Adam McKay inicialmente se estabeleceu como um diretor e roteirista de comédias (como o divertido O Âncora), até ganhar notoriedade pela Academia com seu excelente A Grande Aposta. Esse novo olhar para o cineasta talvez tenha lhe feito um pouco mal, já que ele faz de tudo para que seu novo filme, Vice, seja levado a sério, mas sem largar mão do humor cínico e debochado presente também no seu filme anterior.

Ao contrário de A Grande Aposta, que se tratava de uma comédia que falava de algo sério, Vice aposta em momentos dramáticos que entram em atrito com a abordagem zombeteira típica do cineasta e se torna um filme difuso em sua forma e vago em sua narrativa.

O roteiro do próprio McKay retrata a trajetória do político Dick Cheney (Bale), que de um aparente fracassado alcoólatra de Wyoming se tornou o vice-presidente dos EUA de George W. Bush (Rockwell), tomando decisões irreversíveis e impiedosas, entre elas, a Guerra no Iraque.

Se tratando de uma cinebiografia de Cheney, o roteiro não estabelece muito bem as ações que fazem o protagonista atingir os postos políticos que alcança. Em determinado momento vemos ele tomando um sermão de sua esposa (Adams), e na cena seguinte ele já se encontra no meio político.

Claro que há uma visão do diretor que trata Cheney como um grande estúpido que por algum acaso chegou na vice-presidência, mas não é uma justificativa para deixar buracos, além de distanciar da realidade de uma figura que existe. Aliás, é contraditório que o diretor pinte Cheney como uma caricatura da burocracia americana, mas traga momentos que tentem humaniza-lo, como sua relação com as filhas e a rivalidade com o pai de sua mulher, Lynne. É mais um exemplo da falta de foco do filme e como ele não sabe articular bem seus diferentes estilos.

Aqui, o cineasta usa de câmera na mão, textos na tela, narração em off (feita por Jesse Plemons), flashbacks do pai de Lynne sendo abusivo com ela e a mãe e até mesmo cria um diálogo shakespeariano entre Dick e Lynne. Mas ao contrário de A Grande Aposta, que usa dessas variações estilísticas para dar adrenalina a uma história de personagens inescrupulosos, Vice é impreciso em sobre o que quer falar e como quer ser.

Claro que inevitavelmente o filme acerta em alguns elementos. Há uma bela rima visual entre o pé inquieto de Bush em um discurso para a televisão que é colocado ao lado de um pé inquietante de um homem cuja casa está sendo bombardeada no Oriente Médio. Além, claro, do acerto do fabuloso elenco.

Christian Bale mais uma vez se transforma fisicamente e reproduz com fidelidade um Dick Cheney que se converte de um medíocre americano para um poderoso e implacável político que visa o poder. Não usando o ganho de peso como mera fantasia, Bale imita o sotaque e transluz a falta de ar e fala abafada que o físico dá ao político. É o tipo de atuação que sobressai a figura do ator e faz esquecer ser o mesmo intérprete de Batman, por exemplo.

Já Amy Adams interpreta uma Lynne Chaney que corresponde às ambições políticas do marido e tem forças de coloca-lo na parede para agir da forma que deseja. Tomando as rédeas quando Dick não pode, Lynne também transparece seu nítido conservadorismo, ao criticar as feministas que queimam sutiãs ou sua reação ao descobrir a orientação sexual de sua filha.

Pra completar, Sam Rockwell depois de Três Anúncios para um Crime tem se especializado em fazer papéis de idiotas. Seu George W. Bush não passa de uma criança perdida num corpo de velho e cujo olhar perdido e fala insegura só revelam a incompetência e falta de inteligência completa do sujeito.

A maquiagem é outro elemento fenomenal que encobre muito bem a idade dos intérpretes e a passagem de tempo (vide o trabalho feito em Bale e em Steve Carell, ótimo também), o que facilita nos saltos temporais que McKay parece dar em seu roteiro.

O uso da metalinguagem aqui é feita de maneira óbvia e se julgando muito mais esperta do que efetivamente é, como a piadinha dos créditos finais subindo antes ou quando Dick Chaney quebra a quarta parede e tenta esclarecer seus atos, algo que o cineasta acredita ser impactante, mas feita a exaustão no cinema e nas séries (alô, House of Cards).

O que se conclui é que Vice é um filme que tenta construir camadas, mas poucas se sustentam plenamente. Adam McKay parece atirar em todos os lados com seus estilos e decisões, mas acerta algumas poucas vezes, o que não o leva ao desastre pelo excelente elenco.

Vice

Ano: 2018
Direção: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay
Elenco principal: Christian Bale, Amy Adams, Steve Carell, Sam Rockwell, Alison Pill, Eddie Marsan
Gênero: ​Comédia, Drama
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: 2,5