ronco dos motores dos carros e as cenas de ação não ficam maiores que o próprio enredo ou os personagens. Esses elementos são parte da história. É importante ressaltar isso, pois é um dos elementos dos grandes expoentes do cinema atual. Os efeitos visuais e toda tecnologia empregada acabam sobrepondo a história e os personagens, fazendo a pirotecnia sendo a grande ou a única atração do filme. Aqui, por mais que não tenhamos carros virando robôs, os momentos de corrida precisam de um trabalho mais apurado para nos sentirmos dentro dos carros. Aliás, assistir numa boa sala de cinema, inclusive com um sistema de som bom, faz uma boa diferença.